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CDI ainda é bom referencial para renda fixa? Ou seria melhor usar inflação?

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

22/09/2019 04h00

O CDI ainda é o melhor parâmetro para comparar produtos de renda fixa? Com a forte queda dos juros nos últimos meses, vem ganhando força no mercado financeiro a discussão sobre o uso desse referencial de juros para balizar as decisões de investimento.

Se você costuma aplicar em CDBs ou fundos, certamente já notou que as instituições costumam informar o rendimento esperado ou a rentabilidade histórica do produto com base em um percentual do CDI.

"O problema é que, com a queda dos juros, a diferença entre um produto que, por exemplo, rende 100% do CDI [5,4% ao ano] para outro que paga 120% do CDI [6,5% ao ano] tornou-se muito pequena. Quando você analisa o juro real, que é a taxa descontada da inflação, a diferença é mínima", disse Valter Police, diretor de planejamento financeiro da Fiduc.

O cenário econômico mudou drasticamente nos últimos três anos. A Selic, taxa básica de juros, recuou de 14,25% ao ano em 2016 para 5,5% agora e pode encerrar o ano ainda mais baixa, em torno dos 5%, de acordo com as projeções dos economistas consultados semanalmente pelo Banco Central no Boletim Focus.

Segundo os cálculos do especialista, a rentabilidade real e líquida (descontados a inflação e os impostos) de um produto que rende 100% do CDI será de apenas 0,5% ao ano, caso a Selic caia para 5% ao ano no fim de 2019.

Note que as taxas reais são ao ano, e não ao mês. "Se aumentarmos o rendimento para 110% ou 120% do CDI, o que teremos é um ganho real de apenas 0,90% e 1,3% ao ano, respectivamente. Para uma pessoa conseguir aumento de patrimônio efetivo de 2% ao ano, ela precisa investir em um produto que renda, no mínimo, 137% do CDI", disse Police.

Sai o CDI, entra a inflação

Alguns especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que o uso do IPCA, o índice oficial de inflação, poderia apresentar de forma mais clara ao investidor qual é o rendimento esperado para as aplicações de renda fixa.

"Usar um referencial que seja na forma 'IPCA mais X% ao ano' faria muito mais sentido para o investidor. Essa taxa de 'X%' seria quanto o investimento supera a inflação. Seria, efetivamente, o ganho real da aplicação", afirmou Bernardo Pascowitch, fundador do buscador de investimentos Yubb.

"Temos que mudar a forma como enxergamos os investimentos. Utilizar sempre o percentual do CDI para avaliar a rentabilidade pode não funcionar mais. Precisamos olhar o retorno em termos absolutos, de preferência em termos de juro real, que representa o ganho acima da inflação. O juro real é o que faz o seu dinheiro realmente crescer ao longo do tempo", disse Police.

O formato IPCA mais uma taxa de juros é o mesmo adotado pelos títulos públicos do tipo IPCA+ (antiga NTN-B), oferecidos no Tesouro Direto. A ideia dos especialistas é que esse formato seja válido para todas as aplicações de renda fixa, sejam elas prefixadas (quando a taxa é conhecida previamente) ou pós-fixadas (quando o rendimento é atrelado a um índice pós-fixado, como a Selic, e é definido somente no momento do saque).

"Mostrar o rendimento em função do IPCA seria mais saudável para o investidor, para ele entender melhor o que significa inflação, como ela afeta o seu bolso e, principalmente, para ele enxergar se o investimento vai superar a inflação, ou seja, se o dinheiro vai aumentar de fato", declarou Pascowitch.

Afinal, o que é o CDI?

Embora seja amplamente adotado pelo mercado, a grande maioria dos investidores não sabe o que significa o CDI. Muitos, inclusive, costumam confundir a sigla CDI com o CDB (Certificado de Depósito Bancário), que é um título de renda fixa emitido pelos bancos.

O Certificado de Depósito Interbancário, ou simplesmente CDI, também é emitido pelos bancos, mas o investidor comum não tem acesso a ele. Esse título é negociado apenas no chamado mercado interbancário, no qual um banco empresta dinheiro para outro banco.

Normalmente, essas operações duram apenas um dia e têm como objetivo atender às necessidades de recursos de cada banco para fechar seu caixa no fim do expediente. O banco que tem dinheiro "sobrando" empresta para outro que está com uma posição menor de caixa naquele dia, em troca de uma taxa de juros.

Esse juro do CDI é também chamado de taxa DI. Ela é muito próxima da taxa básica de juros, a Selic. Atualmente, a Selic está em 5,5% ao ano, e a taxa do CDI, em 5,4% ao ano.

Herança da hiperinflação

O CDI foi criado da década de 1980 para garantir o fluxo de recursos entre os bancos e evitar que uma instituição terminasse o dia sem dinheiro suficiente para cumprir suas obrigações. Por ser um empréstimo de um dia, logo ganhou o apelido de "overnight", pois o banco emprestava (ou pegava emprestado) o dinheiro à noite e recebia (ou devolvia) no dia seguinte.

"O CDI é herança da época em que o Brasil tinha hiperinflação, juros altos e um cenário de grande incerteza econômica", declarou Liao Yu Chieh, planejador financeiro certificado pela Planejar.

"Há 30 anos, não havia investimento de longo prazo. O investimento no Brasil girava em função do 'overnight'. As pessoas aplicavam por poucos dias, no máximo por seis meses. Essa cultura inflacionária fez com que o CDI ganhasse importância como referência para os investimentos", afirmou Chieh.

"Se você perguntar para o investidor comum o que é o CDI, quase ninguém sabe, mas todo mundo entende que o investimento precisa, no mínimo, bater 100% do CDI", disse Pascowitch.

Brasileiro está acostumado com CDI, diz entidade

Apesar das discussões nos bastidores sobre a função do CDI como referência para a renda fixa, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) —que reúne os gestores de fundos e as instituições financeiras que oferecem produtos de investimento— não acredita que o mercado financeiro adotará outro indicador, por enquanto.

"Hoje, o investidor brasileiro está acostumado a olhar para o CDI como referência para os seus investimentos. Qualquer mudança de indicador deve ser gradativa, movida pelo próprio mercado, sem ignorar a dinâmica do investidor", disse a Anbima, em nota enviada ao UOL.

"A consolidação de qualquer indicador se dá por uma série de fatores, entre os quais o volume de negócios que ele representa e a aceitação natural tanto pelo mercado como pelos investidores", declarou a associação.

O professor Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), concorda com o ponto de vista da Anbima.

"Demora muito tempo para se construir um 'benchmark' [índice de referência]. O CDI é um índice amplamente aceito, com um longo histórico. O problema do CDI não é o juro baixo. Se a taxa está baixa, o investidor precisa buscar aplicações que paguem um percentual maior do CDI", disse Sampaio.

Eventual mudança de indicador deve ser gradual

Assim como a Anbima, os especialistas acreditam que uma eventual mudança de indicador da renda fixa será um processo lento, até que o investidor se acostume com o novo formato de apresentar as rentabilidades.

"É difícil afirmar quando o CDI vai parar de ser usado. A tendência é que, pouco a pouco, ele deixe de ser uma referência. O problema é que, culturalmente, ele ainda está muito enraizado", disse Chieh.

"Se, de uma hora para outra, o gestor de um fundo deixar de usar o CDI como referência do rendimento, o investidor pode estranhar e questionar: 'o que você está querendo esconder?' É preciso um período de educação e de adaptação do investidor", afirmou o planejador financeiro.

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