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Com Bolsonaro de olho na eleição, Guedes faz concessões na agenda econômica

Para analistas, Guedes precisou se adaptar às circunstâncias para seguir no Ministério da Economia - Ueslei Marcelino/Reuters
Para analistas, Guedes precisou se adaptar às circunstâncias para seguir no Ministério da Economia Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

26/04/2022 04h00

Com o presidente Jair Bolsonaro (PL) de olho na campanha eleitoral, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem feito concessões em sua agenda econômica. No episódio mais recente, o governo acena com aumento de 5% dos salários do funcionalismo público federal a partir de julho, ainda que Guedes tenha criticado a possibilidade de reajustes em várias ocasiões.

Guedes também fez concessões à chamada "ala política" do governo em pelo menos outros dois momentos: no furo do teto de gastos (a regra que limita as despesas do governo ao Orçamento do ano anterior, mais a inflação) e no pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família).

Analistas ouvidos pelo UOL afirmam que Guedes precisou se adaptar às circunstâncias para permanecer no comando do Ministério da Economia. Ao mesmo tempo, a avaliação é de que o ministro tenta manter a defesa do liberalismo (intervenção menor do Estado na economia) dentro do governo, ainda que a corrida eleitoral esteja atrapalhando.

Guedes tem sido uma voz vencida dentro do governo. Foi assim na PEC [Proposta de Emenda à Constituição] dos Precatórios, no Auxílio Brasil e no aumento dos servidores. Mas o ministro está se adaptando à prioridade do governo, que é reeleger Bolsonaro.
Ricardo Ribeiro, analista da Ponteio Política

Idas e vindas: teto de gastos

Nos últimos meses, com a proximidade das eleições, Guedes precisou adaptar seu discurso para justificar medidas do governo que ele próprio havia criticado no passado. Um dos casos mais emblemáticos diz respeito ao teto de gastos.

Em 9 de abril de 2021, Guedes fez críticas a integrantes do governo que defendiam o furo do teto:

Aí tem um ministro também, tem sempre um ministro mais ousado, tem ministro fura-teto, tem de tudo aqui. Tem ministro que não desiste, volta toda hora e bate no mesmo lugar, bota em risco a viagem do grupo todo.
Paulo Guedes, ministro da Economia

Seis meses depois, com a decisão do governo de alterar o teto, Guedes mudou o tom:

Teto de gastos é símbolo de austeridade, mas não vamos deixar a população passar fome. Eu estou feliz em furar o teto? Não estou. Eu detesto furar teto. Mas não adianta tirar 10 em fiscal e zero em assistência social. Tem que ter responsabilidade social
Paulo Guedes, ministro da Economia

Auxílio Brasil

No caso do Auxílio Brasil, a equipe econômica citava nos bastidores o pagamento de valores menores que os R$ 400 por mês, que acabaram sendo adotados.

Novamente, Guedes procurou justificar a medida. "O presidente [Bolsonaro] disse que nenhuma família poderia receber menos de R$ 400. Todos aqueles critérios de focalização foram batidos pelo apelo fortíssimo da renda básica", disse o ministro, em 18 de novembro.

Reajuste de servidores públicos

Desde o fim do ano passado, há uma batalha em torno do aumento salarial do funcionalismo público. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro planejava conceder reajuste apenas para policiais federais —que formam sua base de apoio— outras categorias iniciaram greves e paralisações.

Em vários momentos, como em dezembro do ano passado, Guedes se colocou contrário aos reajustes:

Em mensagem a outros ministros, Guedes comparou o aumento de salários de funcionários públicos ao rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 2019.

"Se aumentar os salários, quebramos", afirmou. Ele disse que a situação seria como Brumadinho: "Pequenos vazamentos sucessivos até explodir a barragem e morrerem todos na lama".

Apesar da posição de Guedes, o governo já indicou a intenção de reajustar os salários do funcionalismo em 5% a partir de julho.

