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REPORTAGEM

Novas regras da aviação: Não é só mala grátis; o que muda para passageiros?

Mudanças trazidas pela MP do Voo Simples incluem gratuidade no despacho de bagagens e outras alterações para o setor - Getty Images/iStockphoto
Mudanças trazidas pela MP do Voo Simples incluem gratuidade no despacho de bagagens e outras alterações para o setor
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

31/05/2022 04h00

O Congresso aprovou a Medida Provisória 1.089/2021, conhecida como MP do Voo Simples. A medida fez uma espécie de limpeza em questões regulatórias que não se aplicam mais à atualidade, e reconheceu a aviação como um negócio similar a tantos outros, tirando barreiras para a criação de empresas, por exemplo.

Um dos pontos definidos foi a volta do despacho grátis de bagagem, mas não foi a única mudança. Veja a seguir as principais alterações e como isso pode afetar os passageiros:

Gratuidade na bagagem

O ponto de mais destaque da MP é a volta da gratuidade no despacho de bagagens de até 23 kg em voos nacionais e 30 kg em voos internacionais. Essa medida agradou aos passageiros, mas é alvo de críticas das empresas do setor, que podem perder essa renda acessória para engordar seus caixas.

A gratuidade não estava prevista na proposta original, e foi incluída na Câmara dos Deputados. Ainda não há certeza se o presidente Jair Bolsonaro (PL) irá vetar ou não a mudança.

Desde que a cobrança foi adotada no Brasil, em 2017, as companhias aéreas já faturaram cerca de R$ 3 bilhões com o serviço. Esse valor vinha crescendo ano a ano, mas o ciclo de altas foi interrompido pela pandemia do coronavírus e a redução na atividade das aéreas mundo afora.

A volta da gratuidade é duramente criticada pela Abear (Associação Brasileira de Empresas Aéreas), que representa as maiores empresas do setor.

"O retorno da franquia obrigatória de despacho de bagagem é um erro, um retrocesso que desalinha o país das melhores práticas internacionais para reduzir custos e juntamente com a liberação ao capital estrangeiro, estimular a competitividade. Vale lembrar que não existe bagagem gratuita, pois todos os passageiros vão ter de pagar essa conta. Era assim que funcionava anteriormente: o custo do despacho de bagagem era diluído em todos os bilhetes", diz Eduardo Sanovicz, presidente da Abear.

Para a autora da proposta que incluiu a volta da gratuidade no despacho na medida provisória, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), os deputados foram enganados quando permitiram a cobrança.

"As empresas não foram verdadeiras quando afirmaram que iam baixar o preço da passagem se nós permitíssemos aqui a cobrança da bagagem. A maioria desta Casa permitiu, com o protesto de um número expressivo de parlamentares, e agora todos viram que foram enganados", disse durante a sessão que aprovou a medida na Câmara, em abril.

Passageiros indisciplinados barrados

O texto também prevê que os passageiros indisciplinados poderão sofrer sanções. A regulamentação ainda deverá ser feita pelas autoridades de aviação civil, mas uma empresa poderá deixar de vender passagens por até 12 meses para um passageiro que tenha praticado um ato de indisciplina que seja considerado gravíssimo.

Essa regra não se aplicará aos passageiros que estejam cumprindo missões oficiais. As empresas ainda poderão compartilhar entre si as informações sobre os indisciplinados.

Confusões com passageiros indisciplinados a bordo de aviões quase triplicaram em empresas aéreas do Brasil em um ano, entre 2020 e 2021, indo de 222 para 612 casos

Construção de aeroportos

Quem quiser construir um aeródromo (local que possua infraestrutura para pouso, decolagem e movimentação de aeronaves) está dispensado de autorizações prévias. Ainda assim, os particulares que o fizerem deverão registrar sua existência, obedecendo a todas as regras de operação e aos planos estabelecidos pelas autoridades aeronáuticas.

Ao mesmo tempo, alegando "promover o fomento regional, a integração social, o atendimento de comunidades isoladas, o acesso à saúde e o apoio a operações de segurança", deverá ser expedida uma regulação específica para a criação de aeródromos na região conhecida como Amazônia Legal.

Esse é um ponto que tem sido alvo de críticas, pois estaria favorecendo a criação e, possivelmente, legalizando pistas hoje clandestinas usadas pelo garimpo.

