'Preciso de cirurgia para andar': clientes da Amil ainda relatam problemas
O analista de sistemas Robson do Nascimento, 44, precisa fazer uma cirurgia para voltar a andar. No início de 2021, descobriu que tem osteocrenose (necrose da cabeça do fêmur), consequência dos medicamentos que tomou para tratar de um câncer (linfoma de Hodgkin).
Ele esperava passar pelo procedimento cirúrgico em outubro, mas descobriu em uma ida ao cirurgião que a Amil havia descredenciado o consultório que frequentava desde o início do ano. Nascimento se deslocava com frequência de Nova Iguaçu (RJ), onde vive, para a capital do Rio para ser avaliado por médico especialista em quadril. A Amil nega problemas e afirma que a cobertura dos planos continua a mesma (leia no fim deste texto o que a empresa diz em detalhes).
Já são seis meses de tentativas ininterruptas para conseguir a aprovação do plano de saúde e de registros de reclamações no site da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), entidade que regula o mercado de planos de saúde privados no Brasil
"A rede credenciada da Amil foi sucateada. Hoje, por exemplo, eu não consigo encontrar médico com especialidade em quadril. Nunca consegui falar com o plano", reclama.
Quase 150 dias após a Amil transferir 337 mil planos individuais e familiares à APS (Assistência Personalizada à Saúde), os beneficiários do plano de saúde ainda relatam dificuldades no atendimento médico. Em fevereiro, o UOL trouxe as primeiras histórias de clientes impactados com a negociação.
Nesse período, a APS, que pertence à mesma holding da Amil, o UHG (Grupo United Health), tentou negociar a carteira com uma nova empresa formada por três sócios. A ANS disse "não" a essa investida, mas ainda pode reverter a decisão (saiba mais no final deste texto).
Cirurgia particular custa R$ 24 mil
A doença de Robson do Nascimento, que age como se esfarelasse o osso da perna esquerda por causa de problemas na circulação do sangue, limita a sua locomoção. O analista de sistemas passa a maior parte do tempo deitado na cama. Quando fica de pé, é com auxílio de muletas.
Ele já pesquisou por quanto sairia o procedimento se pagasse do próprio bolso, mas se assustou com o preço: R$ 24 mil. Também tentou descobrir se conseguiria a cirurgia gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas afirma não ter recebido resposta até o momento. Cliente da Amil desde 2009, Nascimento paga R$ 613 na mensalidade de seu plano transferido para a APS.
"Já recebi duas propostas de emprego, mas tive que recusar porque são trabalhos presenciais e eu não consigo caminhar. Minha vida está empatada", conta.
Para diminuir a dor, Nascimento toma de três em três horas uma combinação de analgésicos fortes. A cirurgia de que necessita removeria a cabeça do fêmur para implantação de uma prótese no quadril esquerdo.
Nos seus cálculos, ele já estaria andando normalmente se tivesse feito o procedimento conforme imaginado. Pedir a portabilidade do plano seria uma saída arriscada, pois seria obrigado a aguardar dois anos por ter uma doença preexistente, anemia falciforme aguda.
Ela perdeu médico que tratou de aneurisma
Em 2014, a aposentada Aparecida Fenelon, 65, foi submetida a uma cirurgia para tratar de um aneurisma cerebral. O procedimento resolveu o problema na hora, mas trouxe duas complicações descobertas posteriormente: uma sequela que prejudica sua coordenação do lado direito e um aneurisma de poucos milímetros, que necessita de cuidados.
Usuária da Amil desde 2007, Aparecida diz que nunca enfrentou dificuldades para sair de casa, em Santo André, no ABC Paulista, para fazer acompanhamento uma vez por ano com o mesmo médico no Hospital 9 de Julho, no centro de São Paulo. Entretanto, foi surpreendida em março deste ano.
Ao tentar marcar uma consulta com neurologista no mesmo hospital, ouviu da atendente que seu plano havia sido desligado em outubro de 2021. "É uma loucura. Eu já tinha passado em consulta lá depois [de outubro]", conta.
Depois de reclamar com a ANS, Aparecida afirma que um funcionário da APS agendou uma consulta em outra unidade hospitalar sem que ela soubesse. Ela rejeitou a substituição de imediato. "Isso é coação, um abuso. Eu não pago para ser tratada desse jeito", critica Aparecida. Seu plano custa R$ 2.300 por mês.
Enquanto procurava uma solução, soube que os laboratórios Delboni e Lavoisier, aos quais sempre recorria, também foram descredenciados de seu plano de saúde.
Segundo a aposentada, é urgente que ela consiga retomar os cuidados periódicos com o médico que a atende há quase oito anos. "Tenho medo de que esse aneurisma se rompa. Aí não tem mais jeito, é irreversível."
Filho com paralisia cerebral está sem AACD
Quem também diz colecionar problemas com a Amil nos últimos meses é a dona de casa Neusa Grolla, 56. Ela não usa o convênio, mas é responsável por acompanhar de perto seu filho Guilherme, 29, que nasceu com paralisia cerebral. Eles vivem na Vila Diva, na zona leste de São Paulo.
Ela assinou o plano da Amil nos anos 1990 basicamente para usar o hospital AACD, especializado em pessoas com deficiência. A pandemia interrompeu as consultas médicas, mas Neusa esperava retornar à unidade Abreu Sodré, na zona sul da capital, no final de 2021 —e foi informada do descredenciamento por telefone.
Guilherme passa regularmente em fisiatra, oftalmologista e ortopedista. "Meu medo é que ele perca os médicos que nos acompanham desde sua primeira cirurgia." Neusa paga mensalmente R$ 730 à APS.
Em fevereiro, ela diz que uma atendente da APS ofereceu opções de hospitais que não cobriam atendimento específico a pessoas com deficiência. Desde que recusou a oferta, a mãe de Guilherme aguarda um contato com a sugestão de unidades que possam substituir a AACD à altura.
Tão logo soube da perda do hospital, Neusa tentou buscar uma solução pelo SUS. Ela entrou em uma fila de espera em março, porém sem saber se será atendida.
"Eu me sinto prejudicado. Quero o hospital [AACD] de volta. Por favor, Amil, me devolva esse hospital", diz Guilherme Grolla.
O que diz a Amil sobre o problema
Questionada, o UHG declara que a cobertura dos planos de saúde permanece a mesma após a transferência. A dona da Amil diz ainda que as obrigações com os usuários também não foram modificadas.
"Quanto à manutenção da rede credenciada, não houve nenhum ajuste atípico após a transferência da carteira e o número de consultas, procedimentos, admissões hospitalares e atendimentos ambulatoriais não teve alteração durante esse período", garante.
A ANS proibiu em um primeiro momento que a APS repassasse os clientes vindos da Amil para uma empresa fora do grupo. Desde 6 de abril, a Amil voltou a assumir a carteira que foi deslocada para a APS.
Na segunda-feira (18), a ANS recebeu uma contraproposta da empresa, que vai ser analisada. Há a possibilidade de aprovação do negócio.
A agência disse que a contraproposta será analisada e depois haverá uma divulgação sobre isso em "momento oportuno", sem dar previsão de data.
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