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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Empreendedorismo para Bolsonaro é jeito elegante de mandar cada um se virar

O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Alan Santos/PR

16/08/2022 14h52

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Empreendedorismo, nos dicionários, é a "disposição ou capacidade de idealizar, coordenar e realizar projetos, serviços, negócios". Para o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o termo é cada vez mais utilizado para definir "pessoas capazes de identificar problemas, oportunidades e encontrar soluções inovadoras".

No empreendedorismo à brasileira, no entanto, empreendedor é aquele trabalhador que, por dificuldade de encontrar emprego, e por absoluta necessidade, se vira como pode para obter alguma renda. Os números do empreendedorismo no Brasil ajudam a dar a dimensão da alta incidência de pobreza na sociedade e da escassez de oportunidades de trabalho na economia.

De acordo com dados da última edição do Atlas dos Pequenos Negócios, agora publicado, com informações atualizadas até dezembro de 2021, 30 milhões de trabalhadores, entre formais e informais, são "empreendedores". A taxa de "empreendedorismo" brasileira em 2021, de 30,4% da população adulta (entre 18 e 64 anos), coloca o Brasil, segundo o Sebrae, na quinta posição do ranking entre 50 economias avaliadas pelo GEM (Global Entrepreneurship Monitor).

Na sua quase totalidade — a proporção chega a 90% —, os "empreendedores" brasileiros comandam negócios sem funcionários. Um em cada nove é, na verdade, prestador autônomo de serviços. Ou seja, trabalha por conta própria.

Outra característica dos "empreendedores" brasileiros é o baixo "faturamento" dos negócios. Quase metade consegue obter renda mensal de até um salário mínimo, enquanto cerca de um terço consegue de um a dois salários mínimos por mês. Três em cada quatro "empreendedores" brasileiros não ganham nem R$ 2.500 por mês.

Esse "empreendedorismo por necessidade", como define o próprio Sebrae, reflete as oscilações da atividade econômica e seu impacto sobre o mercado de trabalho. Reflete também a evolução das relações trabalhistas e das normas legais reguladoras dessas relações, assim como dos avanços tecnológicos, como a disseminação da internet, facilitadores da prestação de serviços.

A taxa de empreendedorismo, ou seja o número de pessoas com atividade por conta própria entre aquelas em idade de trabalhar, de pouco mais de 20% em 2002, registrou tendência de queda até 2014. Chegou a um recorde, em 2015, alcançando cerca de 40%, e refluiu com a pandemia, voltando a subir no segundo semestre de 2021, fechando o ano com 30,4% de trabalhadores por conta própria no total da população em idade de trabalhar.

Empreender, no sentido estrito da palavra, está associado à inovação —seja a introdução de um novo produto, a criação ou aperfeiçoamento de um método de produção ou de venda e a abertura de novos mercados. Seria algo mais adequado ao que se propõem as startups.

No governo Bolsonaro, a crença de que redução dos custos trabalhistas teria o poder de gerar empregos colaborou para promover aumento da precarização nas relações de trabalho. A taxa de desemprego, contudo, só começou a recuar, depois de picos em 2021, em razão da reação positiva da atividade econômica aos estímulos das transferências de renda e da injeção de recursos no mercado, que se intensificaram em 2022.

Em seu plano de governo para o próximo mandato, Bolsonaro dá ênfase absoluta ao empreendedorismo. "Gerar emprego e renda é o objetivo de qualquer governo democrático e que acredita na liberdade econômica", está escrito no programa entregue ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na terça-feira (9). Para Bolsonaro, conforme seu programa, um dos "fatores fundamentais" para que isso aconteça é o estímulo ao empreendedorismo.

Quando, porém, se verifica que o empreendedorismo nada mais é do que uma palavra elegante para um cotidiano de dura sobrevivência e de correr atrás de alguma renda do jeito que for possível, a realidade traduz uma anomalia social. É também a realidade de um governo que se mostra incapaz de promover não só atividade econômica robusta e sustentável, como de executar políticas de emprego bem estruturada e eficazes. Resta, então, transferir aos "empreendedores" a responsabilidade de se virarem para conseguir seu sustento e o de sua família.