"O Direito de Nascer", 50 anos: memória de um garoto que conheceu os astros
Há 50 anos, no mês de agosto, o povo se acotovelava para garantir um lugar no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Todos estavam ansiosos para participar de um dos mais importantes eventos da teledramaturgia brasileira. Assim como 1,5 milhão de pessoas diante dos cerca de 2 milhões de televisores existentes no país desejavam assistir ao último capítulo da novela “O Direito de Nascer”.
Queriam saber como terminaria a novela que, por mais de oito meses, acompanharam com muito interesse. Desde o início, no dia 7 de dezembro de 1964, até aquele 13 de agosto de 1965, os telespectadores se emocionaram com a história escrita por Felix B. Caignet e adaptada no Brasil por Thalma de Oliveira e Teixeira filho.
A direção da novela foi de Lima Duarte, José Parisi e Henrique Martins. As gravações foram feitas na TV Tupi de São Paulo, e as transmissões, em São Paulo, também pela TV Tupi, em Belo Horizonte, pela TV Itacolomi e, no Rio, pela TV Rio.
Especialmente no interior, pouca gente tinha televisor. Eu me lembro de que, em Araraquara, no Estado de São Paulo, onde eu morava, todas as noites, depois das 21h, homens e mulheres saiam de suas casas carregando uma cadeira para ir até um vizinho, dos poucos no bairro que podiam se dar ao luxo de ter em casa um aparelho de TV.
Chegavam, se acomodavam em um canto da sala e, com outras vinte e tantas pessoas, aguardavam a música tema cantada por Morgana,“Amor Eterno”, que indicava o início do novo capítulo, pontualmente às 21h30. Quem não levava cadeira tinha de ficar em pé ou se sentar no chão. Assim que terminava o episódio da noite, conversavam um pouco, pegavam a cadeira e retornavam às suas casas.
Dia após dia, de segunda a sexta-feira, até o último dos 160 capítulos, ficavam na expectativa de que mamãe Dolores, vivida pela atriz Isaura Bruno, pudesse revelar para Albertinho Limonta, interpretado pelo ator Amilton Fernandes, quem eram seus pais. A história tem início em 1899, em Havana, capital cubana, e se desenrola no princípio do século XX.
O resumo da novela
D. Rafael, homem rico e muito importante, tinha um grande inimigo, D. Ramiro. A filha de D. Rafael, Maria Helena, se apaixona pelo filho do inimigo, Alfredo Martins. Dolores é uma criada negra que facilita os encontros dos dois jovens.
Encontro vai, encontro vem, e Alfredo engravida Maria Helena. Ele não quer que ela tenha o filho, e exige que seja feito um aborto. Como ela se recusa, logo D. Rafael fica sabendo e fecha questão para que os dois se casem. A filha não aceita e decide ter o filho solteira.
A situação fica insustentável. D. Rafael manda a filha e Dolores para uma fazenda. Ao mesmo tempo, determina que seu capanga, Bruno, mate a criança. O menino nasceu e o capanga foi para a fazenda durante a noite para cumprir a ordem. Dolores acorda e, ao perceber a presença de Bruno, atira nele. Diante daquela tragédia, a criada foge com a criança.
Assim que Maria Helena acorda, fica sabendo pelo pai que Dolores fugiu com o menino. Atordoada com a notícia, ela retorna a Havana. Passado um tempo, conhece um bom rapaz, Jorge Luís. Só que, ao contar a ele o que ocorrera com ela, Jorge resolve se casar com Emília, de quem estava noivo.
D. Rafael, sempre com atitudes extremas, leva a filha para viver num convento. O tempo passa e, dez anos mais tarde, Dolores e o menino Albertinho vivem como se fossem mãe e filho. Por ser negra e ele branco, as pessoas não acreditam na história.
D. Rafael, sempre ele, descobre onde estão os dois. Mais uma vez, Dolores foge com Albertinho para Havana com intenção de protegê-lo do avô. Ali se encontram com Jorge Luís. Supondo que Albertinho seja filho de Maria Helena, que vive no convento como freira, Jorge Luís custeia os estudos do jovem, que se forma em medicina.
