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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BC reforça na ata do Copom tom de disputa política com governo Lula

28/03/2023 12h07

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A disputa política entre o Banco Central e o governo de Lula prosseguiu, nesta terça-feira (28), com a divulgação da ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), aquela em que o BC negou, revertendo suas próprias mensagens até então, que o início de um ciclo de cortes de juros, como quer Lula, estaria próximo.

Esse endurecimento da posição do responsável pela condução da política de juros já tinha sido enunciado no comunicado emitido pelo Copom ao fim do encontro da quarta-feira (22). Na ocasião, o colegiado que reúne presidente e diretores do BC, manteve a taxa básica de juros (taxa Selic) em 13,75% ao ano, nível em que se encontra desde agosto de 2022.

No documento, o Copom indicou não ver espaço para tão cedo começar a cortar os juros básicos. A decisão surpreendeu a maioria dos analistas, que esperavam sinais de proximidade do início dos cortes, com base nos termos da reunião do Copom em fevereiro e declarações posteriores de diretores do BC.

O que está em disputa entre BC e o governo Lula?

Mais de uma vez, na ata agora divulgada, o BC menciona que a harmonia entre a política monetária e fiscal facilita a desinflação e contribui para estimular o crescimento da economia e o emprego. Não há dúvida de que a falta de sintonia nesse campo torna menos eficientes os mecanismos de ação de cada uma delas. Mas o BC põe a questão em seus próprios termos, exigindo que a política fiscal do governo se ajuste à política monetária restritiva que está praticando.

Diante de pressões inflacionárias, a política monetária, conduzida pelo BC por meio do manejo da quantidade de dinheiro em circulação, a partir da referência dos juros básicos em vigor, objetiva conter a procura por produtos e serviços, aliviando assim a alta de preços.

Em fases de desaceleração da atividade econômica, a política fiscal, por meio de transferências de recursos públicos para pessoas ou setores econômicos, visa a injetar dinheiro na economia, ampliando a demanda e estimulando os negócios.

A economia brasileira vive uma etapa em que a inflação roda acima das metas e a atividade econômica oferece indicações crescentes de esfriamento.

É evidente que, quando uma política que objetiva injetar recursos na economia se choca com outra que visa restringi-los, o efeito de cada uma delas na direção da correção de problemas fica no mínimo prejudicado. E as expectativas — de um lado, de impulso à expansão da atividade, e, de outro, de controle da inflação — se deterioram, dificultando o reequilíbrio econômico e a retomada do crescimento.

Tom fica mais leve, mensagem continua dura

Na ata da última reunião do Copom, o BC concorda que a economia está esfriando, mas lembra que considera a desaceleração em curso "necessária para garantir a convergência da inflação para suas metas, particularmente após período prolongado de inflação acima das metas". É ação na direção contrária à pretendida pelo governo, assim como a relativização das declarações

No documento, o BC parece lançar uma bandeira branca ao destacar que é preciso "serenidade e paciência" para controlar uma inflação resistente. Mas mantém-se duro ao relativizar os esforços insistentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em assegurar que o governo terá atuação responsável na área fiscal.

Traduzindo do "coponês", o idioma para iniciados em análise dos termos das mensagens em que são elaborados os documentos da autoridade monetária, são insuficientes para o BC declarações de que haverá âncoras fiscais eficazes no controle do gasto público. Pelo menos três pontos da ata reforçam essa mensagem:

  • O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo;
  • O Copom enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal, uma vez que a primeira segue condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos;
  • O Comitê destaca que a materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos.

Tudo somado e pesado, a ata detalhou e reforçou a bronca entre o BC e o governo. A mensagem final é a de que para o BC não bastam juras de responsabilidade fiscais de Haddad. Querem ver para crer.