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Reinaldo Polito

Joaquim Levy e Sean Penn tropeçam nas palavras

03/03/2015 06h00

Praticamente ninguém contesta a competência do ministro Joaquim Levy. Por causa do seu preparo e experiência, foi convocado como espécie de salvador da pátria pela presidente Dilma nas “trincheiras inimigas”. Até os petistas mais resistentes tiveram de engolir a presença de um “alienígena” para tentar pôr ordem no descontrole generalizado da economia brasileira.

Em um pronunciamento na semana passada, Levy demonstrou que talvez tenha ainda um longo caminho de aprendizado com sua comunicação. Sua capacidade de se expressar com segurança e desembaraço não tem sido suficiente para evitar que algumas palavras se transformem em verdadeiras cascas de banana no desempenho de suas atividades.

Ao anunciar o pacote de redução de benefícios e aumento de impostos, Levy escorregou no discurso. Disse que a redução de tributos da folha de pagamentos “foi grosseira”. Comentou, ainda, que “essa brincadeira” custou R$ 25 bilhões. Além de criticar o próprio governo ao qual agora pertence, fez uso de expressões que não pegam bem para a fala de um ministro do seu peso.

Se esse tipo de linguajar mais coloquial tivesse sido usado no mundo corporativo, seria perfeitamente aceitável. O nível gerencial das empresas está acostumado a um discurso mais solto e subentendido. Se Levy tivesse falado numa reunião de diretoria de uma grande organização, por exemplo, ficaria claro que não estava dizendo ao pé da letra o que disse, mas sim que havia outra mensagem por trás de suas palavras.

Na vida pública, entretanto, quando os ouvintes são mais heterogêneos, há o risco de as palavras serem entendidas literalmente. Ainda mais nos dias de hoje, em que os patrulheiros do politicamente correto se valem de qualquer descuido para fazer a defesa daqueles que se “sentiram ofendidos ou prejudicados”. Há casos que beiram à hipocrisia.

Até a presidente Dilma aproveitou a oportunidade para tirar uma casquinha e mostrar sua indignação. Disse que a fala do ministro sobre desoneração foi infeliz. O próprio ministro, sempre muito inteligente e lúcido, demonstrou que a lição havia sido assimilada. Comentou com alguns de seus auxiliares que, naquela circunstância, fora coloquial demais.

Há poucos dias, durante a 87ª cerimônia de entrega do Oscar, o grande astro do cinema Sean Penn também vacilou no discurso e deslizou no politicamente correto. Ao anunciar que o vencedor do Melhor Filme era o cineasta mexicano Alejandro Gonzáles Iñárritu, que com seu filme "Birdman" levou quatro estatuetas, fez a seguinte brincadeira: “Quem foi que deu um green card a este filho da p...”.

É evidente que ele fazia uma brincadeira com intenção de elogiar e homenagear o agraciado. As redes sociais, entretanto, não perdoaram e fustigaram Penn com críticas de toda natureza, especialmente a de que foi preconceituoso. Pois é, disseram que suas palavras revelavam preconceito com os imigrantes mexicanos. Quanta falta de boa vontade nessa interpretação!

Qual a grande lição deixada por esses exemplos? Se houver possibilidade de que as palavras sejam tomadas ao pé da letra e distorcidas de seu verdadeiro significado, a saída é mudar o discurso e evitar o confronto. Mesmo na vida corporativa ou no relacionamento pessoal, o perigo pode estar à espreita. Considere, ainda, que quanto mais amplo e despreparado for o público, maior a chance de que a ironia fina ou a fala subentendida sejam distorcidas.

Como disse um dos homens mais brilhantes da intelectualidade literária brasileira, Mário Quintana: “A ironia atinge apenas a inteligência. Inútil desperdiçá-la com os que estão longe do seu alcance. Contra estes ainda não se conseguiu inventar nenhuma arma. A burrice é invencível”.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Use a ironia fina e a fala subentendida. É sinal de inteligência
- As pessoas despreparadas podem não entender e até distorcer mensagens sutis
- Os ouvintes bem-preparados se sentem elogiados quando recebem mensagens subentendidas
- As pessoas bem-preparadas, mas mal intencionadas podem fingir não entender a brincadeira sutil

Livros de minha autoria que podem ajudar na reflexão desse tema: “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”, Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem” e “As melhores decisões não seguem a maioria”, publicados pela Editora Saraiva.