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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Declarações sem noção de Guedes chegam agora ao nível da imoralidade

28/04/2021 17h54

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A crise na condução da economia brasileira deve ter alcançado um novo pico nesta última semana de abril. Sinal dessa elevação do estresse pode ser localizado na TPG (Taxa Paulo Guedes), um índice de evidência do nível da crise, que varia na razão direta do acúmulo de declarações sem noção do ministro da Economia.

Nos últimos dias, Guedes acusou a China de ter "inventado" o novo coronavírus causador da covid-19. E foi além, lamentando que as pessoas queiram viver o máximo de tempo possível. "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 [anos]", queixou-se, ao "culpar" o "avanço da medicina" e o "direito à vida" pela "quebra do Estado".

Criada por este colunista, a TGP pode ser aplicada em combinação com o "ciclo de Tinoco" para medir as dificuldades enfrentadas na economia. Trata-se de uma espécie de roteiro de grandes ações anunciadas por Guedes para salvar e impulsionar a atividade econômica, obtendo "um trilhão de reais", e sendo capazes de "surpreender o mundo", mas que ficam para a "semana que vem". O "ciclo de Tinoco" é uma criação do economista Guilherme Tinoco, atualmente assessor especial do secretário da Fazenda paulista, Henrique Meirelles.

Com o acúmulo de diagnósticos equivocados e obsessão por controles fiscais extemporâneos, Guedes vem encontrando dificuldades para conduzir a economia brasileira a um porto seguro, em meio à pandemia que, sem dúvida, dificulta o trabalho. Desde a afirmação, em março de 2020, de que "com R$ 3 bi, R$ 4 bi ou R$ 5 bi a gente aniquila o coronavírus" até a de que "o pior da pandemia já passou e a economia está voltando forte", em novembro, a inconsistência e ausência de senso de realidade acompanham as declarações do ministro.

É comum Guedes alternar avaliações eufóricas, do tipo "a economia está com recuperação em V", com constatações do inverso, caso do "o Estado quebrou", gancho para, na sequência, lamentar que o brasileiro esteja querendo viver mais. Segundo Guedes, com isso, será impossível ao setor público atender à crescente demanda da população por saúde. "No futuro, o setor privado vai responder pela maior parte do atendimento na área da saúde no país", previu o ministro, quando, diferentemente, deveria indicar apoio ao indispensável SUS (Sistema Único de Saúde).

É mais do que sabido que estados não quebram, sobretudo aqueles, como o Brasil, que não carregam dívidas em moeda estrangeira sem cobertura. Na verdade, as limitações de gastos são dadas pelas escolhas políticas da sociedade.

Um país, como é o caso do Brasil, que prefere manter privilégios a grupos de interesse, mantendo isenções e subvenções fiscais em volume elevado, terá, é certo, mais dificuldades em atender a população, principalmente a mais carente. Idem, também como é o caso do Brasil, se prefere aliviar os tributos das classes de renda com maior capacidade de contribuição, taxando mais quem pode contribuir menos.

De qualquer maneira, a pandemia, que o governo do qual Guedes faz parte vem enfrentando de modo desastroso, está cuidando de atender aos desejos do ministro. Se não fosse absolutamente esdrúxulo, Guedes deveria comemorar as mortes causadas pelo covid-19. A pandemia vai fazer a expectativa de vida ao nascer do brasileiro recuar pela primeira vez desde 1940. Estudos com base no número de mortos de fins de 2020, apontam um recuo de quase dois anos na expectativa de vida média ao nascer do brasileiro.

A expectativa ao nascer do brasileiro evoluiu de 45,5 anos, em 1940, para 76,6 anos, em 2019. Segundo o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, "historicamente, a cada três anos, ganhamos um ano na expectativa de vida ao nascer, mas agora vamos perder em um ano o que levamos seis para conseguir".

Avanços sociais e econômicos explicam essa evolução positiva. Além dos progressos da medicina, a redução da mortalidade infantil, o acesso a saneamento básico e a uma alimentação regular, assim como a adoção de hábitos de vida mais saudáveis - o que reflete acesso mais amplo à educação - estão, entre outros, na base do prolongamento da vida das pessoas.

No Brasil, se a violência não fosse tão generalizada, principalmente na população jovem masculina, e se o trânsito fosse mais seguro, causando menos mortes, a expectativa de vida ao nascer do brasileiro seria ainda maior. Ainda maior também, sem dúvida, seria a pressão fiscal, com aumento nos gastos públicos com saúde e previdência pública.

Mas é escandalosamente imoral pretender conter pressões fiscais pela absurda ideia de eliminar os seres humanos que "causam" o problema. Imoral e incompetente, porque esse é parte do conflito distributivo que governos têm obrigação de moderar e conduzir a soluções equilibradas.