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José Paulo Kupfer

Sem quebrar ovos no teto de gasto, governo não fará omelete do novo auxílio

26/11/2020 04h00

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O presidente Jair Bolsonaro e seu governo vivem um dilema. Podem não declarar, mas sabem que a economia terá ainda mais problemas em 2021 sem a renovação de uma renda básica para vulneráveis e informais, à moda do auxílio emergencial de 2020. Mas os gastos com a pandemia, a começar justamente do auxílio emergencial, esticaram a corda das contas públicas. De onde e de quem tirar despesas públicas para acomodar os gastos com um novo auxílio?

No meio desse caminho tem uma regra constitucional, rígida e claramente inexequível, o teto de gastos, que dá ao dilema de Bolsonaro e de seu governo um tom ainda mais dramático. Desde que, em 25 de agosto, há exatos três meses, o presidente decidiu que não "tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos", o auxílio foi reduzido pela metade, a abrangência do programa também encolheu, mas a solução para um benefício mais permanente - a renda básica, no fim das contas - ficou rodando em falso, como um antigo disco de vinil arranhado.

Ilusão achar que uma extensão para 2021 do auxílio emergencial é dispensável. Até o fim de 2020 terão sido mais de R$ 300 bilhões, algo como 4% do PIB, despejados quase integralmente no consumo, por 65 milhões de pessoas, quase um terço de todos os brasileiros. Deve-se ao auxílio parte relevante da redução pela metade das projeções que apontavam para este ano queda de 10% no PIB (Produto Interno Bruto), bem como do aumento da popularidade de Bolsonaro, sobretudo entre as populações de menor renda, que não estavam entre as que votaram no capitão reformado em 2018.

Se, no terceiro trimestre, o auxílio teria ajudado a atividade econômica a se recuperar do mergulho ocorrido nos três meses anteriores, a redução do benefício pela metade, nos últimos meses de 2020, é apontada como fator para as previsões de freada no crescimento, neste trimestre final do ano. Com relação à aprovação de Bolsonaro, nas pesquisas de opinião, a situação também passou a ser de queda, depois do corte no benefício e das dúvidas sobre sua permanência em 2021.

Sinais de que a aprovação de Bolsonaro, impulsionada pelo auxílio, sofria abalos, com a redução do benefício, apareceram no primeiro turno das eleições municipais. Candidatos explicitamente apoiados pelo presidente e outros, alinhados ao bolsonarismo, sofreram derrotas ou receberam votações menores do que as previstas. Esse foi o caso, por exemplo, de Carlos Bolsonaro, o filho 02, que concorreu à reeleição como vereador no Rio de Janeiro, e elegeu-se com votação um terço inferior à obtida na eleição anterior.

Pesquisa do PoderData, divulgada nesta quarta-feira (25), mostra que a desaprovação do governo Bolsonaro subiu de 43% para 48%, em duas semanas. A aprovação do governo, nos últimos 15 dias, oscilou de 45% para 42%, dentro da margem de erro. Essa inversão não se deve apenas aos ruídos com o auxílio, incluindo, provavelmente, a atitude de Bolsonaro diante da pandemia e, em especial, o repique recente de infecções, internações e mortes pela Covid-19. Mas a incerteza em relação à continuidade do auxílio, sem dúvida, pesa bastante.

Para formatar alguma renda básica em 2021, o governo terá de encontrar um caminho para driblar o teto de gastos. Com a regra em pleno funcionamento, não há espaço para uma despesa do porte requerido por um auxílio ou renda básica, mesmo em versão mais desidratada, sem cortar outras despesas obrigatórias importantes e politicamente sensíveis.

São visíveis as dificuldades em acomodar as novas despesas, de pelo menos R$ 25 bilhões mensais, o mesmo montante hoje destinado ao Bolsa Família, num conjunto de gastos que não pode transbordar da correção anual pelo índice de inflação do ano anterior - ou seja, sem aumento real - e tem mais de 90% deles carimbados como "obrigatórios". Essas dificuldades ficam evidentes com a recorrente volta de ideias já bombardeadas pelo próprio Bolsonaro tempos atrás.

Na busca de saídas, voltou a circular, por exemplo, ideia antiga do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desindexar parte dos benefícios do INSS. Em português claro, Guedes e sua equipe voltaram a sugerir o congelamento das aposentadorias acima de um salário mínimo. É muito mais fácil entender as motivações do ministro do que acreditar na viabilidade da proposta.

Das despesas primárias do governo enquadradas no teto de gastos, a Previdência Social é a mais pesada, absorvendo um terço do total. Depois dela, vêm as despesas com os servidores públicos. Congelar aposentadorias e cortar salários no serviço público são os caminhos mais óbvios, embora os mais espinhosos em termos políticos, para abrir espaços a uma nova despesas dentro dos limites do teto.

O problema é que ambas as ideias já foram rechaçadas por Bolsonaro. Em relação ao funcionalismo, o presidente não aceitou que a reforma proposta por Guedes incluísse os servidores atuais, Judiciário e militares. No caso do congelamento das aposentadorias, em meados de setembro, Bolsonaro ameaçou com "cartão vermelho" quem, no governo, considerasse congelar aposentadorias.

Voltar atrás é atitude corriqueira de Bolsonaro. Seria lícito imaginar, porém, que o retorno de ideias com "cartão vermelho" do presidente revele não a perspectiva de mais um recuo, mas a falta de alternativas diante do garrote do teto de gastos.

A verdade é que sem driblar o teto de gastos, como foi possível em 2020, com o estado de calamidade, que permitiu gastos extraordinários fora da regra, só será possível fazer a omelete do novo auxílio, se forem quebrados ovos que pelo menos flexibilizem a regra de controle de despesas. Amparar vulneráveis, informais e agora uma nova massa de desempregados, salvando ao mesmo tempo a economia, com a manutenção do teto, só derrubando o atendimento de outras populações também carentes. E arriscando a popularidade de Bolsonaro, na segunda e decisiva metade do seu governo.