Para juros caírem de verdade, seria preciso haver concorrência e educação
Resumo da notícia
- Bancos querem se eximir de culpa sobre juros, diz especialista
- Juros não são causados por custos, mas por falta de concorrência
- Sem competição, mesmo com custo menor, juros devem ficar altos
- Lucros dos bancos são elevados no Brasil, e isso pressiona juros
- Fintechs são opções que devem ser apoiadas com leis flexíveis, e BC deve estimular competição
- Educação financeira ajudaria as pessoas a se endividar menos
As 21 propostas da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) para reduzir juros, apresentadas em um livro lançado em dezembro, parecem querer tirar a responsabilidade dos bancos sobre as taxas altas e não tocam em questões essenciais como a falta de concorrência. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL.
Segundo eles, as propostas são importantes, mas insuficientes e praticamente não incluem os bancos na solução do problema. Apenas uma das 21 propostas depende de atitude dos bancos. Outras questões relevantes são tratadas superficialmente no livro.
Capítulo 1 - O que dizem os bancos -e suas ideias polêmicas
- Bancos fazem livro para baixar juros, mas especialistas criticam
- O que é o spread bancário e o que ele tem a ver com os juros?
- Opinião: De quem é a responsabilidade pelos juros altos?
Capítulo 2 - O que se deve fazer para reduzir juros mesmo
- Para juros caírem de verdade, seria preciso haver concorrência e educação
- Vilão número 1 da inadimplência no Brasil são os juros
Capítulo 3 - A concentração bancária
- Sem concorrência, de cada R$ 10 depositados, R$ 8,50 ficam em só 5 bancos
- Entenda o que é verticalização e como ela afeta juros e preços
- A desverticalização está vindo aí
Capítulo 4 - Governo Bolsonaro e os bancos
- Guedes ataca concentração bancária, mas tema fica fora da meta de 100 dias
- Senado pede apuração de juros no Cade; Congresso tem projetos engavetados
Capítulo 5 - O efeito no bolso do consumidor
- O que os consumidores podem fazer para escapar dos juros altos?
Bancos estão falando: "a culpa não é minha"
"As 21 propostas da Febraban para baixar os juros têm seus méritos, mas eu acredito que bastariam duas medidas para que as taxas caíssem de verdade: estimular a concorrência e educar a população do ponto de vista financeiro", disse Robson Gonçalves, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
"Na verdade, parece que os bancos querem se eximir da responsabilidade pelos juros altos no país. Estão falando: 'olha, a culpa não é minha. Eu estou apontando as causas e fazendo sugestões. Leia aqui neste livro'", afirmou o professor Roy Martelanc, da FIA (Fundação Instituto de Administração).
As propostas da Febraban visam combater principalmente a inadimplência elevada, a lentidão do Judiciário, os processos trabalhistas e a carga pesada de impostos que, segundo os bancos, seriam as maiores causas das taxas de juros altas.
Ao reduzir seus custos, as instituições afirmam que é possível oferecer crédito com um spread menor. Spread é a diferença entre os juros pagos pelos bancos para quem investe neles e os juros cobrados por eles para emprestar dinheiro aos clientes.
Problema não são os custos do banco, mas concorrência
O principal problema do livro, segundo os especialistas, é que toda a discussão está em cima dos custos que os bancos têm para emprestar. "O custo não é a essência da questão, mas sim a concorrência. Em um mercado sem concorrência, os custos não são relevantes para a formação de preços. O que pesa mesmo é a margem de lucro", afirmou Gonçalves.
"O livro é bastante didático sobre os fatores que afetam os custos, mas eu senti falta de uma discussão mais profunda sobre como atrair novos bancos para o país e ampliar a concorrência. O consumidor precisa ter mais opções de escolha. A concorrência é, sim, importante para que os juros caiam", declarou Ricardo Rocha, professor do Insper.
De acordo com a Febraban, 85% do spread é composto pelos custos de intermediação financeira e apenas 15% é decorrente da margem de lucro dos bancos. Entre os fatores que elevam os custos, estão a inadimplência (37% do spread total), despesas regulatórias, tributárias e o Fundo Garantidor de Créditos (que somam 23%) e os gastos administrativos dos bancos (25%).
"A implementação das medidas propostas nesse livro ajudaria a reduzir essa parcela de 85%. O aumento da competição no setor bancário, por sua vez, teria efeito sobre os 15% de lucro dos bancos", declarou Murilo Portugal, presidente da Febraban, durante o evento de apresentação do livro.
Setor concentrado tende a não reduzir preço ao cliente
"Se o custo de produção de um produto sobe, o preço dele vai aumentar, independentemente de o setor ser concentrado ou não. Mas quando o custo cai, o repasse para o preço tende a ser mais rápido em um setor competitivo. Se o meu setor é concentrado, eu posso fazer o repasse mais lentamente ou simplesmente não fazer e incorporar aquele ganho na minha margem de lucro", disse Martelanc, da FIA.