Certificação de aeronaves

Aviões fabricados fora do Brasil e que tenham um extenso histórico operacional não precisarão mais passar por um novo processo de certificação no Brasil.

Para isso, bastaria a certificação emitida por outras autoridades estrangeiros reconhecidas, como a FAA (Administração Federal de Aviação, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, ou a Easa (Agência Europeia para a Segurança da Aviação, na sigla em inglês), na Europa.

Um exemplo é o procedimento de certificação do Boeing 787 no Brasil, feito pela Latam e concluído em 2021. Embora o modelo já tenha um histórico de voo de mais de dez anos mundo afora, apenas no ano passado obteve autorização para ser operado a partir do Brasil por uma companhia aérea nacional.

A companhia teve de revalidar várias questões que já haviam sido analisadas por agências regulatórias no exterior, além de fazer novos voos e simulações.

Com isso, há um custo extra para a empresa ou o dono que quiser importar a aeronave. Retirando essa exigência no Brasil, os custos de operação devem cair.

Estrangeiras liberadas no Brasil

Se o texto final for sancionado por Bolsonaro, empresas estrangeiras passarão a ter livre atuação no Brasil, não sendo mais necessário autorização prévia de funcionamento. Junto a isso, não terão mais de obter nova autorização a cada cinco anos.

O objetivo é facilitar que companhias do exterior operem voos para o Brasil. As etapas prévias de autorização eram vistas pelo mercado como uma mera burocracia, já que, para voar por aqui, as companhias têm de comprovar a regularidade e sua capacidade operacional.

Junto a isso, elas não precisarão mais ter uma filial no país para operar por aqui. Dessa maneira, empresas que operam poucos voos por semana serão beneficiadas, já que não terão de contar com estrutura e equipe voarem apenas duas vezes na semana por exemplo.

Taxas menores

Algumas das taxas cobradas de empresas do setor e companhias aéreas foram reajustadas para um valor menor no texto final da medida provisória.

A taxa para certificação de balões caiu de R$ 900 mil para R$ 20 mil em decorrência da medida provisória, e surtiu efeito logo de cara na indústria de produtos aeronáuticos brasileiros.

Em 31 de março, a Anac recebeu o primeiro pedido de certificação para um balão nacional, algo que só foi feito após a redução da taxa.

Com isso, espera-se aumentar a competitividade e reduzir os custos da indústria, que poderá diminuir a dependência de produtos do exterior, como é o caso dos balões, usados em competições e turismo, por exemplo.

Concessões

Com a aviação sendo reconhecida como um ramo de negócios como outros, fica extinta a concessão para exploração de serviços aéreos.

Assim, cada empresa ou pessoa interessada em prestar o serviço poderá fazê-lo, desde que cumpra as normas de segurança e regras determinadas pelas autoridades.

A expectativa é que isso aumente a quantidade de pessoas atuantes no mercado, já que a burocracia será reduzida.

Projeto em conjunto

Para Ricardo Fenelon Jr., advogado especialista em direito aeronáutico e ex-diretor da Anac, a MP do Voo Simples traz uma série de contribuições para o setor. "A MP é extremamente técnica. A norma surgiu de um trabalho técnico entre a Anac e a SAC. Não é uma MP que nasceu do governo simplesmente, mas da experiência dos reguladores do setor", diz Fenelon.

"O objetivo é simplificar e desburocratizar sem perder o foco da segurança. O Código Brasileiro de Aeronáutica é da década de 1980. Era um código ultrapassado e muito descritivo. Nele, por exemplo, não seria possível prever a operação de drones", afirma o advogado.

Fenelon ainda defende que é preciso desmistificar que a aviação é algo que estaria em outra dimensão. É um negócio como qualquer outro, diz, defendendo que as empresas do setor não podem sofrer com tantos custos estruturais para operar.

Sobre a gratuidade de bagagens, Fenelon afirma que isso vai contra o que é praticado mundo afora. "Hoje há empresas ultra low-cost na Argentina, Colômbia, Peru, México, Chile, mas no Brasil não. Isso se deve ao fato de que o ambiente por aqui não é propício para essas empresas, como a cobrança por bagagem, um exemplo claro do Estado interferindo no mercado", diz o advogado.