Ela teve dívidas de R$ 100 mil, e hoje dá dicas de finanças: 'Não almoçava'
De uma dívida quase impagável, Daiane Gubert, 41, chegou à posição de sócia do escritório de investimentos Phidias Investimentos. À primeira vista, quem ouve os comentários da bem-sucedida gestora para usufruir do dinheiro com tranquilidade não imagina os percalços que ela precisou superar ao longo dos anos.
Sua história, porém, é parecida com a de muitos brasileiros, com enormes desafios para equilibrar as contas entre as necessidades e um orçamento escasso. Entre o início dos anos 2000, ela chegou a acumular R$ 100 mil em dívidas.
Com muito esforço, conseguiu quitar todos os compromissos e, hoje, possui projetos de educação financeira para repassar seus conhecimentos às mulheres e crianças em Florianópolis (SC), cidade onde mora desde 2012.
Primeiro emprego, primeiras dívidas
Aos 15 anos, Daiane começou a trabalhar como "office girl" em um banco da capital catarinense de dia, enquanto terminava os estudos à noite. Engravidou aos 17 e foi morar em São Paulo. As primeiras dificuldades começaram na mesma época. Já no nascimento, a filha, Larissa, foi diagnosticada com esclerose tuberosa, uma doença rara que pode provocar problemas como epilepsia ou deficiência mental.
Passou a atuar como operadora de telemarketing na cidade paulista, posição pela qual recebia R$ 330, mais R$ 60 de vale-alimentação. Só com os remédios para o tratamento para Larissa desembolsava R$ 180. A medicação não estava disponível no posto de saúde, e ela tinha a ajuda da mãe e do irmão para inteirar o dinheiro para preservar a saúde da menina.
Daiane então passou em uma seleção em uma vaga para iniciante no Unibanco (antes da fusão com o Itaú), onde recebia R$ 1.300. Ficou lá por cinco anos, de onde saiu para receber cerca de R$ 2.200 no Santander, onde ficou por mais dois anos.
Teve o segundo filho, Guilhermo, com 25 anos. Aos 27, Daiane viveria "a fase mais complicada da vida": o término do casamento. "Foi muito difícil. Na ocasião, eu estava muito debilitada. Queria voltar para Florianópolis, mas não fui para não afastar meus filhos do pai", afirma.
Dificuldade com despesas básicas
Ela permaneceu na capital paulista, e as contas começaram a apertar. Os gastos incluíam cerca de R$ 900 com aluguel e outros R$ 400 para água, luz, condomínio, e seguro-fiança. Sem uma reserva para dar de entrada, tinha uma parcela de R$ 900 com o financiamento do carro. As consultas da filha com um neurologista a cada seis meses consumiam outros R$ 1.000 por ano. Sem falar em roupa e alimentação.
Por trabalhar no banco, tinha acesso fácil a crédito. Assim, foi um pulo até começar a utilizar o cheque especial para complementar a renda. "Não havia excesso de gastos com viagem ou bolsa de grife. Mas tinha telefone e roupa para o trabalho. No banco, eu precisava estudar e estar sempre bem arrumada", diz. Também surgiam emergências, claro, como o conserto do carro ou da máquina de lavar. E precisava bancar, ainda, IPVA e seguro automotivo.
Em 2008, entrou no Citibank com um salário de R$ 2.700. No banco norte-americano, tinha benefícios como 13º e 14º salários, bem como dissídio e férias. Ainda assim, a quantia era insuficiente para arcar com todas as contas. "Enquanto meus amigos viajavam, eu pegava o dinheiro do 13º e 14º para quitar as dívidas", afirma Daiane.
Chegou a dever R$ 25 mil só com cartão de crédito. Para piorar, caiu na malha fina da Receita Federal por conta da declaração da pensão alimentícia.
Quando a situação se complicou, Daiane deixou de usar o vale-refeição para a alimentação durante o expediente de trabalho, para reforçar o orçamento doméstico com supermercado. "Eu não tinha dinheiro para almoçar. As pessoas me convidavam, e eu não ia, com a desculpa que estava trabalhando muito", diz. Por vezes, seu almoço consistia de um pacote de bolachas salgadas e café da máquina do escritório.