Na última sexta-feira (22), Guedes atualizou seu discurso. Ao tratar do interesse de Bolsonaro em dar reajuste maior a policiais federais, o ministro disse que isso não seria possível em ano eleitoral. Segundo ele, o ato poderia ser visto como uma forma de buscar votos de uma categoria específica.

"Seria melhor para o presidente, que atenderia a uma vontade, mais barato, mas não é eleitoralmente factível. Acaba tendo que ser linear para todo mundo, o que é bem mais caro", disse Guedes.

Questão de sobrevivência no governo

Para o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, Guedes precisou aceitar medidas contrárias à sua agenda para sobreviver dentro do governo.

A ideia inicial, muito expressa na imagem de "Posto Ipiranga", era de que haveria uma delegação da condução da agenda econômica por parte do presidente, em direção ao Ministério da Economia. Mas esta delegação já era limitada mesmo antes da pandemia, sobretudo pela ausência de Bolsonaro na implementação da agenda de Guedes.
Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada

De acordo com Cortez, Bolsonaro não atuou de maneira decisiva em vários momentos da agenda econômica, como na aprovação da Reforma da Previdência no Congresso, em 2019.

Mais recentemente, com a pandemia e a proximidade das eleições, aumentaram as pressões por medidas que, supostamente, podem ajudar Bolsonaro na campanha.

"O núcleo político neste pós-pandemia aposta na política social. O papel de Guedes, desde então, é de duas naturezas: minimizar os estragos das medidas [no Orçamento] e repaginar as diferenças entre o discurso que ele tinha e a política de governo", diz Cortez.

O analista Ricardo Ribeiro, da Ponteio Política, lembra que Guedes tem defendido a ideia de que, em um segundo governo de Jair Bolsonaro, sem o impacto da pandemia, a agenda liberal teria mais chances de avançar. "É uma teoria discutível, mas serve de retórica para o ministro", diz.

Guedes apoia medidas já que segue no cargo, diz professora

A cientista política Graziella Testa, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, afirma que Guedes, apesar do discurso, apoia as medidas tomadas, já que permanece no governo.

"Tudo bem que o Paulo Guedes, na campanha, tinha um posicionamento em relação ao que ele entende por economia. Isto é, uma economia mais liberal. Mas ele é ministro de um governo", afirma a professora. "Na medida em que o governo toma decisões, ele apoia estas decisões."

É confortável Guedes ficar numa posição de dizer quer queria uma coisa, mas foi outra [que ocorreu]. Se você não apoia o governo em que você ocupa cargo, você deixa de ocupar o cargo.
Graziella Testa, professora da FGV

Efeitos eleitorais das medidas econômicas

As pesquisas de opinião mais recentes mostram que Bolsonaro reduziu a distância para o líder na corrida eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para Graziella Testa, ainda não é possível dizer que ações na área econômica, como o aumento do valor do Auxílio Brasil para R$ 400 ou mesmo a perspectiva de reajuste para funcionários públicos, possam estar ajudando Bolsonaro.

"Existe, sim, uma percepção de melhora da situação, por conta do fim do período mais intenso da pandemia. Isso certamente teve impacto, porque dá uma sensação de volta à normalidade", afirma.

Conforme Ricardo Ribeiro, da Ponteio Política, o Auxílio Brasil de R$ 400 pode ter ajudado. "É sempre complicado separar os fatores. Provavelmente, o pagamento do Auxílio Brasil ajudou", afirma. "Outra razão da recuperação de Bolsonaro é o fato de que as candidaturas da terceira via minguaram, principalmente a do ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil)."

Ministério não se pronunciou

O UOL abriu espaço para o Ministério da Economia e para o ministro Paulo Guedes se posicionarem. Além disso, questionou o ministério a respeito das pressões políticas para adoção de medidas como o Auxílio Brasil de R$ 400. Guedes também foi questionado a respeito do possível reajuste salarial dos servidores. O ministério não respondeu.