Um médico e 600 milhões de esfihas: conheça a história do fundador do Habib's
SÃO PAULO - Qual é a chance de um médico português fazer sucesso no Brasil vendendo comida árabe durante um período de incertezas econômicas? Se você respondeu que a probabilidade é mínima, é porque você ainda não conhece a história de Alberto Saraiva, fundador de uma das maiores redes brasileira de fast-food do país, o Habib’s.
A empresa emprega 22 mil colaboradores e tem 421 restaurantes distribuídos em mais de cem cidades em 20 Estados. Para alcançar números como esses e a fama de um dos empresários mais bem-sucedidos no Brasil, Saraiva segue à risca o seu lema de vida: “Não desista; é preciso caminhar”.
A frase que inspirou a vida do hoje empresário era dita por seu pai, Antonio Saraiva, todas as vezes em que ele pensava em desistir de seu maior sonho: ser médico. Foi para dar apoio e condições ao filho que ele e toda a família se mudaram de Santo Antonio da Platina, no Paraná, para a cidade de São Paulo, na década de 1970.
Com apenas 17 anos, Saraiva fazia cursinho de manhã e estudava no terceiro ano do ensino médio à noite. “Nessa época, eu pegava oito conduções por dia.” Na primeira vez que tentou ingressar na faculdade de Medicina, ele prestou vestibular em cinco faculdades. Não passou. No ano seguinte, foram seis tentativas. Também não passou. No outro ano, foram mais seis. Resultado: aprovado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Enquanto o jovem pensava na carreira brilhante que poderia ter pela frente, seu pai, que tinha vindo de Portugal anos antes, comprava uma padaria na zona leste da capital paulista para garantir o sustento da família. O negócio não era dos melhores. A loja tinha equipamentos velhos que viviam dando defeito e, além disso, era cercada por mais cinco padarias concorrentes.
Dezenove dias após a compra da padaria, houve um assalto no estabelecimento, e o pai de Alberto foi assassinado. O desespero e a indignação tomaram conta da família. Por ser o filho mais velho, Alberto decidiu continuar no lugar do pai e trancar o curso de Medicina. “Havia muitas prestações para pagar.”
De médico a padeiro
Em vez de médico, ele teve que virar comerciante rapidamente. Até padeiro ele foi. Colocando literalmente a mão na massa, ele amenizava um dos problemas do empreendimento, que sofria com a falta de funcionários. Antes de Saraiva aprender a fazer pão, a padaria chegou ao ponto de comprar o produto de outros lugares, de tão comuns que eram as faltas dos padeiros contratados.
Mas fazer o próprio pão e, consequentemente, vendê-lo quentinho a toda hora não foi suficiente para atrair a clientela. Por isso, a estratégia adotada foi vender o pãozinho bem mais barato do que os concorrentes. A ideia foi diminuir o preço em 30%. O plano começou a dar certo, e ele atraiu um novo tipo de cliente, os revendedores de pão, que vendiam o produto de porta em porta. “Tudo que eu tinha era vontade e desejo de que desse certo.” E deu. Após apenas 16 meses, com a padaria faturando, ele vendeu o negócio para outro português e voltou a estudar.
Apesar de ter voltado para o curso de Medicina, ele já tinha sido picado pelo “bichinho do comércio” e decidiu continuar atuando no ramo. Mesmo na faculdade, decidiu montar um novo negócio: a Casa do Pastel. A estratégia era a mesma: vender o pastel bem mais barato do que os demais. Mais um negócio de sucesso. Filas e mais filas na porta. A empresa chamou atenção de alguns corretores de negócios que se interessaram pelo estabelecimento, e mais uma vez ele o vendeu.
A mesma cena se repetiu quando ele decidiu abrir a Casa do Gnocchi, a Casa da Fogazza e um rodízio de pizza. Este último foi vendido antes mesmo de ser inaugurado. “Eu peguei gosto em montar negócios. Sabia identificar um bom ponto comercial”.
Finalmente, em dezembro de 1980, dez anos após ter sonhado ser médico, ele se formou. “Peguei meu diploma, coloquei na gaveta e fui para trás do balcão.”
