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Reinaldo Polito

Eduardo Cardozo e FHC vão às turras

18/11/2014 06h00

Agora é Cardozo x Cardoso. José Eduardo, ministro da Justiça, e Fernando Henrique, ex-presidente, vão às turras num dos mais ferrenhos enfrentamentos políticos dos últimos tempos. Ir às turras, evidentemente, é apenas uma força de expressão para enfatizar a importância dessa luta originada no escândalo da Petrobrás.

As estratégias oratórias utilizadas por esses dois contendores podem ser analisadas por técnicas aplicadas nas mais diversas situações da vida judiciária, literária e política em diferentes instantes da história brasileira. Como esse deve ser apenas um dos rounds iniciais, vale a pena nos prepararmos para o que teremos pela frente.

Um debate entre duas partes é feito pela tese, antítese e síntese. Considerando nesse contexto as particularidades da réplica e da tréplica. Do choque entre a tese e a antítese o que não for destruído se constituirá a síntese. Portanto, os argumentos utilizados por uma das partes precisam ser refutados pela parte contrária, para que não prevaleçam na síntese.

Esse conceito foi eternizado na história literária brasileira por dois ícones das nossas letras: Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro. É uma passagem maravilhosa. A comissão do Senado responsável pela redação do Código Civil brasileiro foi presidida pelo jurista Rui Barbosa.

O senador baiano entregou seu parecer em abril de 1902 com várias críticas à redação de Clóvis Beviláqua. O calhamaço de 560 páginas denominado “Parecer do Senador Rui Barbosa sobre a redação do projeto do Código Civil” foi publicado pela Imprensa Nacional.

Em outubro do mesmo ano de 1902, o filólogo Ernesto Carneiro Ribeiro, com o pouco tempo que lhe foi destinado, se incumbiu da árdua tarefa de revisar os aspectos gramaticais do projeto do Código Civil. Suas considerações foram publicadas no Diário do Congresso sob o título de “Ligeiras Observações sobre as Emendas do Dr. Rui Barbosa ao Projeto do Código Civil”.

Estava armada a contenda. As críticas feitas por Carneiro Ribeiro não foram ignoradas. Em 1904, Rui foi à forra com sua magistral “réplica” ao trabalho do seu antigo mestre. Um ano depois, Carneiro Ribeiro, com mais tempo de reflexão, fez a “tréplica” com outro trabalho não menos memorável: “Redação do Projeto do Código Civil e a Réplica do Dr. Rui Barbosa”.

Após essas marchas e contramarchas, que perduraram por mais de dez anos, em 1916 foi aprovado o Código Civil brasileiro, que vigorou até 2002, quando foi substituído pelo atual Código Civil. Além das monumentais aulas a respeito dos conceitos da gramática da Língua Portuguesa, os dois estudiosos deixaram ensinamentos preciosos sobre as técnicas do debate.

A história brasileira está repleta de exemplos excepcionais com debates entre as figuras mais proeminentes do país. Carlos Lacerda e Getúlio, Jânio Quadros e Adhemar de Barros, Brizola e Maluf. Cada um desses episódios merecem páginas especiais nos livros que tratam dos embates políticos. Estamos vivendo mais um desses momentos preciosos.

Com o caso da Petrobras, o governo e o PT estão passando por uma situação delicada sem precedentes. Lógico que a oposição não ficaria calada nem deixaria de aproveitar todas as oportunidades para tornar ainda mais frágeis as combalidas defesas adversárias. Está com a faca e o queijo nas mãos.

Dois dos críticos mais ferrenhos são o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o candidato derrotado nas últimas eleições senador Aécio Neves. FHC se vale da autoridade conquistada no exercício da Presidência por dois mandatos para fustigar com mais ou menos sutileza os petistas.

Disse “ter vergonha como brasileiro de dizer o que está acontecendo com a Petrobras”. Um tiro certeiro no coração descompassado do governo. Sendo a Petrobras um dos argumentos mais importantes nos discursos dos candidatos petistas nas últimas eleições, a crítica teve direção certa. Uma tese fenomenal.

Sentindo o poder da acusação adversária, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi rápido na defesa e fez a antítese. Procurou incluir no mesmo balaio os políticos da oposição e minimizar a força dos argumentos do ex-presidente. Cardozo enfatizou que a investigação atinge a todos, tanto políticos da situação quanto da oposição.

Disse em entrevista coletiva repelir com veemência a tentativa da oposição de criar um terceiro turno ao usar politicamente o escândalo da operação Lava Jato. Complementa afirmando que querem traduzir em uma disputa eleitoral extemporânea uma investigação que é defendida pelo governo e garantida com recursos e autonomia.

Com essa réplica, Eduardo Cardozo tentou esvaziar as acusações dos oponentes, ao mesmo tempo em que procurou mostrar o que está por trás das críticas adversárias. Foi rápido, habilidoso e cirúrgico no seu pronunciamento. Atuou para tirar o véu que acreditava encobrir as verdadeiras intenções da oposição.

Só que do outro lado não estava nenhum principiante em contendas políticas. Fernando Henrique imaginava que sua posição seria contestada, e que precisaria continuar fustigando as trincheiras contrárias. Antes que as letras esfriassem nas publicações dos mais diversos veículos da imprensa voltou a mostrar as garras com sua tréplica.

FHC jogou por terra a tentativa do ministro de escamotear os fatos. Disse que “ninguém está explorando eleitoralmente, que eu saiba. O Brasil está estarrecido com a profundidade do que aconteceu. É muito dinheiro. É muita gente envolvida”. Dessa forma, neutralizou os argumentos do ministro, que se baseavam em interpretações, e acuou ainda mais os adversários.

Independentemente da posição que venhamos a abraçar, esses debates frente a frente como tivemos nas eleições presidenciais, ou nesse enfrentamento a distância entre os expoentes da política brasileira são os capítulos que ficarão perenes nos compêndios da oratória brasileira. Prepare-se porque outros confrontos virão.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Ao debater, procure neutralizar todos os argumentos contrários
- Ao fazer a defesa da sua tese, tente atacar para que o oponente tenha de se defender
- Se houver risco de ter uma afirmação contestada, deixe uma porta aberta para a defesa
- Se antecipar um ataque contrário, tenha certeza de que o adversário irá mesmo usar aquele argumento
- Caso contrário, estará dando armas para o inimigo

Livros de minha autoria que podem ajudar na reflexão desse tema: "Como falar corretamente e sem inibições", "Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas" e "Assim é que se fala", publicados pela Editora Saraiva