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Reinaldo Polito

O que os discursos de Trump, Lula e Tiririca têm em comum? São irreverentes

Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Imagem: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP

11/08/2015 06h00

Donald Trump continua disparando sua metralhadora verbal. Na última semana, estava com a língua ainda mais afiada ao participar de um debate nos Estados Unidos. Foi o primeiro confronto entre os dez norte-americanos que pleiteiam a vaga de candidato à Casa Branca pelo Partido Republicano. 

Debochado, irônico, agressivo, falastrão e preconceituoso são alguns dos adjetivos que definem seu comportamento nos discursos, nas entrevistas e agora também nos debates. Tenho acompanhado os comentários que fazem a seu respeito e não me lembro de ter ouvido um elogio sequer. No início, diziam que ele não poderia ser levado a sério. Agora, já dizem que não se pode brincar com esse maluco.

Só para dar uma ideia de como ele tem agido, foi o único que disse no debate que não descartava a possibilidade de concorrer como independente, caso não fosse escolhido como candidato pelos Republicanos. Foi vaiado por causa dessa postura. Em uma entrevista, atacou a jornalista Megyn Kelly, afirmando que fora severa com ele no debate porque estava menstruada.

Sem contar que já criou a maior polêmica ao dizer que, entre os mexicanos ilegais que entram nos Estados Unidos, há narcotraficantes, estupradores e criminosos. A questão é que, apesar dessas atitudes grosseiras, agressivas e preconceituosas, está liderando as pesquisas entre os pré-candidatos republicanos com a expressiva marca acima dos 24%.

Aqui por terras tupiniquins também tivemos inúmeros políticos que se comunicaram com discursos e comportamentos que contrariaram o senso comum e obtiveram extraordinárias conquistas junto ao eleitorado. Só para citar alguns, Jânio Quadros, Enéas Carneiro, Tiririca e Lula.

Jânio usava talco para mostrar que tinha caspa

Embora tenha renunciado ao cargo de presidente depois de ter permanecido apenas sete meses no posto, Jânio foi um dos políticos mais vitoriosos da nossa história. Foi vereador, deputado estadual, prefeito, governador e presidente da república. Muitos anos depois de ter renunciado ao cargo de presidente, conseguiu a proeza de voltar a ser prefeito de São Paulo.

Jânio também tinha comportamento fora do padrão, que o diferenciava como político e orador. Jogava talco nos ombros e nas costas para mostrar que tinha caspa e era igual às pessoas mais humildes. Usava ternos amarfanhados, gravatas tortas e de nós afrouxados. Andava pelos comícios levando no bolso sanduiches de mortadela, embrulhados em papel de pão, sempre engordurados.

Um de meus alunos, João Mellão Neto, foi seu Secretário de Coordenação Governamental. Mellão me contou que Jânio foi uma das pessoas mais lúcidas que conheceu. Era brilhante e criterioso no momento em que despachavam os mais importantes assuntos da prefeitura. Só que, na hora de pôr em prática o que haviam decidido, ele pendurava chuteira na porta, trocava os pés dos sapatos, vestia camisa do Corinthians e assim permanecia sempre nas primeiras páginas dos jornais.

Enéas tinha discurso rápido; Tiririca, o humor

Enéas Carneiro foi outro que rasgou a cartilha do discurso comportado e foi muito bem-sucedido. Com apenas 17 segundos de tempo para fazer sua campanha política, adotou um jeito meio aloucado e rápido de falar. Com esse recurso conseguiu, nas eleições de 2002, como deputado federal, a expressiva votação de mais de 1,5 milhão de votos. Um campeão de votos.

A lista dos políticos que não se sujeitaram aos padrões é longa. Tiririca, por exemplo, depois de Enéas Carneiro, foi o deputado federal mais votado na história do Brasil, com mais de 1,3 milhão de votos. Em vez de fazer discursos coerentes e comportados, dizia, em sua propaganda eleitoral: “O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas, vote em mim, que eu te conto”.  Dizia também: “Pior que tá não fica, vote Tiririca”.

Frases incomuns de Lula foram marcantes

E para dar outro exemplo que não poderia faltar, Lula. Deixando de lado os problemas enfrentados pelo PT e os baixíssimos índices de popularidade da presidente que ajudou a eleger, Lula terminou seu segundo mandato com mais de 80% de aceitação popular. A maneira como se dirigia ao público com seus discursos não era nada convencional.

Ao sugerir que a população deveria ser otimista para enfrentar a crise de 2008 disse: “Imagine se um de vocês fosse médico e atendesse a um paciente doente. O que você falaria para ele? ‘Você tem um problema, mas a medicina já avançou demais. Vamos dar tal remédio e você vai se recuperar’. Ou você diria: ‘Meu, sifu’?”.

Em outra oportunidade, ao se referir às reações que provavelmente o presidente russo Vladimir Putin teria, comentou: “Certamente o embaixador russo recebeu a notícia. Certamente mandou para o presidente Putin. E certamente o Putin ficou meio ‘Putin’ com o Brasil”. Essas são apenas algumas de suas inúmeras “pérolas” na comunicação com os brasileiros. Mesmo assim, ou até por isso, conseguiu ser o presidente mais popular da nossa história.

Oradores saíram do lugar comum

Todos esses oradores, independentemente do julgamento que possamos fazer, saíram do lugar comum, abandonaram as regras clássicas da comunicação e se tornaram vitoriosos. Atingiram posições que a maioria deseja conquistar. Romperam as nuvens do anonimato e, com um jeito irreverente de se expressar, atingiram as plateias.

Não importa aqui discutir se Trump vai ou não ser candidato à presidência dos Estados Unidos, se temos ou não simpatia pela história política de Jânio Quadros, se Tiririca e Enéas Carneiro nos agradam ou não, se Lula perdeu ou não o brilho com o agravamento da crise política brasileira. O que interessa é saber que deram exemplos de que há formas diferentes de nos comunicarmos.

Saiba, entretanto, que a comunicação irreverente, que foge do padrão, funcionou para esses oradores em determinadas circunstâncias, mas pode não dar certo em contextos diversos até para eles mesmos. O segredo está em saber avaliar bem o momento e ter boa dose de certeza de que o público será receptivo àquele jeito inusitado de falar e de se comportar.

SUPERDICAS DA SEMANA

- Aprenda todas as boas regras para falar em público
- Sempre que julgar conveniente, quebre as regras para falar em público
- Analise sempre se há alguma maneira mais atraente para transmitir a mensagem
- Se você refletir bem, achará sempre uma forma de sair da mesmice e tornar seu discurso mais interessante
- Fuja do padrão, seja irreverente, mas cuidado para não se prejudicar
- Atitudes inusitadas, que dão certo em algumas circunstâncias, podem ser inadequadas em outras

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: "Assim é que se fala", "Como falar corretamente e sem inibições”, "Oratória para advogados e estudantes de direito", “Superdicas para falar bem”, “Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas” e "As melhores decisões não seguem a maioria", publicados pela Editora Saraiva.

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