A primeira esfiha
Foi então que, entre a montagem de um negócio e outro, um senhor com cerca de 70 anos bateu à porta de Saraiva e mudou seu destino. Cozinheiro aposentado, ele buscava uma oportunidade de trabalho. Paulo Abud alegou que, como morava no prédio em frente, o empresário não precisaria lhe pagar vale-transporte. Saraiva concordou em contratá-lo e perguntou o que ele sabia fazer. A resposta foi “comida árabe”. O empresário dava uma oportunidade àquele que lhe ensinaria a receita do carro-chefe de seu negócio mais lucrativo: a esfiha.
Com o domínio da culinária árabe, o empresário apostou em um novo negócio. Nascia assim, em 1988, o Habib’s. Instalado no bairro da Lapa, em São Paulo, a nova casa chamava atenção pela faixa colocada à porta. O anúncio garantia que ali estava a melhor esfirra do país. Mas não é porque era a melhor que teria que ser a mais cara. Ao contrário, a ideia era vender com o preço menor possível. “Quanto menor o preço, mais eu vendo.”
No cardápio foram incluídos ainda o pastel e o chope, produtos bem conhecidos dos brasileiros. Mas ter apenas um restaurante não era seu plano. “Eu nunca quis ter um restaurante só.” Sozinho, ele conquistou 16 lojas.
A 17ª loja foi a primeira franquia. Ela surgiu em 1992. Mas o curioso é que a entrada no sistema de franchising se iniciou por interesse de uma cliente do Habib’s. A primeira franqueada, Beatriz Braga, disse que queria abrir um restaurante da marca após uma festa de final de ano que ela organizou para a empresa em que trabalhava. No final da comemoração, ao pagar a conta, ela estranhou o valor e pediu para que o gerente refizesse os cálculos. O rapaz atendeu ao pedido da mulher e chegou aos mesmos números. Inconformada, Beatriz pediu para chamar o dono da loja e disse que o valor era baixo demais para ser verdade. Alberto explicou que estava tudo certo e que esse era o objetivo da empresa: produtos de qualidade a preços baixos.
Ela então decidiu que queria um negócio como aquele. Interessado na proposta de Beatriz, o empresário foi estudar o sistema de franquias e decidiu encará-lo. Após dez anos de existência, a marca já tinha mais de cem restaurantes. Por ano, o Habib’s vende 600 milhões de esfihas. “O Habib’s popularizou a comida árabe no Brasil.”
A escolha do nome
O nome Habib’s foi sugestão de Nelson Libbos, um amigo de Saraiva. De ascendência árabe, ele tinha o hábito de chamar todos de “habib”, termo carinhoso que, traduzido para português, significa “querido” ou “amado”. Ao contar sobre a ideia de montar uma rede de comida árabe, o empresário ouviu a seguinte sugestão: “Habib, coloca o nome de Habib’s”. Palpite dado, palpite aceito.
Verticalização
Para poder atender todas as lojas com a mesma qualidade, com os mesmos preços e em grande escala, Saraiva verticalizou o negócio. Com isso, ele comanda mais de dez empresas que são fornecedoras do Habib’s. Essas empresas são de laticínios, indústria de pães, massas e doces em geral, indústria de sorvetes e sobremesas congeladas, além de uma agência de propaganda, agência de viagens, escritório de arquitetura, entre outros. “Nada é terceirizado, eu não tenho atravessador. Assim, as lojas conseguem vender produtos a centavos.”
UTI do Franqueado
Para não deixar desamparado o franqueado que enfrenta problemas em seus negócios, o Habib´s criou um departamento especial. Assim, quando a loja não vai bem ela é internada na UTIH (Unidade de Terapia Intensiva do Habib´s) e passa a ser tratada como um paciente na UTI de um hospital. São examinadas todas as informações da loja. Além disso, o gestor da UTIH permanece no estabelecimento, durante período integral, durante dez dias. O objetivo é analisar as patologias que estão interferindo diretamente nos resultados.
O passo seguinte é a apresentação do plano de ação, chamado de diagnóstico, em que são apontadas todas as causas dos problemas e seus respectivos tratamentos. A partir daí, a loja recebe todos os cuidados necessários para sua recuperação. O tratamento tem duração de 45 dias. Em 100% dos casos, as lojas recebem alta. Com esse departamento, o índice de mortalidade da rede é praticamente inexistente.
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