Pessimismo do mercado esconde dados positivos da economia brasileira
A turbulência em torno do cumprimento das regras definidas pelo arcabouço fiscal reforça o pessimismo sobre a economia nacional. Tal cenário esconde recentes dados positivos, a exemplo do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), acima das expectativas no primeiro semestre, e a elevação da nota de crédito do Brasil, definida pela agência de classificação de risco Moody's.
O que aconteceu
Preocupações envolvem o cumprimento do arcabouço fiscal. As incertezas geradas pelo crescimento das despesas sem a evolução proporcional das receitas dão margem ao pessimismo. O mercado financeiro defende que o déficit fiscal seja zerado e vê dificuldade do governo federal para cortar os gastos e cumprir as promessas feitas pelo ministério da Fazenda.
Existe uma preocupação muito grande dos investidores, dos mercados e dos analistas em relação à trajetória da política fiscal, com uma perspectiva de alta de dívida e de despesas em termos reais nos próximos anos.
Silvio Campos Neto, sócio da Consultoria Tendências
Ex-diretor do BC vê cenários desagradáveis com a deterioração das contas públicas. "Só a perspectiva de estabilidade fiscal vai manter a taxa de juros em um nível mais baixo. Senão, você vai ter taxa de juros alta ou inflação", ressalta Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da autoridade monetária.
Expectativa de anúncio dos cortes de gastos agrava os temores. A definição das despesas do Orçamento é ponto central dos debates recentes da equipe econômica em Brasília na tentativa de acalmar o mercado financeiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, garante que os cortes estão definidos e têm o aval das pastas a serem afetadas.
Cobranças miram a estabilização das despesas ao longo de um período relevante. Sílvio Campos classifica como "carro-chefe das preocupações" as políticas que resultam em um crescimento acima da inflação das despesas. "É preciso que se forneça uma âncora fiscal para que se estabilizem as perspectivas macroeconômicas", destaca ao mencionar ações intervencionistas que evidenciam falhas no trato das contas públicas.
Aumento da carga tributária para recompor as despesas também é alvo de críticas. Freitas avalia que o Brasil já tem um elevado volume de impostos. "Aumentar a carga tributária sob o argumento de tributar os mais ricos é um tiro no pé que acaba repercutindo contra o próprio país", afirma ele.
As consequências do cenário adverso já afetam o bolso das famílias e empresas. Diante das adversidades, o Copom (Comitê de Política Monetária) decidiu elevar a taxa básica de juros da economia nas últimas duas reuniões, de 10,5% ao ano para 11,25% ao ano. Determinante para conter a inflação, a alta da Selic afeta negativamente o desenvolvimento econômico e o mercado de trabalho.
Elevação da nota de crédito
Moody's colocou o Brasil a um degrau do grau de investimento. Em decisão divulgada no dia 1º de outubro, a agência de risco elevou a nota de crédito soberano do Brasil de Ba2 para Ba1 e manteve como positiva a perspectiva para o rating. Ao justificar o veredito, a Moody's destacou o "crescimento econômico mais robusto do que o esperado e o avanço de reformas econômicas e fiscais".
Decisão não será acompanhada pelas outras agências de risco. Fitch e Standard & Poor's se manifestaram após a decisão da Moody's e avaliam não haver razão para aumentarem o rating nacional. "Para elevar a classificação de crédito do Brasil, precisaríamos ter mais confiança na capacidade do governo de gerar superávits primários", disse Todd Martinez, codiretor de riscos soberanos das Américas da Fitch, em entrevista à Reuters.
Analistas do mercado classificaram a decisão como precipitada. Sílvio Campos, da Consultoria Tendências, explica que as críticas são motivadas pelo ambiente de incertezas. "Ainda há muitos temas importantes em aberto, principalmente pensando na dinâmica das contas públicas. Isso gerou a percepção de que esse upgrade não tinha um bom embasamento técnico", afirma ele.
Avaliação melhor não rendeu bons frutos ao mercado acionário. Com o ambiente externo adverso em meio ao avanço da guerra e as eleições nos EUA, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, fechou o mês de outubro com perda 1,6%, caindo dos 131.816,44 aos 129.713,33 pontos. "Desde a alta do rating, não houve nenhuma melhora. Pelo contrário, os ativos brasileiros passaram por uma nova rodada de deterioração, o que exacerba que a percepção de risco segue muito elevada", reforça Sílvio Campos.
Elevação da nota de crédito não atraiu investidores estrangeiros. Mesmo com a aproximação da conquista do selo de bom pagador, o fluxo estrangeiro na Bolsa de Valores nacional fechou outubro com uma perda de R$ 2,2 bilhões. "O mercado olha a política do país, a conjuntura e tira suas conclusões, sem seguir necessariamente as opiniões das empresas de rating", analisa Freitas.
Economistas preveem rebaixamento no Brasil em três anos. Ao citar uma perspectiva do pesquisador Samuel Pessoa, do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), Freitas avalia a previsão como razoável e cobra "noção" da equipe econômica. "É lamentável, porque o país tem tudo para alcançar novamente o período de crescimento econômico, mas esses espasmos criados pelo equilíbrio fiscal não levam a lugar nenhum", avalia o ex-diretor do BC.
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