Mariana Londres

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Senado arma bombas fiscais que dificultam meta de déficit zero em 2024

O Senado aprovou na semana passada uma proposta que vai na contramão do esforço do governo e do Congresso em busca do déficit zero das contas públicas. Em um movimento que estava fora do radar de todos, os senadores aprovaram por unanimidade uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 7/2018) que transfere 50 mil servidores dos ex-territórios (Rondônia, Roraima e Amapá) para a folha de pagamentos da União, criando uma despesa permanente estimada em R$ 6,3 bi anuais.

O texto ainda precisa passar pela Câmara e pode ser alterado, mas a bomba fiscal está armada. E não é a única.

Também está no Senado uma emenda ao projeto de desoneração da folha de pagamentos que reduz de forma permanente as contribuições dos municípios ao INSS. A emenda é fruto de uma reivindicação dos municípios, que sofrem com a queda de arrecadação nos últimos três meses. Eles também defendem um aumento dos repasses que a União faz pelo FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que está em uma PEC recém apresentada no Senado (PEC 40/2023).

Para evitar novas despesas permanentes, o ministério da Fazenda ofereceu uma solução para estados e municípios fecharem as contas em 2023. Na tramitação na Câmara, em acordo com os líderes, inseriu um socorro extra a estados e municípios no projeto de reposição das perdas com a desoneração dos combustíveis.

Além da antecipação dos repasses que seriam feitos em 2024, a equipe econômica se comprometeu a repor o FPM e o FPE (Fundo de Participação dos Estados), totalizando R$ 13,9 bilhões em novos repasses aos entes federados em 2023. A estratégia dificulta a meta de déficit zero no curto prazo, mas se evitar a criação de gastos permanentes para o governo o saldo será positivo. O projeto agora está no Senado.

Com os avanços nos acordos políticos na Câmara, a Casa tem adotado uma postura mais conservadora do ponto de vista fiscal, tomando cuidado para não elevar gastos, ao mesmo tempo em que analisa vários projetos enviados pelo governo para aumentar a arrecadação. Alguns deles sofrem resistência e não devem ser aprovados exatamente como foram enviados pelo ministério da Fazenda.

Isso amplia o desafio de se encontrar R$ 168 bilhões em receitas para o déficit zero de 2024 em um cenário que já não é um "céu de brigadeiro". No final de julho, o Ministério do Planejamento revisou a estimativa para resultado das contas do governo de 2023 para um rombo de R$ 145,4 bilhões, o que corresponde a 1,4% do PIB. Para o mercado (dados coletados pela Secretaria de Política Econômica), a projeção de déficit para 2023 está em R$ 104 bilhões (dados de agosto).


O que é o déficit zero e porque é importante?

As contas do Brasil estão no vermelho há uma década, com exceção de 2022, que teve um superávit motivado por questões pontuais, não sustentável, portanto. Assim como ocorre com as famílias, se o país fica muito tempo no vermelho perde a capacidade de investir e corre o risco de quebrar e, consequentemente, não prestar mais os serviços públicos à população, pagar aposentadorias, etc. Para chegar ao resultado zero em 2024 e depois mirar em um superávit (contas no azul), o governo Lula enviou ao Congresso o novo marco fiscal e várias medidas para aumentar as receitas/arrecadação.

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Conversei com um consultor da Câmara, especialista em Orçamento Público há trinta anos e ele me disse o seguinte: "O ano mais importante das finanças públicas do Brasil dos últimos anos é 2024. Se o país acelerar o endividamento ou mudar a meta pode sair do trilho que nem a Argentina".


Por que a opção do governo foi aumentar as receitas?

A Fazenda optou pelo caminho de aumento de receitas para arcar com os projetos de aumento de despesas permanentes aprovados pelo Congresso nos últimos anos, como, por exemplo, o aumento do Bolsa Família, do Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica) e o piso nacional da Enfermagem. Os projetos enviados pela equipe econômica buscam cobrar impostos de setores que não pagam ou têm isenções hoje consideradas não mais necessárias ou privilégios tributários.


Congresso aprova bombas fiscais há anos

Não é nessa legislatura que o Congresso aprova medidas que acabam não contribuindo com o equilíbrio fiscal. Em 2017, durante o governo de Michel Temer, deputados e senadores derrubaram o veto presidencial a um trecho da Lei Complementar 160 que convalidou incentivos dos governos estaduais a empresas.

Foi a derrubada deste veto que abriu a possibilidade das empresas deduzirem não só investimentos mas também gastos com custeio da base de cálculo de tributos federais, reduzindo em bilhões por ano a arrecadação da União. Essa é uma das medidas que o ministério da Fazenda tenta reverter para chegar ao déficit zero (MP 1185/2023 após decisão do STJ).

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Outra decisão antiga do Congresso que deputados e senadores reverteram agora foi o voto de qualidade de Carf. Uma alteração aprovada em 2020 (Lei 13.988/20) retirou do governo a prerrogativa de dar o voto decisivo durante os julgamentos, o que também retirou bilhões dos cofres públicos.

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