Obama inova, usa até "Game of Thrones" e mostra comunicação espetacular
Quase todo mundo sabe que Obama é um grande orador. Tive oportunidade de analisar aqui nesta coluna a comunicação do presidente americano quando visitou o Brasil. Em todas as suas apresentações demonstrou excepcional capacidade oratória, presença de espírito e foi aplaudido com entusiasmo e admiração pelo público.
Mais uma vez Obama pode demonstrar sua extraordinária capacidade de se comunicar e interagir com a plateia. Quase todos os anos ele se reúne com os jornalistas que atuam na Casa Branca e faz discursos bem-humorados. Brinca com a imprensa como espécie de “vingança” às espetadas que recebe nas matérias que escrevem ou levam ao ar.
No sábado, dia 25, não só repetiu o tom tradicional como adicionou mais tempero às brincadeiras. Com ajuda e “cumplicidade” do ator e humorista afrodescendente Keegan-Michael Key, que atuou como o “tradutor irado Luther”, caminhou no limite do humor, da grosseria e vulgaridade –sem ultrapassar o sinal.
Enquanto Obama proferia um discurso protocolar, o comediante dizia com bastante exagero o que o presidente poderia ter vontade de dizer. Obama não deixou um assunto importante sem comentário. Com a ajuda do “tradutor irado Luther” brincou com temas da maior seriedade.
Falou da arrecadação da campanha da pré-candidata a presidente Hillary Clinton, de seu partido: “Hillary terá de levantar uma soma enorme de dinheiro".
O comediante, simulando o pensamento real do presidente, citou a popular série americana de TV "Game of Thrones". "Sim, ela [Hillary] vai conseguir esse dinheiro. Ela vai pegar todo o dinheiro. Khaleesi está chegando a Westeros. Então, cuidado!" Khaleesi é uma personagem feminina poderosa, e Westeros, um dos continentes do mundo retratado na série.
Fustigou também o candidato do Partido Republicano Ted Cruz: “Ted Cruz disse que negar a existência das alterações climáticas converteu-o em Galileu. Mas na verdade, essa não é uma comparação que faça sentido –Galileu acreditava que a Terra gira em volta do sol. Ted julga que gira em torno de Ted Cruz”.
Nem sua própria aparência mais envelhecida escapou de seus comentários: “Eu pareço tão velho que John Boehner fez um convite a Netanyahu para falar no meu funeral”. Aproveitando o mesmo tema incluiu a esposa no pacote: “Michelle está igual ao que eu era há seis anos. O segredo? Frutas frescas e vegetais”.
Ainda pela voz de Luther disse que como os republicanos venceram as eleições para o Congresso e vão impedir todas as suas iniciativas, nem vai tentar resolver as questões relevantes do país. Seria impensável um presidente americano transmitir esse tipo de mensagem. Só foi possível com o artifício da brincadeira.
Em outro momento, Obama com a própria voz aproveitou para mexer com os jornalistas que vivem atazanando sua vida. Disse que, embora nem sempre chegassem a um acordo, tinha certeza de que poderia contar com a ajuda da imprensa na busca de soluções dos problemas mais importantes dos Estados Unidos.
Sem tempo para pausa, Luther complementou: “Sabemos que vamos contar com a Fox para continuar aterrorizando os eleitores brancos”. Ora, todos sabem que a Fox faz campanha ostensiva contra Obama.
O detalhe curioso é que Obama se comportou como verdadeiro artista. Em nenhum momento esboçou um único sorriso, por maior que fosse o exagero da brincadeira do tradutor Luther. Fazia o discurso com a seriedade esperada de um presidente e continuava com o mesmo semblante quando o comediante “traduzia” seus hipotéticos verdadeiros pensamentos.
Quem pensa que brincar com jornalistas é privilégio do presidente dos Estados Unidos está enganado. Tivemos um brasileiro que foi craque nessa arte, Joaquim Nabuco, um dos homens mais cultos e brilhantes da nossa história. E como nos revela Afonso Celso na sua obra “Oito anos de parlamento”, talvez o melhor orador brasileiro de todos os tempos.
Quando Nabuco fez homenagem ao Gridiron Club e ao Dr. J. C. Rodrigues, do "Jornal do Commercio", do Rio de Janeiro, aproveitou a presença dos jornalistas, exagerou a circunstância do jantar que estava sendo oferecido, e usou o bom humor para comentar sobre a presença da imprensa naquele evento.
“Antigamente cuidávamos assiduamente de respigar [compilar] e recolher notícias internacionais, mas agora creio que estamos reduzidos à condição de certas formigas, que para alimentar-se têm que depender de outra classe. Nem posso até conceber como teríamos que obter a nossa provisão de notícias, não fora a vossa diligência em trazê-las até nós duas vezes ao dia”.
E aí a veia fina do humor de Nabuco entra em ação: “Por essa razão, ao agradecer a vossa presença aqui, quero exprimir a esperança de que jantar fora não virá a ser a principal função do vosso ofício, como, graças a vós, tornou-se a nossa (risos e aplausos)”.
Usar o humor na medida certa, explorando com habilidade a presença de espírito pode ser um dos recursos mais poderosos para obter sucesso com a comunicação. Basta visualizar bem a fronteira que separa a graça, da ironia e da vulgaridade, medir as consequências da fala mais ousada e conquistar os ouvintes .
SUPERDICAS DA SEMANA
- Seja ousado e arrojado com sua comunicação |
- Explore o humor e a presença de espírito |
- Observe se o contexto permite a fala bem-humorada |
- Na dúvida, não arrisque. Evite sempre a vulgaridade |
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: “Assim é que se fala”, “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas”, “Como falar corretamente e sem inibições”, “Superdicas para falar bem” e “As melhores decisões não seguem a maioria”, publicados pela Editora Saraiva. |
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