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Reinaldo Polito

Por que pessoas inteligentes acreditam em golpes e políticos mentirosos?

17/12/2019 04h00Atualizada em 17/12/2019 09h42

É um prazer dobrado enganar quem engana.
Jean de La Fontaine

Conto do vigário é uma expressão antiga que acabou por se transformar em espécie de sinônimo para qualquer tipo de golpe. Mesmo que a tecnologia tenha modificado totalmente a forma de os vigaristas atacarem suas vítimas, ainda assim alguns tratam os mais diferentes golpes como sendo conto do vigário.

Você já deve ter se perguntado várias vezes: como é que pessoas aparentemente tão bem preparadas conseguem acreditar em certas inverdades vomitadas por alguns políticos? Não é possível que não parem para pensar por um instante que as palavras desses "marginais" não se sustentam sequer pela mais elementar confrontação com dados da realidade!

Pois é, e o curioso é que, quanto mais elevado for o nível intelectual, mais a pessoa encontrará argumentos para apoiar sua tese, ainda que com bases insustentáveis. O historiador norte-americano, dedicado ao estudo da ciência estadunidense, Michael Shermer, em sua obra "Cérebro e crença", disse: "Pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas porque têm mais talento para racionalizar suas crenças por motivos nada inteligentes".

Por necessidade de proteção intelectual, por exemplo, o indivíduo busca argumentos que possam fortalecer sua tese, independentemente de serem ou não razoáveis. O malandro tem consciência, ainda que intuitiva, dessa característica humana, e se vale dessas lacunas analíticas para atingir seus objetivos. Possuem esses desviados da honestidade um poder de sedução que encanta, envolve e persuade com extrema competência. Mesmo que a pessoa queira ser refratária a qualquer investida, sempre terá um ponto vulnerável que poderá transformá-la em presa.

Golpes ocorrem em todas as atividades

Esse é um fenômeno presente não só na vida política, mas também no mundo corporativo. Se assim não o fosse, muitos projetos injustificáveis, que transformaram empresas centenárias em terras arrasadas, não teriam sido implantados. Apresentados com irrepreensíveis dados estatísticos e as mais bem estruturadas projeções, esses planos, aparentemente, não teriam como fracassar. Só depois do tsunami é que se pode perceber suas incontáveis imperfeições.

Não é por outro motivo que integrantes de conselhos das mais importantes organizações se submetem a cursos e treinamentos constantes para aprender a questionar e duvidar das mais brilhantes propostas apresentadas pelos executivos de suas empresas. Mesmo que estejam convencidos de que a ideia seja excelente, por dever de ofício, precisam pelo menos fazer de conta que estão céticos com relação aos dados expostos. E exigem que as informações sejam repetidas de forma mais convincente, abordando novas perspectivas. E, mesmo assim, acabam caindo no canto da sereia.

Como dizia um dos mais renomados economistas da história brasileira, Roberto Campos: "A estatística é como biquíni: mostra tudo, mas esconde o essencial". E aqueles que já estejam propensos a acreditar nas explicações que lhes são apresentadas encontrarão sempre uma boa maneira de justificar suas crenças. Eu me lembro bem da época em que atuava no mercado financeiro. Sempre que uma empresa entrava em recuperação judicial ou ia à falência, as falhas nas análises para concessão do crédito saltavam aos olhos. Mas isso depois da porta arrombada.

Malandro bate à sua porta o tempo todo

No nosso dia a dia não é diferente. Quando entramos na época de final de ano, as notícias de golpes, especialmente no mundo digital, se multiplicam. Vendo de fora, podemos até questionar: como foi que essa pessoa não percebeu que se tratava de uma falcatrua grosseira? Não nos esqueçamos, entretanto, de que os malandros estão muito bem preparados para envolver suas vítimas.

Vamos a um caso que tem se tornado comum. Todos sabem que não se deve dar informações a quem as solicita por telefone, ou por mensagem escrita, especialmente se o pedido for telefônico. Alguém liga dizendo que é de uma instituição financeira, ou de uma empresa de cartão de crédito. Aí já acende a luz amarela —pode ser golpe. Em seguida, ele pergunta se a vítima fez alguma compra de determinado valor em uma cidade próxima. A resposta natural é dizer que não.