O destino prega uma peça. D. Rafael fica muito doente e, para sobreviver, necessita urgentemente de uma transfusão de sangue. Ao saber dessa história por acaso, Albertinho resolve ser o doador. Assim salva a vida do homem que fez de tudo para que ele não vivesse.
O final é feliz. Maria Helena reencontra o filho com ajuda de Jorge Luís. Tudo fica esclarecido. O avô, D. Rafael, pede perdão ao neto. Albertinho se apaixona pela prima, Isabel Cristina, filha da irmã de Maria Helena, e se casa com ela.
Isabel Cristina, nome adotado na vida real por Guy Loup durante algum tempo, tal o sucesso de sua personagem, era linda. Nathalia Timberg, que fez o papel de Maria Helena, e que até hoje encanta os brasileiros nas novelas da TV Globo, era igualmente bonita e esbanjava competência com sua atuação impecável.
Rolando Boldrin, o maior contador de causos do país, teve atuação destacada no papel de Dom Ricardo. Marcos Plonka, também um grande humorista, interpretou Dom Mariano. Além de Meire Nogueira, que se notabilizou como apresentadora.
Conheci os atores ao longo da minha vida
Por que estou me referindo especificamente a esses atores? Essa novela estava marcada para atravessar meu caminho. Oito anos depois do seu encerramento, em 1973, ainda um garotão, já morando em São Paulo e atuando na gerência do Banco Francês e Brasileiro, no bairro de Higienópolis, tive como cliente Nathalia Timberg.
Pelo menos uma ou duas vezes por semana ela visitava a agência para verificar o saldo, fazer uma aplicação financeira, ou simplesmente para conversar um pouco comigo. Eu me beliscava. Era ela, igualzinha àquela que aparecia na novela. Os mesmos olhos. O mesmo ar sereno e seguro.
Mais de 20 anos depois, em 1987, aparece para fazer o curso de oratória comigo nada mais, nada menos, que Guy Loup, a Isabel Cristina. Convivemos durante meses, todas as semanas. E ela, um ídolo da minha adolescência, ali, humildemente, aperfeiçoando sua comunicação comigo.
Conversamos muito sobre a novela. E ela sempre me falava da tristeza de não existir um capítulo sequer preservado. Foi a melhor aluna da sua turma e escolhida pelos colegas para fazer o discurso como oradora. Tornou-se especialista em tarô e astrologia e adotou o nome de Mãe Guy.
Os caminhos continuaram a se cruzar. Mais de 30 anos depois, em dezembro de 2007, fui convidado para participar do “Programa Gente Que Fala”, na Rádio Trianon. E quem foi meu parceiro de debate? Marcos Plonka. Lógico que não perdi a oportunidade de falar com ele sobre a novela que me marcara tanto. Gostou da conversa e me pareceu se emocionar.
E não parou por aí. Um ano depois, em 2008, fui coautor do livro “Pensamento Estratégico para Líderes de Hoje e de Amanhã”. Fizemos o lançamento na livraria Saraiva do Shopping Morumbi. Um dos autores foi o meu querido amigo Cesar Romão, padrinho de casamento de Rolando Boldrin. E lá estava ele participando do lançamento e, em seguida, jantando conosco. Falamos sobre a novela.
E a Meire Nogueira? Descobri alguns anos mais tarde que ela era prima de um tio meu, Sebastião Saes, que morava em um distrito de Araraquara, Bueno de Andrada. Nossos caminhos não se cruzaram, mas não deixa de ser uma curiosidade o fato de ser prima do meu tio.
Quanta coincidência! Por todos esses motivos, os 50 anos do encerramento da novela “O Direito de Nascer” devem ser comemorados com saudade e muita alegria. Por quem viveu aquelas emoções e pelos mais jovens, que só podem conhecer os fatos pelos relatos, mas percebem que foi um momento marcante para aquela geração e determinante para a história das telenovelas brasileiras.
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