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Bolsonaro faz estelionato eleitoral ao pagar auxílio só até o fim do ano
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Depois de acionar uma metralhadora giratória de propostas, o governo Bolsonaro parece ter batido o martelo no pacote de transferências de renda que pretende patrocinar até o fim do ano. Seriam, nas contas oficiais, quase R$ 30 bilhões a mais em seis meses.
É uma boa notícia para vulneráveis e necessitados já alcançados pelo Auxílio Brasil e vale-gás, assim como para caminhoneiros, que receberiam R$ 1 mil por mês até dezembro, como forma de amenizar o aumento dos custos com óleo diesel. Qualquer ampliação de benefício social, sobretudo numa quadra de aumento da pobreza e da fome, é bem-vinda.
Não é possível, mesmo assim, deixar de destacar que se trata de evidente estelionato eleitoral, dado o caráter temporário das medidas e o período restrito das concessões, justamente o da campanha para a eleição presidencial, na qual Bolsonaro tenta a reeleição. Passado o período eleitoral e encerrado o mandato, os benefícios deixam de ser concedidos.
Não é uma novidade. Para não ir muito longe, basta lembrar que Fernando Henrique Cardoso segurou uma desvalorização cambial ao longo do segundo semestre de 1998, quando disputava a reeleição, e a política cambial implodiu logo nos primeiros dias de janeiro, no início de seu segundo mandato. Dilma Rousseff também deu um cavalo de pau na política fiscal, saindo da defesa dos gastos públicos, na campanha eleitoral de 2014, para um choque de austeridade, na entrada de seu segunda mandato em 2015.
Especialistas em legislação eleitoral adiantam que as medidas, adotadas menos de quatro meses antes do pleito, ferem as leis que vedam a criação ou ampliação de benefícios não previstos nas disposições orçamentárias em vésperas de eleições. A decretação de estado de emergência, juntamente com uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), aventada pelo governo, configuraria uma tentativa de drible na lei eleitoral, com abertura de espaços para a judicialização das medidas.
Inevitável comparar o possível efeito da ampliação das transferências com o que ocorreu na primeira onda da pandemia de covid-19, quando o governo foi obrigado, por decisão do Congresso, a adotar um auxílio emergencial de R$ 600/mês, que alcançou quase 70 milhões de pessoas. Na ocasião, o auxílio promoveu uma rápida, ainda que temporária, redução da pobreza. Segundo análises de pesquisas de opinião, resultou em pontos positivos na avaliação do governo.
Os R$ 600 de dois anos atrás não equivalem a R$ 600, em razão da forte alta da inflação de lá para cá. Em agosto de 2020, por exemplo, a inflação, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), no ano, não passava de 0,7%, enquanto no acumulado em 12 meses, ficava abaixo de de 2,5%. Em maio de 2020, a variação do IPCA se aproxima de 5% e a mais de 12%, no acumulado em 12 meses.
O resumo da história é que, atualizando pela inflação do IPCA no período, para manter o poder de compra dos R$ 600 concedidos no auxílio emergencial, o Auxílio Brasil turbinado deveria ter sido fixado em pelo menos R$ 720. Outra limitação do pacote de bondades do governo reside no alcance das medidas.
Pelos estimativas de gastos, o aumento dos valore do Auxílio Brasil e do vale-gás não ampliarão as populações já alcançadas. Baseados nos números oficiais divulgados, o auxílio turbinado chegará às 18 milhões de famílias já beneficiadas. Significa que o estimado total de 1,2 milhão de famílias elegíveis, mas não incorporadas ao auxílio continuarão excluídas, num volume que tende a aumentar mês a mês.
Em relação ao vale-gás, o aumento do benefício para R$ 106, o dobro do atual, alcançaria as cerca de 6 milhões de famílias que já recebem o benefício. Além de não cobrir o custo de um botijão de 13 quilos, o auxílio continuaria bastante restrito.
Restrito também é o auxílio previsto para caminhoneiros, embora pelo volume total do que o governo estima gastar, todos os 700 mil autônomos poderiam ser atendidos. Líderes de associações de caminhoneiros dizem, no entanto, que os R$ 1 mil por mês, permitiriam percorrer apenas 300 quilômetros. O valor do beneficio, segundo especialistas, variaria entre 10% e 20% dos gastos mensais médios de um profissional autônomo, apenas com combustível.
Além das limitações de alcance e duração, as medidas de cunho sem disfarce eleitoral definidas pelo governo, trazem riscos jurídicos e fiscais. Botar o pacote de pé exigirá não só driblar a lei eleitoral, mas também a regra de controle fiscal do teto de gastos.
Para fazer bondade com uma das mãos, o governo está tirando recursos dos estados com outra. Os R$ 30 bilhões estimados do custo do pacote serão compensados com a decisão de Bolsonaro de vetar a compensação dos estados pelas perdas com a arrecadação de ICMS, depois da aprovação no Congresso da lei que limitou a alíquota do tributo estadual nos combustíveis a 17%. Com as perdas, os estados podem vir a enfrentar dificuldades para manter o volume de recursos necessários em educação, saúde e segurança pública, suas principais obrigações constitucionais.
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