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José Paulo Kupfer

REPORTAGEM

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Taxar exportação de petróleo frearia alta de combustível, propõe economista

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Imagem: Divulgação

03/05/2022 10h13

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Surtos inflacionários estão ocorrendo em todo o mundo, mas não é correto dizer que se trata de uma "inflação global". Mesmo considerando que a origem do fenômeno se localiza nas sequelas econômicas da pandemia, que afetou o mundo inteiro, agora potencializada pela guerra na Ucrânia, as causas das pressões inflacionárias, no fundo, são sempre locais.

É verdade que a disparada das cotações internacionais do petróleo está na base das pressões inflacionárias em toda as partes. Mas, a maneira de enfrentar o problema difere em cada lugar. No Brasil, por exemplo, a política de absorção dos preços externos pela Petrobras, que prevê repasses automáticos das altas externas, joga lenha na fogueira da inflação.

As altas de preços dos combustíveis — gasolina, diesel e gás —, em 2021, foram responsáveis para mais de um terço do total da inflação de dois dígitos. A contenção das elevações de preços nesse segmento, que tem o poder de disseminar pressões de custo pela economia como um todo, como fazem outros países, no entanto, enfrenta resistências.

Um projeto de lei, aprovado no Senado em março, prevê regras para estabilizar preços de combustíveis, mas dorme na Câmara. Ele prevê a criação de bandas de preços, mantidas por recursos de um fundo federal criado com esse objetivo.

Na discussão da matéria, a criação de um imposto de exportação de petróleo entrou em pauta, mas acabou retirado do texto aprovado. Esse imposto, porém, seria uma forma menos intervencionista nos mecanismos de mercado de conter os preços dos combustíveis. É o que defende a economista Julia Braga, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), especialista em questões cambiais e inflação.

"Diversos países estão impondo restrições às exportações", diz Julia Braga, ressaltando que o imposto que propõe opera mais dentro dos mecanismos de mercado. "É possível desenhar alíquotas flexíveis que, mesmo depois da aplicação do tributo, continue sendo lucrativo exportar", afirma a economista.

Na entrevista a seguir, Julia Braga detalha o funcionamento e as repercussões na economia da adoção de um imposto de exportação de petróleo bruto, com alíquotas variáveis:

Não é possível, na atual situação do mercado internacional, evitar aumentos tão fortes e tão frequentes nos preços dos combustíveis?

Julia Braga — Eu acho que é possível, se for adotado um imposto sobre a exportação de petróleo bruto. Essa ideia já foi discutida no Senado, mas foi retirada do texto aprovado e enviado à Câmara. O imposto sobre exportação era parte de um conjunto de medidas que incluíam a criação de uma banda de preços para os combustíveis.

A ideia das bandas foi aprovada, mas sem o imposto de exportação. O projeto aprovado, porém, deixa em aberto a interpretação de que um imposto de exportação poderia ser criado, quando os preços internacionais subirem demais. O projeto aprovado está parado na Câmara, diante da resistência das petroleiras e também do governo federal, mas o ponto está em aberto e, portanto, pode voltar à mesa de negociação.

De que maneira um imposto de exportação sobre petróleo poderia evitar essas altas fortes e frequentes nos preços dos combustíveis?

O imposto ajudaria a formar uma receita tributária a ser usada na contenção de preços, mas, antes disso, seria uma forma de conseguir essa contenção pela associação da aplicação de alíquotas flexíveis com o imposto sobre as exportações de petróleo bruto e a própria regra de preços da Petrobras. Esse seria um tributo interessante não só para o petróleo e os combustíveis, mas para todas as principais commodities exportadas pelo Brasil.

Como funcionaria?

A primeira coisa que se precisa entender é que os preços das commodities são determinados nos mercados internacionais. É uma peculiaridade das commodities obedecer à chamada lei do preço único, segundo a qual se o produto é idêntico, seu preço será o mesmo em qualquer país produtor.

Os preços são formados em função da demanda e da oferta mundiais, sem referências à demanda interna e à produção doméstica. Assim, as empresas do setor são, no fim das contas, apenas tomadores de preços. Praticam o preço internacional convertido na moeda local, independente dos custos de produção internos e da demanda interna.

Nessas circunstâncias, os exportadores praticam uma equivalência de taxa de lucro, considerando o que podem exportar e o que podem vender internamente. Quando se impõe um tributo sobre o direito de exportar, essa taxa de lucro, obviamente, se reduz pelo exato valor que terá de ser recolhido com o imposto. O lucro líquido depois do tributo reduz a taxa de equivalência e, assim, incentiva o aumento do volume destinado ao mercado interno, permitindo a prática de preços menores neste mercado.