O especialista teme que, mesmo que as propostas da Febraban sejam implementadas, os bancos não repassem integralmente a redução dos custos para os spreads. "Não tem mágica. O que faz um banco ou uma empresa de qualquer setor reduzir preços é a competição. Se não há competição, não vai baixar o preço, mesmo que o custo caia", afirmou Martelanc.
Margens de lucro dos bancos são elevadas
A alta concentração do setor - os cinco maiores bancos detêm mais de 80% das operações financeiras - dificulta a concorrência e favorece a prática de margens de lucro elevadas. "Ao se falar de juros bancários, a primeira variável que precisa ser analisada é a rentabilidade dos bancos. Será que ela não é exagerada?", disse Martelanc.
A Febraban argumenta que a lucratividade dos grandes bancos está alinhada com a de instituições de outros países emergentes. "Os lucros são altos em termos absolutos, sim, mas compatíveis com o volume ainda mais alto do capital investido. E não são abusivos, uma vez que estão alinhados com as margens de bancos de países emergentes e com os ganhos de outros setores econômicos do Brasil", afirma a entidade no livro.
O retorno médio sobre o patrimônio líquido dos cinco maiores bancos do Brasil foi de 16,2% entre 2012 e 2016. O número só perde para os maiores bancos do Chile, onde o retorno foi de 17,8% no período analisado, de acordo com dados disponíveis no livro.
Em todos os demais países analisados, a lucratividade média dos maiores bancos foi menor que a dos brasileiros: África do Sul (15,2%), Turquia (14,5%), México (13,9%), Rússia (12,0%), Índia (11,0%), Estados Unidos (8,1%), Reino Unido (1,5%) e Alemanha (1,4%).
Fintechs foram deixadas em segundo plano
As fintechs, empresas de tecnologia que oferecem produtos e serviços financeiros, ganharam pouco destaque no livro da Febraban. Elas são vistas hoje como as principais concorrentes dos bancos em alguns segmentos, como o de crédito à pessoa física e a microempresas.
"Precisei ler quase 50 páginas para encontrar a primeira citação sobre fintechs no livro", disse Fábio Neufeld, líder da área de crédito da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs).
"A discussão sobre fintechs no livro é muito pequena, quase inexistente. A Febraban deveria dedicar um capítulo inteiro a elas e ao tema da inovação tecnológica, que vem ganhando cada vez mais relevância para os bancos", disse Rocha.
Bancos dizem apoiar medidas para aumentar competição
"Os bancos apoiam, sim, medidas para aumentar ainda mais a competição já existente no setor e o ingresso de novos competidores, como as fintechs", declarou a Febraban no livro. Por outro lado, os bancos defendem que as fintechs sigam as mesmas regras dos bancos, respeitando o princípio de neutralidade regulatória.
"O importante é que a maior competitividade das fintechs resulte de vantagens intrínsecas dessas empresas, não do fato de estarem submetidas a uma regulação diferente da dos bancos. Se a atividade é a mesma, as regras devem ser as mesmas. É fundamental manter certa isonomia na regulação, a fim de evitar problemas de estabilidade financeira e distorções competitivas", afirmou a federação dos bancos.
Legislação precisa ser flexível, dizem fintechs
Para o executivo da ABFintechs, não há como as fintechs competirem com os bancos em pé de igualdade se a legislação não for mais flexível.
"Os bancos não querem permitir regras diferenciadas. Mas como uma fintech vai competir com um banco grande? Se a fintech tiver que cumprir toda a legislação que um banco grande é obrigado, é claro que não vamos conseguir. Não temos estrutura nem capital para isso", disse Neufeld.
Segundo ele, faltou no livro uma visão mais positiva sobre as fintechs. "Não queremos acabar com os bancos. Podemos ser parceiros, trabalhar juntos para melhorar a eficiência deles, reduzir custos operacionais e prestar um serviço melhor e mais barato para o consumidor", afirmou.
BC precisa agir mais a favor da concorrência
Os especialistas avaliam que o aumento da concorrência bancária no Brasil depende também de uma postura mais firme do Banco Central (BC), órgão do governo responsável por regular e fiscalizar o setor.
"O fato de o BC ter dito amém para o quadro de concentração a que chegamos é um dos motivos pelo qual os juros não caem mais. O BC tem um problemão nas mãos hoje, porque, na prática, ele não pode mexer em quem já está aí no mercado. O caminho é atrair gente nova, talvez trazer bancos de fora, estimular a competição", afirmou Martelanc.
A aprovação da autonomia do Banco Central pelo Congresso é considerada essencial pelos especialistas para que a instituição possa atuar mais ativamente no setor bancário e estimular a concorrência. Entretanto, o assunto nem sequer é mencionado no livro da Febraban.