Pronto. O enredo para desarmar o incauto já teve início. Para tirar qualquer dúvida de que não se trata de uma armação, o golpista orienta a vítima a ligar para o número que está no verso do cartão e pedir o cancelamento. Opa, parece sério. Afinal, é a vítima quem vai fazer a ligação. Portanto, nada de trapaça. Só que a linha ficou presa com o golpista.

Ligação feita, atende uma pessoa solícita que confirma a tentativa de compra. E diz que está verificando com o Banco Central se há outros cartões envolvidos. E pergunta: o senhor tem cartão de tal bandeira? Se a resposta for positiva, a armadilha está quase concretizada.

Por favor, repita os quatro últimos números do cartão. Depois de obter os dados, o golpista diz que, para garantia do processo, a vítima precisará digitar a senha logo após ouvir o sinal do bipe. Essa informação não poderá ser passada verbalmente para a segurança do próprio cliente.

Superada essa fase, o golpista diz que vão trocar o cartão imediatamente e que o número do telefone celular também está clonado. Como não acreditar? Afinal, foi a vítima que fez a ligação!

Começa o processo de sedução com as orientações do golpista: nós vamos localizar onde a compra clonada foi realizada, e o senhor não poderá voltar a comprar nesse estabelecimento por 30 dias. Se não, correrá o risco de ser clonado novamente. Eu vou acompanhar todo esse processo até o final, fique tranquilo.

Se chegar até aqui, dificilmente escapará

A sua primeira providência será a de cortar o cartão na metade para inutilizá-lo. O que caracteriza o seu cartão é a segunda metade, guarde-a com todo o cuidado. A primeira parte o senhor coloca dentro de um envelope com este código escrito na frente. Para sua segurança, não acrescente nenhuma outra informação no envelope. Retire também o chip do seu celular e coloque junto. Assim que o mensageiro chegar, o nome dele é Fulano da Silva, entregue o envelope a ele e pegue o que ele estiver levando com o novo chip. Amanhã, sem falta, já enviaremos o novo cartão para que não deixe de efetuar suas compras.

Por favor, feche o envelope com cola ou grampo, de preferência com os dois. Aguarde na linha até que ele chegue. É rápido. Assim que o mensageiro estiver na porta da sua casa eu aviso. Para sua segurança, somente o senhor, ou pessoa que me indicar agora, poderá efetuar a troca do envelope. Dessa forma, não haverá nenhum tipo de risco.

Ah, senhor, enquanto aguardamos, quero alertá-lo de que, nessa época de final de ano, os golpes ocorrem com bastante frequência. Por isso, durante as compras, observe bem se o caixa não está copiando o número da sua senha no visor da maquininha, ou se ele não está devolvendo um cartão trocado.

Assim, o tempo passa. Se a vítima não se der conta de que está sofrendo um golpe, terá fornecido para os bandidos todos os seus dados, chip de telefone, parte do cartão que permite fazer compras, etc. Vai arrumar uma encrenca difícil de ser consertada.

E, antes que você possa rir do papel de otário que o nosso personagem hipotético representou, saiba que bandido é bandido, e eles sabem como cooptar suas vítimas. Portanto, todo o cuidado é pouco. Se alguém o procurar, a melhor saída é ligar de um outro aparelho para o gerente da sua conta no banco e pedir ajuda.

Assim é. Tanto na política, quanto na vida corporativa ou nas atividades pessoais do dia a dia, fiquemos atentos. Quando menos nos dermos conta, lá estará um malandro à espreita, para nos seduzir com uma conversa envolvente, que só os vigaristas sabem ter. Promessas de "políticos honestos", propostas de "executivos brilhantes" e xaveco de malandro estão sempre à nossa volta, aguardando um instante de vacilo, e prontos para nos aplicar o conto do vigário. Boas compras nesse final de ano!

Superdicas da semana

  • Desconfie de tudo e de todos
  • Ser desconfiado não significa se transformar em paranoico
  • Na política, o seu melhor amigo hoje poderá ser amanhã seu maior inimigo
  • Feliz é o homem que consegue ter em quem confiar sem reservas

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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