A Petrobras adotou uma regra de paridade de preços de importação cuja lógica não leva em consideração o fato de a empresa ser hoje grande produtora de petróleo e muito competitiva no mercado. Faz uma aplicação direta da taxa de equivalência de lucro.

Pode-se dizer que o imposto de exportação atua para equilibrar melhor as vendas externas e internas?

O imposto garante, principalmente, que, no mercado interno, o preço seja mais baixo. O ajuste promovido pelo imposto de exportação é via preço, não é via quantidade.

Diversos países estão impondo restrições até físicas às exportações. O imposto opera mais dentro dos mecanismos de mercado. É possível desenhar alíquotas flexíveis que, mesmo depois da aplicação do tributo, mantenha a exportação lucrativa.

Aumentos muito fortes nas cotações internacionais, como os registrados no mercado de petróleo em 2021, acabam determinando preços também excessivos para os combustíveis, gerando lucros extraordinários. Diante de lucros tão extraordinários, um imposto não impede que as exportações continuem vantajosas, especialmente quando se trata do petróleo brasileiro do pré-sal, que é altamente competitivo.

As cotações internacionais são muito voláteis. O mecanismo do imposto de exportação também operaria na direção contrária, caso os preços caíssem muito, como em 2020?

Sim, nessas horas, a alíquota do imposto seria reduzida ou mesmo zerada. Com cotações abaixo de US$ 50, por exemplo, que é considerado uma espécie de preço de equilíbrio, levando em conta a taxa de câmbio, a alíquota zeraria.

A ideia é manter a lucratividade do negócio, filtrando situações em que as cotações ficam muito altas, gerando lucros extraordinários apenas por essa circunstância externa e de momento. A alíquota tem de ser variável e seu efeito tem de ser concentrado no curto prazo, como se apenas estivesse atrasando reajustes, sem ultrapassar um limite de lucro que mantenha o negócio atraente.

Com isso, não seria necessário criar um intervalo de preços — as bandas previstas no projeto aprovado no Senado —, que exigiria interferir diretamente na regra de preços da Petrobras. O ajuste seria automático, pela alíquota do imposto de exportação.

Não haveria risco de desabastecimento, como afirmam os críticos das intervenções nas regras de preço estabelecidas?

É bom separar o curto do médio ou longo prazo. No médio prazo, o imposto de exportação incentiva investimentos em refino. Mas é claro que uma refinaria demora alguns anos até ficar pronta. A desejável expansão da capacidade de refino é algo para o médio prazo.

No curtíssimo prazo, caso as importadoras não consigam ou não queiram praticar um preço menor, líquido da equivalência de lucro — ou seja, o preço externo convertido de dólar para real, mas descontada a alíquota do imposto —, não há nenhum impedimento para a Petrobras ocupar esse espaço, até porque a estatal também importa derivados.

O Brasil tem a vantagem de contar com um forte líder de mercado, por que abrir mão dessa vantagem? No fim do processo, mais provável que as importadoras se adaptem a uma nova realidade. Não faz sentido, então, falar em desabastecimento. Se alguma importadora resolver sair, a Petrobras, repetindo, pode ocupar o espaço.

Acho importante destacar que o incentivo a ampliar a capacidade de refino atende a uma lógica que pode ser aplicada a outras commodities que o país exporta em grandes volumes. Passa a haver incentivos para a indústria de transformação, que está em crise no Brasil.

A medida, enfim, não deixa de ser também uma espécie de política industrial. Promoveria uma inversão dos incentivos, atualmente na direção da exportação de produtos brutos, para venda ao exterior de volume maior de produtos mais processados. É meio incrível que não seja assim porque o Brasil tem vantagens enormes de custos em muitas commodities, em especial no caso do petróleo.

Por que uma ideia tão simples, com tantas vantagens, aplicada inclusive em outros países, sofre resistências no Brasil?

Não tenho uma resposta para isso, só sei que esse debate entre os economistas tem dificuldades em deslanchar. Acho que resistências vêm de preconceitos em relação a intervenções em preços no mercado, coisa que todos os outros países fazem, e muito mais depois da pandemia, visto que os mercados se desarranjaram com a covid-19.

Aquilo a que a teoria convencional se agarra com todas as forças, de que os preços de mercado são os únicos sinalizadores válidos da produtividade dos fatores de produção, isso já caiu por terra no mundo inteiro. E o mundo inteiro está adotando politicas de intervenção.

Tem também resistências em relação à tributação. São imensas as resistências nesse campo e a gente comprova isso quando vê que tudo mundo concorda que é preciso fazer reformas tributárias, mas as reformas nunca saem do papel. Não deixa de ser até compreensível porque novas tributações nunca são realmente neutras, alteram relações dentro dos conflitos distributivos na sociedade e afetam interesses de setores, empresas e pessoas.