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De Lula a Bolsonaro, CPMF sempre volta ao debate sobre impostos; por quê?

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

29/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Um imposto sobre pagamentos, como a CPMF, já foi cogitado mais de uma vez desde que ela foi extinta, em 2007
  • Ex-presidentes Lula, Dilma e Temer já cogitaram o retorno, mas sem sucesso
  • Ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender um imposto sobre pagamentos
  • Ideia levou à demissão do então secretário da Receita Federal de Bolsonaro, Marcos Cintra
  • Imposto é considerado de fácil cobrança e alto potencial de arrecadação, atingindo inclusive atividades ilegais
  • Por outro lado, críticos dizem que ele se acumula, gerando efeito cascata e encarecendo produtos

Mesmo provocando a queda do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, um imposto sobre pagamentos, como era a antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), ainda não saiu totalmente do debate da reforma tributária. Na última semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender um imposto nesses moldes, como uma alternativa à cobrança sobre a folha de pagamentos.

Essa proposta não é exclusividade da atual equipe econômica. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou para que a CPMF não fosse extinta, em 2007, com apoio até mesmo de parte da oposição --como os então governadores tucanos José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais.

Anos depois, a ex-presidente Dilma Rousseff e seu então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tentaram trazer o imposto de volta. Michel Temer e seu ministro Henrique Meirelles também não descartaram ressuscitar a cobrança quando estiveram no poder.

Por que a "fixação" pela CPMF?

Como o nome diz, o imposto sobre transação financeira é cobrado na movimentação bancária, ou seja, toda vez que entra ou sai dinheiro da conta no banco. Por exemplo, um saque em dinheiro, uma transferência, um pagamento com cartão de débito, o pagamento de uma fatura ou de um boleto, um cheque etc..

A CPMF era cobrada de quem fazia o pagamento, e não de quem recebia. A alíquota chegou a ser de 0,38%.

Os defensores desse tipo de imposto listam ao menos três qualidades:

  • Gera muita receita
  • Alcança a economia informal e até a ilegal
  • É fácil de ser cobrado

Não por coincidência, essas características o tornam atraente a governos que estão com problemas nas contas públicas, com muitos gastos e/ou arrecadação baixa, precisando de uma solução rápida.

"Sempre que se fala de ajuste fiscal, de financiamento da saúde pública ou da necessidade de se aumentar a arrecadação, a CPMF é sempre lembrada", afirmou Adolfo Sachsida, atual secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, em artigo que escreveu em 2017 com críticas a um imposto nesses moldes.

Muito dinheiro envolvido

Como há muitas movimentações bancárias, o dinheiro gerado para os cofres públicos também tende a ser grande.

"Evidentemente, dado o alto volume de transações financeiras, o montante de recursos arrecadados com este imposto é significativo. Sendo assim, diversos analistas argumentam pela utilização desse tributo para financiar atividades sociais do Estado", escreveu Sachsida.

Em 2007, último ano da CPMF, ela arrecadou R$ 37,24 bilhões (R$ 71,83 bilhões em valores corrigidos pela inflação), ou 6,2% de toda a arrecadação daquele ano, segundo dados da Receita Federal.

"É um tributo altamente produtivo, entendido como de alta relação arrecadação/alíquota", afirmaram Andréa Viol, Francisco de Paula, José Antônio Schontag e Raimundo Ramos no artigo "CPMF - Mitos e Verdades sob a Ótica Econômica e Administrativa", publicado em 2001 pela Secretaria da Receita Federal.

Se o país voltasse a adotar um imposto igual à CPMF hoje, poderia arrecadar R$ 1,175 trilhão em dez anos, segundo projeções da Receita.

Até criminosos pagam

Além do número de transações alto, um imposto sobre movimentação financeira atinge a economia informal e mesmo a ilegal, sendo mais difícil de ser sonegado.

"Ao longo da história recente, a tributação que se mostrou mais eficaz em alcançar a informalidade foi a das movimentações financeiras", afirmou o analista tributário da Receita Federal Geraldo Paes Pessoa, em seu capítulo no livro "Reforma Tributária", publicado em 2018 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Normalmente, quem atua na informalidade (ou mesmo na ilegalidade) consegue fugir do Imposto de Renda, por exemplo, mas dificilmente escapa dos bancos, já que precisa de uma conta, fazer transferências, ter um cartão para pagamentos.

"É o único imposto a alcançar a economia informal ou ilegal, que, em geral, depende do sistema bancário para sua operacionalização ou da chamada 'lavagem de dinheiro' para se auto-justificar", afirmam os analistas no artigo de 2001 sobre a CPMF.

Para eles, a contribuição é mais justa do que os impostos cobrados sobre a renda porque estes, na prática, são sonegados pelos mais ricos, e o governo precisa gastar muito para fiscalizá-los.

Fácil e sem burocracia

Os defensores ainda destacam o custo-benefício do imposto. Como a cobrança é feita por meio dos bancos, que transferem o dinheiro para os cofres do Tesouro, a arrecadação não tem, praticamente, nenhum custo operacional, nem para o governo nem para o contribuinte, segundo eles. Não há notas fiscais, papéis, declarações ou outras burocracias.

"É um tributo não declaratório e de fácil cobrança, ou seja, não requer a enorme gama de declarações e guias exigidas dos tributos declaratórios. Seu custo é baixo para o contribuinte e o governo", afirmou o ex-secretário Marcos Cintra, em seu capítulo do livro "Reforma Tributária", para quem a CPMF foi um "enorme sucesso".

Defensor do imposto saiu do governo

Cintra era um dos principais entusiastas da criação de um imposto sobre transações financeiras na atual equipe econômica. O imposto seria um dos pilares da reforma tributária planejada pelo governo.

Ele, porém, foi demitido após a divulgação de possíveis alíquotas que estavam sendo cogitadas pela equipe. Depois da saída de Cintra, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a recriação da CPMF estava descartada.

Antes de entrar na equipe econômica, Cintra já era um entusiasta do imposto sobre pagamentos, mas defendia que fosse único, substituindo todos os demais. Essa ideia é abraçada também pelo Instituto Brasil 200, grupo de empresários que apoiam Jair Bolsonaro.

Lado ruim: efeito cumulativo

Mesmo economistas que criticam a CPMF admitem as vantagens na arrecadação de um imposto do tipo. Para eles, porém, seus problemas superam, e muito, essas qualidades.

Um dos principais, segundo os críticos, é que o imposto é cumulativo. Ele é pago a cada transação e em todos os elos da cadeia produtiva. Por exemplo, o contribuinte pagaria ao depositar dinheiro no banco, ao transferir esse dinheiro para uma pessoa ou empresa, ao pagar uma conta, ao sacar esses recursos.

Além disso, como grande parte das transações é feita por empresas, o efeito cascata encareceria os produtos e serviços para o consumidor final. Esses efeitos foram apontados pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, no mesmo artigo de 2017, em que admite que o imposto tem qualidades, mas defende que a ideia é ruim.

Outro problema apontado por seus críticos é que esse tipo de imposto estimula a desintermediação financeira, ou seja, a fuga dos bancos. Para pagar menos imposto, pessoas e empresas passam a preferir pagamentos em dinheiro vivo ou a passar cheques recebidos para frente, por exemplo, o que diminui a eficiência, não só do imposto, como da economia como um todo.

Estudos realizados por pesquisadores da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países desenvolvidos, apontam que o imposto sobre transações financeiras é um dos mais prejudiciais para o crescimento da economia, ficando atrás apenas de impostos sobre a renda de pessoas e empresas.

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