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Reinaldo Polito

Tobias Barreto defendeu as mulheres com discurso brilhante há 150 anos

Tobias Barreto foi filósofo, jurista, poeta, político e orador - Domínio público
Tobias Barreto foi filósofo, jurista, poeta, político e orador Imagem: Domínio público

07/06/2016 06h00

Comemora-se o nascimento de Tobias Barreto neste 7 de junho. Nascido em Sergipe no ano de 1839, lá se vão 177 anos. Morreu aos 50 anos de idade, em 1889. Patrono da cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras, tornou-se um importante pensador da nossa história. Foi filósofo, jurista, poeta, político e orador. Como professor, dedicou-se ao ensino de diferentes matérias, como Francês, Latim, História, Retórica, Filosofia e Matemática.

Se ainda hoje as mulheres precisam lutar com a faca nos dentes para ocupar o espaço que merecem, imagine há um século e meio

Entre suas obras, estão os “Discursos”. Dois deles se encaixam com perfeição nos dias de hoje pela atualidade dos seus conceitos. O primeiro, ao defender as mulheres. Observe que estamos falando de um discurso proferido há cerca de 150 anos. Se ainda hoje as mulheres precisam lutar com a faca nos dentes para ocupar o espaço que merecem, imagine suas palavras ecoando há um século e meio!

Muito à frente do seu tempo, Tobias Barreto fez veemente defesa de uma moça que desejava estudar medicina

Muito à frente do seu tempo, em discurso eloquente, Tobias Barreto fez veemente defesa ao pedido de uma moça que desejava estudar medicina. Debatendo com ferrenhos adversários, o pensador sergipano usou todo seu talento para que a sua causa fosse vencedora. Fez uso da ironia e do conhecimento histórico e científico para reforçar ainda mais sua linha de argumentação.

O jurista se valeu de um recurso excepcional da comunicação para sustentar sua tese em defesa das mulheres

Vale a pena observar alguns trechos dessa obra prima da oratória. Antes de alinhavar seus argumentos que transitaram por questões filosóficas e científicas, o jurista se valeu de um recurso excepcional da comunicação para sustentar sua tese em defesa das mulheres. Contou uma história curiosa, curta e muito bem contextualizada.

Com esse artifício oratório, conquistou a atenção dos ouvintes e tornou seu discurso mais atraente e instigante. A história tem como pano de fundo a crença de algumas pessoas em certas teorias que as cegam diante da realidade. Foi o recurso que encontrou para mostrar que os oponentes não conseguiam enxergar a verdade que estava diante de seus olhos. A história usada como ilustração é interessante:

“Sr. Presidente, permita-me V.Exª. que eu conte uma pequena história. Há cerca de 25 anos, existiu na capital da Bahia um velho filólogo, latinista e helenista, a quem uma vez ocorreu a lembrança de tentar provar, por meio da álgebra, que a alma humana é imortal. Firme nesse propósito, meteu mãos à obra, estabelecendo a sua equação com o componente X.

"Depois de muito suar e lidar, achou enfim o que queria, ficando ufano e contentíssimo da sua descoberta; e morreu convicto de ter com efeito demonstrado a imortalidade da alma –algebricamente! É preciso todo o sério, que inspira o espetáculo dos túmulos, para conter o riso diante de tal tentativa. Diante dessa espécie de engano filosófico de um pobre espírito que assim se finou na graça de Deus e da madre igreja, com cheiro de idiotismo."

Após despertar a curiosidade dos ouvintes para o que seria deduzido da história, aplicou o ensinamento à defesa que fazia da mulher que pretendia ingressar nos estudos da medicina:

“Ora, a essa classe de demonstração, pertence àquela que se julga feita – filosoficamente--, com o fito de deixar claro que a mulher é incapaz de compartilhar com o homem de todos os esforços e todos os proventos da civilização e do progresso...”

E assim vai o ilustre patrono da ABL alinhavando sua teoria. Neste trecho, ele usa com perfeição o recurso do dilema (um argumento que contém duas proposições contrárias, que se tornam condicionais e se juntam para chegar à conclusão pretendida):

O nobre deputado pôs o seu talento a serviço de uma causa má, porque importa a sustentação de uma teoria atrasada

Tobias Barreto

“O nobre deputado, a quem aprouve dar à presente questão uma cor, que não se fazia aqui precisa, e chamá-la para um terreno, onde ela correu, se ainda não corre o risco de ter uma solução desfavorável à jovem peticionária; o nobre deputado, que pôs o seu talento a serviço de uma causa má, porque importa a sustentação de uma teoria atrasada, permitirá que lhe diga:

"Ou S. Exa. acha-se ao fato de que existe de assentado a respeito da atitude feminina para os estudos médicos, e suficientemente informado sobre as fases que têm atravessado essa questão; ou não se acha. No caso afirmativo, S. Exa. não tem desculpa de haver guardado segredo, de haver escondido o que há de mais novo sobre a matéria, para tomar um ponto de vista inadequado e prejudicar assim a pretensão da impetrante.

"Se ignora, o que duvido, ainda menos desculpável é S. Exa., pois que devendo inteirar-se do verdadeiro estado da questão, e não o fazendo, não pode insistir, como tem insistido, na defesa de sua opinião, que é mal segura, desde que em torno dela não se agrupam fatos comprobatórios e argumentos fornecidos por uma teoria mais vigente.” Touché!

É uma dessas mulheres que nasceram para o estudo, que nasceram para o livro, dotada de uma certa curiosidade científica, que não é comum nos próprios homens

Tobias Barreto

Após discorrer sua defesa em argumentação sólida e muito bem alicerçada, parte para a conclusão – uma espécie de profecia para os tempos que estamos acompanhando:

“(...) Não sei se os meus nobres colegas conhecem a moça de que falo; não sei se têm tido ocasião de apreciar de perto o seu grande talento. Mas, posso afiançar-lhes, e sem exageração, que é um espírito elevado, é uma dessas mulheres que nasceram para o estudo, que nasceram para o livro, dotada de uma certa curiosidade científica, que não é comum nos próprios homens, naqueles mesmos, que se têm na conta de muita elevada ciência”.

Aconselho-vos que desconfieis de todo mundo, até de mim mesmo

Tobias Barreto

E para mostrar como Tobias Barreto enxergava pelas infindáveis brechas do tempo, fala como se estivesse assistindo às agruras do povo brasileiro hoje, que a cada dia é sobressaltado com novas revelações dos malfeitos de políticos em quem até pouco tempo confiaram seu voto.

Um sábio conselho para olhar com desconfiança esses que agora são vistos em reuniões despidos de seus paletós, para terem certeza de que suas conversas não serão gravadas:

"Não vos iludais, senhores. Em assunto de popularidade, de homens dedicados à causa popular, a experiência está feita; e sou tentado a dizer-vos, como o francês H. Beyle: "J'invite à se méfier de tout le monde, même de moi..." (Aconselho-vos que desconfieis de todo mundo, até de mim mesmo). "Confiai somente em vós, que releva levantardes a fronte, nos vossos esforços, que é mister multiplicar, no vosso próprio caráter, que é preciso reformar."

Superdicas da semana

  • Use o dilema como argumento. É um recurso poderoso
  • Uma boa história serve para ilustrar e reforça a linha de argumentação
  • Uma boa causa não tem idade. Às vezes demora, mas acaba prevalecendo
  • Alguns comportamentos humanos não envelhecem. Por isso podemos aprender tanto com a história

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante, e "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva.

Para outras dicas de comunicação, entre no meu site (link encurtado: http://zip.net/bcrS07)
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