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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro produz o 'barulho político' que, para Guedes, faz subir o dólar

15/09/2021 17h02

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Como planejador e executor de políticas econômicas, o ministro Paulo Guedes tem deixado a desejar. A trajetória já explícita da economia brasileira rumo a um período de estagflação - baixo crescimento com inflação elevada -, alongamento do desemprego e pobreza em alta é prova de que tem falhado, embora seja de justiça destacar que seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, dificulta muito o trabalho.

Mas como animador de auditório, Guedes está se revelando quase um Pelé. Não há um único dia em que o ministro não saque uma declaração capaz de levantar sobrancelhas ou provocar risadas, pelo conteúdo espantoso ou fora da realidade. "Crescimento em V" ou "o mundo vai se surpreender com o Brasil" são duas das frases mais frequentes e corriqueiras. Estão também entre as muitas que não se comprovam.

Nesta terça-feira (14), em mais uma das infindáveis "lives" de que participa, animando plateias, sobretudo no mercado financeiro, Guedes culpou o "barulho político" pela cotação do dólar superior a R$ 5, acima do que seria, segundo ele, o valor de equilíbrio, entre R$ 3,80 e R$ 4,20. "Não tem problema dólar mais alto, [dá] mais tempo para exportações. O importante é continuar fazendo tudo certo", afirmou.

Difícil saber qual seria, no momento, a taxa de câmbio de equilíbrio sem o "barulho político" referido por Guedes. Estimar taxa de câmbio de equilíbrio é um exercício bastante complicado. Como ensina a anedota clássica, definir câmbio de equilíbrio ou prever cotação futura do dólar, é um exercício criado para humilhar os economistas. De todo modo, é certo que o "barulho político" opera para elevar as cotações.

O inusitado do comentário é "esquecer" que o "barulho político" tem sido produzido pelo chefe do ministro, o presidente Jair Bolsonaro. Quando um presidente se lança em aventuras autocráticas, implodindo pontes institucionais e ameaçando descumprir decisões dos outros Poderes, o dinheiro sai em debandada. Dinheiro não aceita desaforo, ensina o ditado.

Bolsonaro tem distribuído ameaças aos demais Poderes desde o início de seu governo, alimentando instabilidades. A situação evoluiu até o ponto próximo ao rompimento no último Sete de Setembro. O presidente foi temporariamente contido, mas os efeitos adversos do clima político tóxico ainda não se esgotaram.

Em ambientes de incerteza, notadamente de incerteza política, a reação imediata dos agentes econômicos é a de retração. No setor produtivo, decisões de investimento são quase automaticamente adiadas, enquanto no setor financeiro, ocorre uma fuga de recursos para portos mais seguros. É nesses movimentos que a cotação do dólar sobe, refletindo a fuga dos investidores busca de proteção diante do ambiente de instabilidade. É inevitável que, nessas circunstâncias, a cotação da moeda americana ante o real fique acima de onde deveria estar se apenas os fundamentos da economia estivessem influenciando o mercado.

Guedes não ignora nada isso. Na mesma "live" em que lamentou os estragos do "barulho político" na taxa de câmbio, o ministro reconheceu que "os atores políticos cometem excessos", sendo, porém, limitados pelas instituições. "Toda hora tem um no Brasil que pula da cerca para o lado selvagem, mas instituições convidam para voltar ao lado certo", completou.

Faltou dizer que, mais do que qualquer eventual outro, é Bolsonaro o ator político que está cometendo excessos, pulando a cerca para o lado selvagem e colaborando para complicar a economia.