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Vagas, benefícios e proteção aos LGBTQIA+ promovem diversidade em empresas

Nicolas Franco, líder de P&O da Novartis, passou 12 anos da carreira escondendo sua orientação sexual no ambiente profissional ? o que o motivou a buscar uma empresa inclusiva para trabalhar. - Acervo pessoal
Nicolas Franco, líder de P&O da Novartis, passou 12 anos da carreira escondendo sua orientação sexual no ambiente profissional ? o que o motivou a buscar uma empresa inclusiva para trabalhar. Imagem: Acervo pessoal

Julia Moióli

Do UOL, em São Paulo

28/06/2021 04h00

Por 12 anos, o executivo de recursos humanos Nicolas Franco, hoje com duas décadas de carreira, precisou esconder sua orientação sexual no ambiente profissional. No dia a dia, ouvia piadas de mau gosto. Não se sentia à vontade para mostrar fotos de sua família. Quando conversava com o namorado por telefone, tratava-o por um nome de mulher. "Eu nunca consegui me abrir e ser a pessoa que eu sou com tranquilidade: um homem gay." Esse cenário só mudou quando Franco passou a atuar em empresas que têm a diversidade em seu DNA.

Ao ingressar no mercado de trabalho após se formar, em 2015, o engenheiro químico Bruno Leite vivenciou a mesma homofobia. Era um dos poucos que, às segundas-feiras, não contava sobre o final de semana. "Não conseguia ser 100% eu mesmo e percebi que aquilo estava afetando meu dia a dia de trabalho e meu desempenho", conta. "Optei, então, por uma transição de carreira. Queria ingressar em uma empresa que valorizasse a inclusão."

Para a técnica eletrônica Mariany Barbosa da Silva, que começou a carreira como estagiária em 2019, a realidade foi mais tranquila. "Eu sempre deixei minha orientação sexual bem explícita e isso, em momento algum, foi uma questão."

As histórias desses três profissionais desenham um panorama do ambiente de trabalho para a comunidade LGBTQIA+ no Brasil: a maneira como as empresas tratam o tema evoluiu (e rapidamente) nos últimos anos. Mas, é claro, sempre há o que melhorar. Enquanto a Associação de LGBTQI+ da Bahia estima que a comunidade corresponda a cerca de 9% da população brasileira, essa representatividade não ocorre na maioria das empresas.

De acordo com a pesquisa FEEx - FIA Employee Experience (edição 2020), apenas 45% das empresas participantes adotam algum programa de inclusão do público LGBTQIA+. "É comum as empresas dizerem que não fazem diferenciação de inclusão para grupos minoritários específicos. O problema é que a ausência de ações afirmativas nesse sentido não promovem a diversidade", diz Lina Nakata, professora da FIA Business School. Grandes empresas, especialmente multinacionais, que recebem diretrizes de suas matrizes, são as mais avançadas nesse sentido.

Mecanismos de inclusão

A pesquisa da FIA mostra ainda que as ações afirmativas mais frequentes são a extensão dos planos de saúde a cônjuges do mesmo sexo e a oferta de licenças maternidade e paternidade. Além disso, a maioria das organizações inclusivas têm códigos de conduta que reforçam a posição de não tolerar comportamentos preconceituosos e assédios. "As empresas precisam institucionalizar e regimentar essas questões porque, se alguém se sente discriminado, deve recorrer a mecanismos formais", acredita Lina. "Se estes mecanismos não estão claros, a chance de a empresa perder talentos e de haver danos psicológicos aos funcionários discriminados é maior."

Na farmacêutica Novartis, onde o líder de P&O (pessoas e organizações) Nicolas Franco, mencionado no início da reportagem, trabalha atualmente, o código de ética, complementado com speak up lines para denúncias, não deixa dúvidas. "Nosso compromisso é criar um ambiente diversificado e inclusivo que trate todos os colaboradores com dignidade e respeito; é criar um local seguro onde todos tenham a mesma oportunidade de obter sucesso sendo quem eles são", diz o executivo.

Também é preciso educar todos os funcionários, e treinamentos de letramento, para explicar a importância da diversidade no ambiente de trabalho têm sido cada vez mais comuns. Na Microsoft Brasil, na Novartis e no Grupo Boticário, por exemplo, todos os funcionários passam por um treinamento obrigatório sobre vieses inconscientes e não intencionais. "Recentemente, iniciamos um programa de treinamento dos nossos 25 mil colaboradores, em todos os níveis hierárquicos, abrangendo temas diversos relacionados à diversidade e inclusão," conta Regina Durante, diretora de gente e sustentabilidade da Renner - na rede de lojas, atualmente, 18% dos colaboradores se declara LGBTQIA+.

Na Roche Farma Brasil, ações de conscientização acontecem em reuniões de equipe comuns, do dia a dia. "Pedimos horários nessas reuniões porque, por ter um público menor, a discussão é mais dinâmica, além de atingir quem não participaria voluntariamente", afirma Cyntia Silva, especialista em diversidade e inclusão da empresa nas Américas.

Os treinamentos de letramento também são fundamentais para garantir equidade em recrutamentos e nos processos de desenvolvimento de talentos. "Em nossos processos de seleção e contratação, temos times preparados para acolher candidatos trans, por exemplo, além de orientar gestores e pares, eliminando barreiras que possam existir", conta Valéria Marretto, diretora de Recursos Humanos do Itaú Unibanco, que estima ter cerca de 10% de pessoas LGBTQIA+ em seus quadros.

