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José Paulo Kupfer

É enganação Guedes contrapor vacinação a auxílio para economia decolar

18/12/2020 16h48

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, pegou o microfone pela última vez no ano, e deitou falação. Numa sucessão de entrevistas a jornalistas, Guedes, que está saindo de férias até 8 de janeiro, bateu na tecla de que a vacinação em massa vai liberar a economia para voar, sem necessidade de renovar auxílios emergenciais ou adotar algum tipo de renda básica.

Evitar pressões fiscais sobre o teto de gastos, o que será inevitável em qualquer discussão de alguma renda básica para os cidadãos mais à margem da sociedade é o objetivo dessa nova narrativa. Não há, porém, qualquer base mensurável de verdade na contraposição da vacina à existência de uma renda de sustentação de vulneráveis. Até prova em contrário, essa afirmação não passa de uma enganação.

A ideia de que vacinar é mais barato do que manter um auxílio aos mais vulneráveis parece ter obedecido a uma movimento sincronizado e combinado. Quem primeiro lançou o ponto foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em conferência virtual, nesta segunda-feira (14). Em seguida, Guedes e os porta-vozes do mercado financeiro abraçaram o mote. E agora a estão vendendo como solução para crescimento sem novas pressões fiscais.

A economia já enfrentava dificuldades para crescer antes da pandemia, com a atividade econômica operando sem qualquer restrição. Nenhuma mudança estrutural ocorreu depois que a movimentação de pessoas, mercadorias e serviços passou por momentos de bloqueios parciais. Se antes a decolagem não acontecia, por que aconteceria agora, sem maiores novidades na pista?

No seu estilo quase sempre exagerado, Guedes chama de "voo" um crescimento econômico de 4% em 2021. Eis aí uma informação que, podendo vir a ser verdadeira, também ilude. Em situações normais, expansão desse porte poderia mesmo ser classificada como forte - um voo, sem dúvida.

Mas, depois de um mergulho de que deve rodar em torno de 5% em 2020, a "recuperação" do ministro mostrará apenas um repique estatístico, determinado pela base deprimida de comparação. Elas por elas, a economia ainda continuará devendo pelo menos 4% para voltar a utilizar toda a capacidade de que dispunha em 2013, antes da profunda recessão de 2014-2016.

Se a vacinação começar cedo e, rapidamente, alcançar um número considerável de brasileiros - o que, no momento, ainda é bem duvidoso - muitas restrições ao crescimento impostas pela pandemia, é fato, perderão razão de existir. Nem por isso, porém, pode-se garantir que a atividade decolará apenas com a retirada dessa trava.

Será preciso, primeiro, absorver uma massa de desocupados, que atinge atualmente taxa recorde de 15% da força de trabalho, mas não revela a dimensão do problema em toda a sua amplitude. Contingentes recordes de pessoas deixaram a força de trabalho durante a pandemia, engrossando o grupo dos desalentados, a ponto de distorcer as estatísticas de emprego.

Se fosse considerada a taxa de participação pré-pandemia, ou seja, a relação entre população em idade de trabalhar e a força de trabalho, a taxa de desemprego estaria atualmente perto de 25%. Essa é, aliás, a proporção de desempregos entre jovens de 18 a 24 anos. A reabsorção dessas pessoas pelo mercado de trabalho, obviamente, não será automática.

Não é só o desemprego elevado, inibindo a demanda, que dificultará o deslanchar da economia em 2021. Também a situação fiscal difícil colaborará para gerar incertezas e freios ao crescimento.

Há margem mínima - para não dizer nenhuma - para investimentos públicos. Sem eles, as inversões privadas tenderão a ser adiadas ou evitadas. Assim, Guedes volta a exagerar e enganar ao anunciar o Brasil como nova "fronteira do investimento".

A vacinação sozinha resolve menos ainda o problema dos mais vulneráveis. Ainda que a economia retorne ao crescimento, e não se olhe para o que ainda ficará devendo em relação ao que foi perdido, grandes contingentes de brasileiros continuarão à margem da sociedade. Continuar à margem significa não ter acesso a renda permanente, por mínima que seja, e, assim, viver, primeiro de tudo, sob a crueldade da insegurança alimentar.

Com o auxílio emergencial de R$ 600 mensais, que alcançou mais de 65 milhões de pessoas, um terço da população total, a extrema pobreza, temporariamente, foi praticamente eliminada. Sua redução pela metade, no último trimestre de 2020, já começou a reverter esse quadro. Na pré-pandemia, o número de pobres voltou a aumentar, assim como o de brasileiros em situação de insegurança alimentar e fome. São hoje mais de 10 milhões nessa inaceitável condição.

O auxílio emergencial, cujo valor mensal superou em 50% a renda média mensal dos mais pobres, ao custo de mais de R$ 300 bilhões ao ano, não só reduziu a pobreza e o espectro da fome como movimentou a economia. É possível que a circulação dos recursos do auxílio emergencial tenha reduzido pela metade a contração econômica em 2020.

Não há dúvida que uma extensão do auxílio, transformada ou não em renda básica permanente, teria de enfrentar as limitações dos déficits fiscais e da dívida pública. Mas, se não é sustentável manter os níveis de gastos que o auxílio exigiu, também não significa que algum programa do gênero possa ser desprezado. Como se confirmou ao longo de 2020, a sustentação de renda dos mais frágeis assegurou vida mais digna para mais brasileiros e animou a atividade econômica.