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Bolsonaro não foi questionado nem mencionou a fome em sua entrevista ao JN
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A entrevista do Jornal Nacional com o presidente Jair Bolsonaro, como candidato à reeleição, nesta segunda-feira (22), dedicou pouco mais de cinco minutos, nem 15% do tempo total, às questões da economia. Por isso mesmo, acabaram chamando mais atenção temas que ficaram de fora. Por exemplo, a fome e a insegurança alimentar, que atingiram níveis recordes no atual governo.
Confrontado pelos entrevistadores com a alta da inflação, a elevação da taxa básica de juros e da cotação do dólar em seu governo, Bolsonaro não fugiu a seu conhecido padrão. Buscou driblar responsabilidades, apontando o dedo para a pandemia, a seca "enorme" de 2021 e a guerra na Ucrânia.
O presidente alegou que, se as dificuldades econômicas fossem exclusivas do Brasil, ele poderia ser considerado responsável, mas considerou os números da econômica brasileira "fantásticos", se comparados a de outros países. Bolsonaro mencionou a deflação de julho e a queda na taxa geral de desemprego como provas do sucesso da economia em seu governo.
Não foi perguntado, e Bolsonaro também não se lembrou de avisar que, se reeleito, manteria ou não o Auxílio Brasil turbinado de R$ 600 mensais — pelo que está registrado nas diretrizes do Orçamento que enviou ao Congresso, o auxílio voltará a R$ 400 mensais em 2023. Perdeu a chance de passar mensagem relevante a eleitores de baixa renda, que em maioria desaprovam seu governo, mas este não foi o único esquecimento.
Ao desfiar uma lista de ministros que "impulsionaram o governo", Bolsonaro destacou o desmatador Ricardo Salles, o astronauta Marcos Pontes e o sanfoneiro Gilson Machado. Esqueceu o olavista Ernesto Araújo e, mais surpreendentemente, seu "Posto Ipiranga", Paulo Guedes.
Variaram os cálculos sobre a quantidade de mentiras despejadas por Bolsonaro na entrevista. Checagens diferentes encontraram de 13 a 40 inverdades, o que daria de uma por minuto a uma a cada três minutos ao longo da entrevista ao Jornal Nacional. Uma das mentiras foi afirmar que o governo "deu o auxílio emergencial imediatamente".
Bolsonaro adotou o auxílio emergencial de R$ 600 mensais depois que o Congresso aprovou um programa de transferência de renda de R$ 500 mensais. O presidente hesitou na definição do auxílio que, em princípio, por insistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, não deveria passar de R$ 200 mensais. Oportunista, como é de seu feitio, Bolsonaro aumentou a aposta para R$ 600 mensais quando o auxílio de R$ 500 já estava decidido no Legislativo.
A falta de coordenação, aliada ao negacionismo, na condução do enfrentamento da pandemia está na origem da gangorra nos índices de pobreza no país. Com o auxílio emergencial de R$ 600, a pobreza desceu a seu nível histórico mais baixo em agosto de 2020, com apenas 3,9% da população vivendo com menos de R$ 210 mensais.
Porém, por culpa do diagnóstico dramaticamente equivocado de que não haveria uma segunda onda de covid-19, o auxílio, interrompido no fim de 2020, só voltou em meados do primeiro semestre de 2021. Em março de 2021, a faixa de pobreza já abarcava 13,9% da população, recorde da série histórica.
Essa gangorra extrema deixa evidente a relutância em destinar volume necessário de recursos aos vulneráveis e a desorganização no combate aos impactos sociais e econômicos da pandemia. O mesmo se pode dizer da ação do governo no controle da inflação, sobretudo das altas de preços dos alimentos.
É verdade, como destacou Bolsonaro na entrevista ao Jornal Nacional, que a pandemia, a seca e a guerra na Ucrânia complicaram as coisas. Os desarranjos nas cadeias de produção e vendas resultaram em falhas nos suprimentos, aumentos de custo e de preços finais de bens e serviços, depois potencializados pela escassez de oferta com origem no conflito entre russos e ucranianos. A seca também impactou as tarifas de energia elétrica, que puxaram a inflação para cima.
Mas governo existe para enfrentar complicações — e não apenas transferir responsabilidades diante de problemas. A inoperância na adoção de medidas para evitar surtos inflacionários, principalmente em alimentos, contribuiu para que o flagelo da fome aberta e da insegurança alimentar voltasse a assombrar o país.
Isso se deveu à demolição da rede de segurança alimentar — um esforço de diferentes governos, iniciado há quase 40 anos —, que começou no governo Temer e foi intensificada no governo Bolsonaro. Nada foi feito para mitigar o problema, exceto cortar impostos. Formar estoques reguladores e reativar programas de aquisição de alimentos da agricultura familiar, ações mais efetivas para barrar altas em alimentos, não foram acionadas.
Mencionar a deflação no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em julho, que pode se repetir em agosto, como prova do sucesso no combate à inflação, é caso de fake news. Primeiro, a deflação será pontual e, depois, a inflação, embora em fase de recuo, continuará alta, devendo terminar 2022 ainda nas alturas de 7%. Sem falar que, no grupo dos alimentos, as previsões são de alta em torno de 15%, no fim do ano.
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