Recomeço na casa da mãe
Colaboradora dedicada, ela contava com o apoio dos gestores, que faziam vista grossa às dificuldades. Após um período de dez anos em São Paulo, ficou um ano em Curitiba antes de finalmente retornar a Florianópolis para morar com a mãe. Foi nesta etapa da vida que as dívidas superaram os R$ 100 mil.
"Eu dizia na época que eu recebia um 'salário cebola': abria e chorava. Vivia para pagar as contas", afirma. Por outro lado, ao voltar para a casa da mãe, passou a economizar com alimentação, moradia e seguro fiança.
Para se livrar das pendências, começou a quitar um compromisso por mês. Segundo ela, não poderia ficar pior. "Fui quitando uma dívida por vez sem entrar em desespero. Eu já negociava com muita frieza, porque era o que eu tinha. Tive um grande equilíbrio emocional para segurar o tranco e passar por aquele momento. A minha espinha dorsal sempre foi trabalho. Eu tinha que batalhar pelos meus filhos", declara.
Pagou as dívidas aos poucos
Nessa época, o nome da bancária constava no cadastro de devedores do Serasa, o que até hoje é inaceitável para colaboradores de instituições financeiras. Em suas palavras, aquilo era "constrangedor". "Mas foi libertador, porque comecei o pagamento das dívidas. Trabalhei nos bancos, sei como eles negociam. Se você parcelar uma dívida de R$ 5.000, isso virá R$ 12 mil. Porém, se a pessoa oferece R$ 1.000, eles liquidam a dívida e acabou", diz.
Até aquele momento, ela tinha certa estabilidade no emprego. Mas resolveu abrir mão para aceitar uma proposta do Banco Safra, em 2012, para ganhar por volta de R$ 8.000 —mais do que o dobro da sua remuneração até então.
Para isso, porém, não poderia ter nenhuma pendência no nome. Àquela altura, o carro já estava quitado e não pesava mais no orçamento mensal. Ela cortou despesas, voltou a morar com a mãe e negociou para liquidar as operações com o dinheiro que sobrava a cada mês. Com disciplina e um salário mais alto, conseguiu pagar os compromissos rapidamente.
Depois de cinco anos no Safra, resolveu empreender. Abriu uma casa de investimentos com outros sócios, e permaneceu no negócio de 2017 a 2021. No ano passado, abriu seu próprio escritório de investimentos credenciado à XP.
Investidora e educadora financeira
Mesmo hoje, com a vida financeira estruturada e sócia de uma casa de investimentos, Daiane adota algumas regras para manter uma relação saudável com o dinheiro. "Pensei em trocar de carro há três meses, mas vi que não precisava, porque o meu está ótimo. Se o sapato não está legal, estabeleço um limite de quanto posso gastar. O processo é muito mais racionalizado", diz.
Depois de tantas dívidas, hoje ela consegue investir. Atualmente, a sua carteira de investimentos é composta por 20% de renda fixa, 10% em renda variável, 10% em fundos imobiliários, 30% em fundos multimercado, 10% em fundos de sustentabilidade, 5% em COE (Certificado de Operações Estruturadas) e 15% em ativos internacionais. Ela não abriu o valor de seus investimentos.
Daiane também dá dicas de finanças através do seu perfil Endinheirando Mulheres, com 2.500 seguidores. Entre as dicas, está anotar todos os gastos. "Quem não anota não controla. Quem não controla não gerencia. Anotar permite que a gente possa sentir a dor. O crédito é bom se bem utilizado. Quando você vive numa espiral, ele vai ser mais um problema", diz.
Também é importante buscar conhecimento. "No passado, as pessoas precisavam ter faculdade. Hoje, há bons cursos e aplicativos que ajudam a fazer esse controle. É se apropriar do dinheiro e aprender a fazer escolhas", afirma.
Ela tentou cursar ensino superior, mas não conseguiu. Hoje está cursando economia. Para dar dicas de finanças, elas fez cursos autônomos e conseguiu certificações exigidas pelo mercado financeiro, como CPA-10 e CPA-20, e Ancord (Associação Nacional das Corretoras de Valores).
Além da planilha de despesas, é interessante guardar entre 10% a 30% do salário mensal. Se a pessoa for profissional liberal, esse percentual cresce de forma proporcional às contas.
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