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Reinaldo Polito

Eleito, Bolsonaro precisa acertar o passo no processo de comunicação

Mauro Pimentel/AFP
Imagem: Mauro Pimentel/AFP

06/11/2018 10h41

Quando alguém me pergunta se determinado político fala bem, eu respondo com outra pergunta: ele se elegeu? Eu me lembro da época em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) surfava belo e faceiro nos seus inimagináveis 84% de aceitação popular. Sempre aparecia alguém com ar irônico me perguntando se ele falava bem.

Ora, como é possível afirmar que um político que atinge essa popularidade, contando especialmente com a sua oratória, pode ser tachado de péssimo orador? Se o orador consegue convencer ou persuadir os ouvintes com sua capacidade de comunicação, ele é, sim, competente na maneira de se expressar.

Mais ou menos nessa linha, há uma história ocorrida com Ulysses Guimarães. Franklin Martins, na sua obra “Jornalismo político”, diz algo que merece reflexão:

“Não subestime a esperteza de um sujeito só porque ele não fala bonito, não se veste bem ou tem cara inexpressiva. A teoria lombrosiana já caiu em descrédito há muito tempo. Como disse o doutor Ulysses Guimarães um dia, referindo-se aos deputados que lotavam o plenário da Câmara: ‘Aqui não tem bobo. Os bobos ficaram de suplentes’."

Bolsonaro já evoluiu, mas ainda pode melhorar

Jair Bolsonaro (PSL), quase sempre com aquela cara de quem chupou um limão azedo, comendo sílabas e pronunciando duas ou mais palavras como se fossem uma só, não pode ser criticado pelo nível da sua comunicação. Afinal, praticamente sozinho, conseguiu se eleger presidente do Brasil.

Não significa, entretanto, que ele não possa melhorar. Na verdade, já tem evoluído na maneira de se expressar. Se nos lembrarmos de como se comunicava no início da campanha eleitoral e compararmos com a forma como tem se expressado atualmente, vamos constatar uma grande evolução.

Quando era indagado a respeito de questões econômicas, fosse qual fosse o tema, sempre respondia que as matérias econômicas seriam tratadas pelo Paulo Guedes. Repetiu tanto essa resposta que o futuro ministro foi apelidado de “Posto Ipiranga”.

Essa é uma lição elementar de comunicação. A resistência dos ouvintes com relação ao orador ocorre especialmente quando duvidam da sua competência para tratar do tema a que se dispôs a discorrer. Por isso, se existir essa dúvida com relação ao conhecimento do orador, sutilmente aquele que fala em público precisa demonstrar que possui experiência, vivência no assunto da sua apresentação. Mencionar projetos que desenvolveu, tarefas que comandou, empreendimentos que levou à frente nessa área ajuda muito.

Se Bolsonaro dizia que não entendia nada de economia, como poderia merecer credibilidade? De uns tempos para cá, ele acabou com esse "sincericídio" e mudou o discurso. Agora, quando é indagado sobre aspectos relacionados à economia, sua resposta é mais adequada, não o deixa com aquela imagem de incompetente.

Ele enfatiza, por exemplo, que vai se empenhar para fazer todos os ajustes de que a economia precisa e promover o desenvolvimento do país. Diz que o desemprego deve cair, que o PIB (Produto Interno Bruto) precisa crescer, que as relações internacionais precisam ser ampliadas, que o custo Brasil irá descer a níveis competitivos etc.

Em seguida, afirma que a implantação dessas políticas ficará por conta do ministro Paulo Guedes e da sua equipe econômica. Dessa forma, mostra que está inteirado dos problemas econômicos, afasta as possíveis dúvidas das pessoas quanto à sua capacidade para comandar o país e conquista mais credibilidade com a comunicação.

Outro ponto que sofreu alterações na sua maneira de se comunicar: no princípio, Bolsonaro não perdia a oportunidade de fazer brincadeiras. Com o tempo, foi percebendo que, para a liturgia do cargo que pretendia ocupar, essa forma de se expressar, que às vezes rondava a vulgaridade, precisava de reparos.

Provavelmente, o presidente eleito não diria hoje que “deu uma fraquejada e nasceu uma mulher como filha”. É evidente que disse isso de brincadeira, mas na sua posição esse tipo de comportamento não fica bem. Os opositores, tanto os políticos quanto a imprensa, não perderiam a oportunidade de pegar a palavra ao pé da letra e dizer que ele é misógino. Quando, na verdade, se tratava apenas de uma brincadeira --de mau gosto.

São pequenos acertos em sua comunicação que farão uma enorme diferença. Se caprichar um pouco mais na pronúncia das palavras, especialmente as que possuem três sílabas ou mais, mostrará mais segurança e domínio do que está dizendo. Esse aperfeiçoamento pode ser feito com simples exercícios de leitura em voz alta. Não custaria nada também ele recorrer à ajuda de um fonoaudiólogo. Em pouco tempo, poderia resolver o problema.

