Como vencer o celular e chamar a atenção dos alunos? É preciso quebrar regras
Meu contato com os professores se tornou mais intenso nos últimos anos. Cada vez mais, esses profissionais procuram meu curso de oratória com o objetivo de aprimorar a comunicação. Alguns se sentem impotentes por não saberem bem como tratar com essa nova geração de alunos. Dizem que a maioria deles é dispersa e desinteressada. Só pensam no smartphone.
Como Presidente da Academia Paulista de Educação, tenho tratado junto com os diretores da nossa instituição, obviamente, de questões voltadas ao ensino. O relacionamento dos professores com os alunos é tema recorrente. Secretários da Educação do município e do Estado, reitores de importantes universidades dizem nunca terem presenciado nada parecido.
Afinal, como conquistar a concentração de jovens que se acostumaram à velocidade sedutora da tecnologia? Como mantê-los interessados durante horas para que assistam às aulas de matemática, português, química, física, biologia? Parece uma concorrência desleal, que começa quase sempre com a certeza de que o professor não logrará seu intento.
Como, entretanto, o resultado é diferente em alguns casos? Como algumas escolas e certos professores mantêm o interesse dos alunos e os motivam ao aprendizado? Algumas pessoas dizem que só conseguem bons resultados instituições que atendem classes econômicas mais abastadas e pagam muito bem os professores.
Na maioria dos casos essa é uma verdade. Alguns exemplos, entretanto, jogam por terra essa afirmação. Escolas simples, sem nenhum recurso tecnológico, distantes dos grandes centros, com professores mal remunerados são classificadas entre as melhores do país. Planejamento, método, boa vontade, capacitação e inteligência dos professores são alguns ingredientes para esse resultado positivo.
Há mais de 13 anos ministro aulas nos cursos de pós-graduação na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), sempre aos sábados à tarde. Esse é um desafio permanente: manter a atenção de alunos durante quatro horas, num sábado à tarde. Quando penso que muitos deles viajaram por muitas horas, saindo de suas cidades distantes, ou até de outros Estados, o mínimo que posso fazer é me desdobrar. A permanência deles e o aprendizado me estimulam.
O êxito de uma aula quase sempre está longe de engessadas regras e teorias pedagógicas. Lógico que o professor deve ter o domínio da matéria, ter capacitação pedagógica, mas só o conhecimento não basta. Precisa conhecer as características e as aspirações dos alunos. E se, por acaso, o aluno ainda não tiver consciência do que deseja na vida, o professor pode ajudá-lo nessa busca.
Quantos profissionais bem-sucedidos revelam ter optado pela carreira devido a um professor extraordinário, que em certo momento cruzou a sua vida? Esse foi o meu caso há 40 anos. Só me apaixonei pela oratória graças à admiração que cultivei pelo professor Oswaldo Melantonio. Se não fosse por ele, provavelmente, ainda estaria me dedicando ao mercado financeiro.
Lembro-me de dois professores que fizeram história nas salas de aula de Araraquara, no interior de São Paulo: Machadão e Pezza. Se dessem aula hoje em qualquer escola do país, com certeza teriam o mesmo sucesso que tiveram. O primeiro lecionava português, o último dava aulas de matemática.
Dominavam a matéria e conheciam seus alunos. O professor Machadão (no aumentativo, para se diferenciar de outro professor chamado Machadinho, que perambulava pelos lados do Colégio São Bento também dando aulas de português), quando precisava reconquistar a atenção dos alunos ou dar uma boa agitada na aula contava histórias sobre a muquiranice do professor Pezza.
Era uma festa. A garotada vibrava quando ele revelava que o Pezza era tão sovina que desligava o televisor no momento em que a bola saía pela lateral, e só voltava a ligar depois que entrava em jogo novamente, com o intuito de economizar energia. Ou que ele tomava comprimido amarrado num barbantinho e puxava de volta depois de ter aliviado a dor de cabeça, para reutilizá-lo em outra oportunidade.
Se estivesse chegando ao final da aula e o Machadão não tomava a iniciativa de contar histórias do pão-durismo do Pezza, os alunos não deixavam passar, e perguntavam se ele não tinha alguma novidade do professor de matemática. E o mestre não frustrava a galera, sempre tinha uma historinha na manga para alegrar a aula.
Já com o Professor Pezza ninguém deixava de prestar atenção na aula. Assim que notava um aluno alheio, desligado da matéria, usava sua tática característica: psiu, psiu, uma arguiçãozinha para o senhor. E coitado daquele que não soubesse as respostas! A avaliação do mestre vinha como se fosse uma sentença capital: para aprender a prestar atenção, hoje o senhor vai ficar com zero de nota.
Só havia uma forma de se vingar – na próxima aula do Machadão, pedir que ele contasse mais uma boa história do “carrasco”. Como, por exemplo, aquela em que o Pezza havia comprado duas ratoeiras para pôr no bolso, ficando assim impedido de gastar qualquer centavo.
Os dois se conheciam e eram cúmplices nas brincadeiras. Cada um com seu estilo, esses dois queridíssimos professores educaram e formaram muitas gerações de araraquarenses que hoje, com certeza, assim como eu, agradecem por terem sido seus alunos. De vez em quando me encontro com velhos contemporâneos de escola, e todos relembram das histórias com alegria e saudade.
São exemplos que mostram a importância da atuação do professor. O planejamento, o método, a tecnologia são excelentes recursos de ensino e de motivação para os alunos. Nada ainda, todavia, substituiu ou substituirá a presença de um bom professor. Especialmente aqueles mestres que, para ensinar, não titubeiam em quebrar regras.
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse assunto: "Assim é que se fala", "Como falar corretamente e sem inibições", "Oratória para advogados e estudantes de direito", "Superdicas para falar bem", "Conquistar e influenciar para se dar bem com as pessoas" e "As melhores decisões não seguem a maioria", publicados pela Editora Saraiva.
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