Preço do bitcoin sofreu manipulação, diz estudo de Universidade dos EUA
Um estudo acadêmico divulgado por dois especialistas da Universidade do Texas traz indícios de que a disparada do bitcoin no ano passado não foi obra do acaso. A moeda virtual teria sido alvo de manipulação de preços. A falta de fiscalização do mercado de criptomoedas pode ter favorecido a prática.
No artigo “Is Bitcoin Really Un-Tethered?” (“O bitcoin é realmente livre?”), disponível em inglês, o professor John M. Griffin e o estudante de pós-graduação Amin Shams utilizaram um programa de computador para apontar forte correlação entre operações vultosas realizadas com um “token” (ficha digital) chamado tether e a alta de mais de 2.000% do bitcoin em 2017.
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Paridade com dólar
O tether (que significa “amarra”, em inglês) tem uma característica peculiar. O seu preço não varia e está “amarrado” a uma moeda física, que pode ser o dólar, o euro ou o iene. Teoricamente, cada unidade desse “token” é lastreada por uma unidade da moeda de referência.
Isso garantiria a paridade de preços e permitiria a livre conversão de tether para dólar, ou de dólar para tether, por exemplo. Essa característica, segundo os especialistas, permitiu que um grande volume de tether fosse emitido.
No início deste ano, havia cerca de 2,3 bilhões de tethers circulando no mercado, o equivalente a US$ 2,3 bilhões. O problema, segundo Griffin e Shams, é que não há nenhum controle sobre a conversão de dólar para tether e vice-versa.
A suspeita dos acadêmicos é que a Tether Holdings Limited, empresa responsável pela emissão do “token” homônimo, colocou no mercado um grande volume de tether sem o devido lastro em dólar.
Enxurrada de tether
Os pesquisadores da Universidade do Texas notaram que esses volumes expressivos de tether eram lançados no mercado em momentos de baixa do bitcoin e usados para comprar grandes quantias da moeda virtual, o que fazia seu preço disparar na sequência.
Quando o preço subia, provavelmente os mesmos investidores que usaram o tether para comprar bitcoins aproveitavam a euforia do mercado para vender a criptomoeda e embolsar dólares.
Mesmos sócios
Griffin e Shams descobriram que a Bitfinex foi a “exchange” (corretora que negocia criptomoedas) responsável pela maior parte das transações com tether no período analisado, entre março de 2017 e março de 2018.
Chamou atenção dos especialistas o fato de os sócios da Tether, empresa responsável pela emissão da moeda, ocuparem também o comando da Bitfinex.
Dois diretores da corretora, Philip Potter e Giancarlo Devasini constam como os responsáveis pela criação da Tether Holdings Limited, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, em 2014.
Operações coincidentes
Por meio de um algoritmo (programa de computador), Griffin e Shams rastrearam milhares de transações no blockchain e notaram coincidências entre os picos de preços do bitcoin e o aumento de operações envolvendo o tether.
Embora os negócios com bitcoins não identifiquem os compradores e os vendedores da moeda, é possível descobrir uma origem comum de transações por meio do blockchain, onde ficam registradas todas as operações.
O algoritmo desenvolvido pelos professores apontou que milhares de transações partiram de uma mesma origem: a Bitfinex.
“O bitcoin é anônimo, mas ao longo do tempo você consegue identificar o que um determinado ‘anônimo’ está fazendo, caso ele faça aquela operação de forma repetida e com volume expressivo. As negociações no blockchain são 100% rastreáveis”, afirmou o professor Alan De Genaro, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV).
Falta de fiscalização facilita manipulação
O estudo da Universidade do Texas sugere que os grandes volumes de tether emitidos e o aumento das operações com bitcoin não são mera coincidência. As movimentações são típicas de manipulação intencional de preços.
No entanto, os pesquisadores basearam suas conclusões apenas na análise das operações utilizando um programa de computador. Eles não dispõem de documentos que provem efetivamente o crime.
O fato de o mercado de criptomoedas não ter uma entidade que crie regras e fiscalize as negociações facilita a manipulação de preços, disse o professor De Genaro.
“É um mercado que precisa ser mais bem supervisionado. Não há um controle rígido sobre as ‘exchanges’. Seria necessário um órgão de fiscalização internacional, já que o bitcoin não está vinculado a nenhum país, ele é uma moeda global.”
Pesquisadores também apontaram fraude no “índice do medo”
John M. Griffin e Amin Shams ganharam fama no mercado financeiro no ano passado ao publicar outro artigo em que afirmam que o índice VIX também seria manipulado. O artigo e uma denúncia anônima motivaram a Autoridade Reguladora da Indústria Financeira dos Estados Unidos (Finra, na sigla em inglês) a investigar se os preços vinculados ao VIX de fato foram manipulados.
O VIX é um indicador de volatilidade dos mercados norte-americanos. Diversos produtos financeiros são atrelados ao índice. Quanto maior é o nervosismo ou preocupação dos investidores com um determinado evento, mais elevado é o VIX, indicando que os mercados estão mais instáveis em determinado momento. Por essa razão, o VIX também é conhecido como “índice do medo”.
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