Desentendimento entre ministros

A exemplo do que ocorreu com o presidente Temer no início do seu governo, Bolsonaro precisa agir rápido para afastar desavenças entre os seus ministros. O presidente Michel Temer teve de fazer ajustes rápidos na comunicação do governo porque seus comandados estavam marchando com passos muito diferentes.

Ainda quando estava no cargo interinamente, teve de cortar as asinhas do ministro da Justiça (hoje ministro do STF) Alexandre de Moraes. Disse o então ministro: “O presidente da República tem essa liberdade constitucional (fazer a indicação do Procurador-Geral da República, ainda que não tenha sido eleito pela categoria). O poder de um Ministério Público é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto”.

Temer foi rápido e censurou o ministro: “Quem escolhe o Procurador-Geral da República, a partir de lista tríplice do Ministério Público Federal, é o presidente da República. O presidente manterá a tradição de escolha de primeiro da lista tríplice para a PGR”. E o assunto morreu por aí.

E para não ficar em apenas em um exemplo do governo Temer, aqui vai outro que chega a ser quase folclórico. O fato ocorreu com o então ministro da Saúde, Ricardo Barros. Falando como se fosse um elefante passeando numa loja de cristais, ele disse: “Vamos ter de repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las”.

Nem foi preciso Temer vir a público para consertar. Eu mesmo disse na época que o próprio ministro da Saúde providenciou a compressa para aquele hematoma: “Eu não tenho nenhuma pretensão de redimensionar o SUS. O que precisamos é capacidade de financiamento para atender suas demandas. Agora, só conseguiremos isso --espaço fiscal para a saúde-- se nós conseguirmos repactuar os gastos que estão sendo excessivos na Previdência". E ficou o dito pelo não dito.

Temer chegou a pensar em deixar por conta de um porta-voz todas as comunicações do governo. Por causa do "tsunami" provocado pela gravação da sua conversa com Joesley Batista, o próprio presidente teve de cuidar da comunicação com a imprensa. Afinal, era caso de vida ou morte.

Vaidade e senso de oportunidade

Os ministros escolhidos por Bolsonaro ainda nem tomaram posse e já começaram a esgrimir. É até compreensível que nesse início, por causa do poder, a vaidade fale um pouco mais alto e ocorra certo deslumbramento. Alguns perdem o senso de oportunidade e metem os pés pelas mãos.

Tudo, entretanto, tem um limite. Uma coisa é brigar entre muros. Outra, diferente, é sair metendo a boca no trombone. O caso ocorrido recentemente é um bom exemplo de discussões desnecessárias. Paulo Guedes, o homem forte da economia no futuro governo, o famoso “Posto Ipiranga”, deu um puxão de orelhas em Onyx Lorenzoni, que vai ocupar a chefia da Casa Civil.

Lorenzoni disse que não havia pressa em fazer a reforma da Previdência. Essa informação bateu de frente com o mercado, que não reagiu muito bem. Deu pitacos também sobre a banda cambial. Paulo Guedes foi na jugular: “Houve gente falando que não tem pressa de fazer a reforma da Previdência. Onyx falou de banda cambial. Aí o mercado cai. É um político falando de economia. É a mesma coisa que eu sair falando de política. Não dá certo”.

Logo depois se acertaram, mas deixaram no ar a impressão de que o governo ainda não sabe bem o que deseja. Para corrigir esses desencontros, é preciso muita conversa e uma boa dose de humildade. E a mão firme do presidente.

Ajudaria muito se Bolsonaro já pudesse escalar um porta-voz para falar com a imprensa e o mercado. Alguém com boa formação política, com trânsito livre entre os jornalistas e que fosse respeitado nas fronteiras do próprio governo. Exatamente como fazem as empresas para organizar a gestão de crises. Preparam uma pessoa muito bem qualificada para atender os jornalistas e transmitir a mensagem elaborada com bastante critério e reflexão.

Ainda dá tempo. Tudo está bem no comecinho. Bolsonaro já demonstrou que, apesar de ser durão na maneira de falar, costuma ouvir e, quando percebe que está equivocado, muda de opinião. É o que está ocorrendo, por exemplo, com a unificação do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente. Ouviu aqui e ali e parece que vai mudar de ideia. Vamos acompanhar e aguardar.

Superdicas da semana:

  • Demonstre conhecimento e domínio sobre o tema para ter credibilidade
  • Cite uma frase de alguém respeitado no tema pelos ouvintes
  • O poder produz vaidade e deslumbramento. A humildade é o melhor caminho sempre
  • Diante de oponentes, não se faz brincadeira que possa ser mal interpretada

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; “Vença o medo de falar em público”, “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", “Superdicas para falar bem”, “As melhores decisões não seguem a maioria” e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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