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Licença-maternidade 'criminosa': como falas de Sachsida reforçam o machismo

O ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida diz ser contrário à licença-maternidade de 180 dias, o que é adotado por 0,5% das empresas - Jefferson Rudy/Agência Senado
O ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida diz ser contrário à licença-maternidade de 180 dias, o que é adotado por 0,5% das empresas Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Henrique Santiago

Do UOL, em São Paulo

17/05/2022 13h12Atualizada em 18/05/2022 12h41

As falas polêmicas do novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que criticou a licença-maternidade de seis meses e disse que a mulher é mais eficiente distante do mercado de trabalho, reproduzem o pensamento machista comum na sociedade de que o lugar das mulheres é fora das empresas, dizem especialistas ouvidas pelo UOL.

Sachsida fez as declarações em vídeos publicados em 2016 e 2017 em seu canal no YouTube. Ele já afirmou que a desigualdade de salário existe porque os homens aceitam jornadas de trabalho mais extensas que as mulheres — sem colocar em foco o problema da divisão de tarefas em famílias brasileiras.

Além disso, em suas falas, Sachsida omite que a licença-maternidade de 6 meses (180 dias) é válida apenas em firmas que aderem ao programa Empresa Cidadã — que são poucas, afirma a mestre em Economia do Trabalho pela PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) Maria Oaquim.

Neste programa, as companhias podem deduzir do IRPJ (Imposto sobre a renda pessoa jurídica) os salários pagos durante as licenças estendidas. Em geral, na lei da licença-maternidade, sancionada há 20 anos, as gestantes têm direito a quatro meses (120 dias) de afastamento com salários pagos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

"São poucas as empresas que participam [do programa que estende a licença], até porque não é obrigatório", diz Oaquim, que ainda menciona o risco de demissão da mulher após o retorno ao trabalho.

A estimativa é que haja 4,7 milhões de empresas no país, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas apenas 24 mil firmas (0,5%) estavam cadastradas no programa Empresa Cidadã até fevereiro de 2021, segundo dados mais recentes incluídos no site da iniciativa do governo federal.

Ainda de acordo com Oaquim, a licença remunerada para mães, ainda que seja importante, deveria ser estendida nos mesmos moldes para os pais. Atualmente, a licença-paternidade oferece apenas cinco dias bancados pela empresa — 20 dias para participantes do Empresa Cidadã — quando poderia seguir exemplos de outros países em que a licença tem duração semelhante para ambos, pai e mãe. "Por que só a mulher é responsabilizada por cuidar [do filho e da casa]?", questiona.

Mulheres trabalham mais e são menos remuneradas

Solange Gonçalves, professora de economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisadora do Gefam (Grupo de Estudos em Economia da Família e do Gênero), afirma que as declarações de Sachsida reforçam o discurso machista porque também não consideram que mulheres trabalham mais e ganham menos do que homens — e ainda se dedicam ao trabalho doméstico.

Essas informações estão em uma pesquisa do IBGE lançada em 2019 que mostra que elas trabalham, em média, três horas a mais do que eles por semana.

O material usa como referência a combinação do trabalho remunerado, do lar e cuidados de pessoas. Mesmo com uma carga de responsabilidade maior e nível educacional mais alto, as mulheres ganham 76,5% do que é pago para os homens na mesma função, diz o IBGE.

Ele [Sachsida] relaciona a existência da licença-maternidade a menores chances de progressão na carreira. Mas se você quer oferecer oportunidades iguais para homens e mulheres, o caminho não é tirar um direito reconhecido e valorizado, e sim oferecer a licença parental, que vale para ambos os parceiros."
Solange Gonçalves, pesquisadora

A Suécia, por exemplo, dá a pais a mães a possibilidade de tiraram 16 meses (480 dias) de licença remunerada. Lá, o casal pode se ausentar do trabalho por 90 dias e dividir o restante do tempo como bem entender.

'Trabalho de mulher'

O chamado teto de vidro, fenômeno social que coloca barreiras no crescimento profissional das mulheres, aparece nas afirmações de Sachsida, de acordo com a professora de direito da Unilasalle (Universidade La Salle) Paula de Carlos.

Segundo ela, o ministro considera apenas o trabalho remunerado como essencial, descartando a importância do trabalho reprodutivo, que trata dos cuidados com as pessoas e geralmente é associado à figura feminina.

"[A partir desse pensamento] Empresas e Estado podem não produzir políticas de igualdade de gênero que preconizem uma inserção maior das mulheres no mercado e de trabalho, uma manutenção e iguais oportunidades de ascensão na carreira" declara de Carlos.

Questionado pelo UOL, o Ministério de Minas e Energia disse que não irá comentar assuntos fora do âmbito da pasta.