"Temos que olhar com carinho a autonomia do BC. Não faz nenhum sentido, por exemplo, um banco estrangeiro depender de um decreto do presidente da República para conseguir autorização para funcionar no Brasil. Além de ser uma burocracia absurda, isso transforma uma questão que deveria ser de natureza técnica em uma questão política", disse Ricardo Rocha, do Insper.
Faltam estímulos para potenciais competidores
A falta de mecanismos de estímulo a novos empreendedores do setor financeiro também é vista pelos especialistas como uma das causas da falta de concorrência.
"O Banco Central poderia aumentar os esforços para incentivar grandes grupos não financeiros a ter suas próprias operações financeiras. O Banco Inter, dos donos da MRV, é um bom exemplo", afirmou Rocha.
O Banco Inter foi fundado pela família Menin em 1994 inicialmente como uma financeira, a Intermedium, que tinha como finalidade apoiar as operações de crédito imobiliário da construtora MRV, controlada pela mesma família. Em 2008, instituição obteve autorização para se tornar banco múltiplo. Em 2014, a instituição lançou a conta corrente digital e passou a competir com os grandes bancos, oferecendo tarifa zero para diversos serviços essenciais, como saques e cartão de crédito.
Outro caso de sucesso recente no setor financeiro, segundo os especialistas, foi a criação da corretora XP Investimentos.
"Os fundadores da XP perceberam que havia um grande público de investidores que era mal servido pelos bancos. Eles souberam atrair esse público e incomodaram os bancos para valer. Tanto que o Itaú pagou caro para levar parte da XP. O ideal seria que a corretora continuasse totalmente independente", disse Martelanc.
O Banco Central autorizou a compra de 49% do capital da XP pelo Itaú por R$ 600 milhões, mas vetou a possibilidade de o banco assumir o controle da corretora pelo menos até 2026.
Educação financeira ajuda a combater juros abusivos
Para os especialistas, a questão da educação financeira é tratada timidamente no livro. "As pessoas pagam juros absurdos muitas vezes por ignorância, porque elas não têm noção do que isso significa", disse Martelanc.
"Quem tem um mínimo de noção e não está desesperado atrás de dinheiro simplesmente não pega empréstimo. O juro alto afasta o cliente consciente, que poderia tomar crédito para consumo ou investimento", afirmou o professor da FIA.
Segundo os especialistas, a necessidade de um maior nível de educação financeira por parte da população é fundamental para que as famílias organizem melhor suas contas, consumam de forma consciente e evitem assumir dívidas com juros impagáveis.
"Em países com bom nível de educação, o spread bancário é baixo, mesmo com concentração elevada. Aqui, as pessoas só olham se a prestação cabe no bolso. Faltam campanhas para esclarecer o que significa pagar juros de 300% ao ano. Educação financeira deveria fazer parte do currículo das escolas", declarou Gonçalves, da FGV.
"Os bancos brasileiros até têm algumas iniciativas pontuais de educação financeira. Mas esse é um tema que realmente não depende tanto deles. É uma questão política, depende do governo. Precisamos de uma educação básica melhor. Se o cidadão médio brasileiro mal sabe fazer conta de somar e subtrair, como esperar que ele entenda o que são juros compostos?", questionou Rocha.
Por outro lado, há pessoas com bom nível de instrução que também cometem graves erros financeiros, lembrou o professor do Insper. "Quem tem escolaridade baixa sofre mais. Porém, já vi muito pós-graduado tomando crédito sem necessidade, endividando-se até o talo, muitas vezes para manter um estilo de vida incompatível com a renda. Falta conscientização", disse Rocha.
Capítulo 1 - O que dizem os bancos -e suas ideias polêmicas
- Bancos fazem livro para baixar juros, mas especialistas criticam
- O que é o spread bancário e o que ele tem a ver com os juros?
- Opinião: De quem é a responsabilidade pelos juros altos?
Capítulo 2 - O que se deve fazer para reduzir juros mesmo
- Para juros caírem de verdade, seria preciso haver concorrência e educação
- Vilão número 1 da inadimplência no Brasil são os juros
Capítulo 3 - A concentração bancária
- Sem concorrência, de cada R$ 10 depositados, R$ 8,50 ficam em só 5 bancos
- Entenda o que é verticalização e como ela afeta juros e preços
- A desverticalização está vindo aí
Capítulo 4 - Governo Bolsonaro e os bancos
- Guedes ataca concentração bancária, mas tema fica fora da meta de 100 dias
- Senado pede apuração de juros no Cade; Congresso tem projetos engavetados
Capítulo 5 - O efeito no bolso do consumidor
- O que os consumidores podem fazer para escapar dos juros altos?
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