Já o Grupo Pão de Açúcar criou um banco de talentos no LinkedIn destinado a vagas para grupos minoritários. "Já tivemos 65 contratações a partir desse cadastro", conta Mirella Gomiero, diretora de recursos humanos, tecnologia e sustentabilidade do GPA.

Bruno Leite - Acervo pessoal - Acervo pessoal
O engenheiro químico Bruno Leite, analista sênior de inovação na Roche Farma Brasil, é líder da frente de Diversidade & Inclusão LBGTQIA+ da empresa, que conecta membros da comunidade em filiais do mundo todo.
Imagem: Acervo pessoal

Identificação e acolhimento

Por meio de programas de mentoria, funcionários LGBTQIA+ podem se desenvolver profissionalmente e fazer contatos dentro da companhia, facilitando as promoções e movimentações internas. O engenheiro químico Bruno Leite, que no começo da carreira tinha medo de falar sobre sua orientação, é hoje analista sênior de inovação na Roche Farma Brasil e líder da frente de Diversidade & Inclusão LGBTQIA+ da empresa. O grupo conecta membros da comunidade em filiais no mundo todo. "No meu primeiro contato pensei: 'Existem pessoas como eu aqui!'", conta. "Não só como eu, mas que me valorizavam, me falavam para eu ser eu mesmo, faziam com que eu pertencesse e abriam portas para mim." Um censo interno da empresa estima que 10% dos colaboradores se identificam como LGBTQIA+.

Na multinacional Ball do Brasil, que produz embalagens de alumínio, os grupos de interesse e de atividades também são fortes. "Temos um compromisso em ter uma força de trabalho cada vez mais diversa, em ter um ambiente inclusivo e em criar a cultura do pertencimento", diz Suellen Moraes, gerente de diversidade e inclusão da América do Sul. "Valorizamos muito o conceito de segurança psicológica, com ambientes seguros, onde ninguém é excluído e as pessoas podem se expressar e trazer sua melhor versão ao trabalho."

Além de benefícios e treinamentos, a Microsoft também se inspira no mercado para adotar iniciativas como os banheiros de gênero neutro e a self-identification ID. "É um processo voluntário e confidencial, no qual nossos colaboradores e funcionários têm a oportunidade de compartilhar mais informações sobre a sua autoidentificação: é possível fazer a identificação por orientação sexual, identidade de gênero (e raça e deficiência etc)", explica Alessandra Karine, VP para o setor público, educação e saúde e líder de D&I (diversidade e inclusão).

Comunidade trans

Um dos grupos da sigla que mais encontra dificuldades profissionais é a comunidade trans, inclusive por causa da baixa capacitação. Por isso, empresas como PayPal têm se empenhado para atrair essas pessoas. "Além da adequação do ambiente, apoiamos o funcionário quando ele vai passar por uma readequação sexual, oferecendo uma licença", conta Ana Paula Kagueyama, head global de soluções para clientes do PayPal, onde 30% dos funcionários se identificam como LGBTQIA+.

A Novartis, que já oferece apoio psicológico, disponibilizou para os funcionários, recentemente, um guia para reforçar o compromisso com os colaboradores no processo de transição de gênero, com orientações para gestores, times e colegas.

O atacadista Assaí anunciou este mês uma parceria com a TransEmpregos para contribuir para o desenvolvimento profissional de pessoas trans, criando as condições necessárias para candidatura e inserção na companhia. "Nos últimos dois anos, nosso número de colaboradores trans quadriplicou, mas queremos continuar ampliando esse quadro", diz Sandra Vicari, diretora de gestão de gente e sustentabilidade.

Mariany Barbosa - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Mariany Barbosa começou como estagiária na Ball em 2019 e nunca precisou esconder sua orientação sexual. Em 2021, tornou-se a primeira mulher a comandar um turno na fábrica de embalagens de alumínio.
Imagem: Acervo pessoal

Seja você mesmo

Enquanto incentivam cada um a ser "você mesmo", as grandes empresas experimentam os benefícios das ações de inclusão, observando que diversidade e criatividade caminham de mãos dadas. "Nossa missão é empoderar cada pessoa e cada organização do planeta a conquistar mais", diz Alessandra Karine, da Microsoft. "Se não tivermos um ambiente com diversos perfis e ideias, não vamos entender as várias necessidades dos clientes e gerar ideias inovadoras."

Raquel Zagui, vice-presidente de Recursos Humanos do Grupo Heineken engrossa o coro: "Temos uma sociedade altamente diversa e entendemos que o único caminho possível para conduzirmos nosso negócio é refletindo esta pluralidade internamente." Renato Amêndola, head de diversidade, inclusão e equidade do Grupo Boticário, complementa: "Acreditamos que a construção de uma empresa aberta para a diversidade é o único caminho para se estabelecer um negócio sustentável que respeite a sociedade e todas as pessoas."

O desempenho dos funcionários em ambientes inclusivos também tende a ser melhor. "Posso falar por experiência própria: se você tem que esconder sua vida, esse é seu foco", diz Nicolas Franco. "Quando uma empresa garante um ambiente seguro para você ser quem você é, você consegue dar muito mais de si."

O ambiente inclusivo da Ball também foi fundamental para o desenvolvimento da carreira da técnica eletrônica Mariany Barbosa da Silva, que no segundo semestre vai se tornar a primeira mulher a comandar um turno na fábrica. "Ser quem você é, não precisar se esconder, não ficar com medo, permite que você se imponha e expresse o que tem de melhor."

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que mede o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e os vencedores do Prêmio devem ser anunciados em agosto.