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Reinaldo Polito

Oratória perde um dos seus maiores mestres, o professor Oswaldo Melantonio

Professor Oswaldo Melantonio - Arquivo pessoal
Professor Oswaldo Melantonio Imagem: Arquivo pessoal

27/11/2018 04h00

“Sim, não morrerás! Na terra viverás pelo teu gênio, na memória da tua gente e, porque foste justo e meigo, honesto e piedoso, viverás no céu, no coração de Deus”.

Essas foram as palavras com que Coelho Neto encerrou a homenagem que fez a Olavo Bilac no terceiro aniversário da morte do poeta. Essa mesma mensagem, todavia, caberia com perfeição para nos despedirmos de Oswaldo Melantonio.

Mais importante professor de oratória do país nos 50 anos em que seu curso esteve em atividade, Melantonio morreu na sexta-feira (23), aos 93 anos. Deixou como legado a formação de dezenas de milhares de alunos e inúmeras obras publicadas. Foi o mais importante professor que tive em toda a vida.

Melantonio também foi político. Em 1985, foi candidato a vice-prefeito de São Paulo pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) na chapa encabeçada por Rogê Ferreira. A chapa não chegou a disputar as eleições.

Escritor, teve uma de suas obras, “Comunicação verbal”, publicada pelo IOB em vários módulos, ultrapassando 100 mil exemplares vendidos. Além de ter se notabilizado como professor de oratória, ministrou também aulas de português e história.

Como foi o nosso encontro? Tenho um amigo que sofria muito por causa da timidez. Ele me dizia que gostaria de ser diferente, mais seguro e comunicativo. Procurei um jeito de ajudá-lo e descobri que havia um curso em São Paulo, ministrado pelo professor Oswaldo Melantonio, muito bom para acabar com a inibição das pessoas.

Eu nunca ouvira falar desse tal Melantonio, mas me deram excelentes referências sobre o seu trabalho. Convidei meu amigo para irmos juntos assistir a uma aula de apresentação do curso. Assim, há 43 anos, numa quarta-feira à noite, fomos à rua Bela Cintra conhecer sua escola.

Meu amigo era tão tímido que não teve coragem de ficar. Eu, entretanto, que nunca havia pensado no assunto, fiquei tão empolgado com a aula que resolvi me matricular no curso. O meu entusiasmo pelo tema foi tão profundo que tive dificuldade até para dormir. Não me conformava com o fato de não ter sabido da existência dessa escola antes. As aulas da minha turma eram às quartas, mas eu ia até lá quase todos os dias.

O professor me dizia: Polito, sua turma é às quartas. E eu argumentava: professor, nem preciso participar da aula, só quero ficar aqui no fundo assistindo. Ele, percebendo o brilho nos meus olhos, me convidou para ser seu assistente. E lá permaneci como assistente, e, posteriormente, como professor do curso, por sete anos.

Ele mesmo me incentivou a montar minha própria escola. Dizia que eu era o mais entusiasmado aluno que havia passado pelo seu curso, e que deveria tomar a iniciativa de andar com as próprias pernas. Para não ousar ser seu concorrente, montei as primeiras turmas fora de São Paulo, em São Bernardo do Campo.

Não foram poucas as vezes, todavia, que, por um motivo ou outro, sua esposa me requisitou para substitui-lo em algumas aulas. E eu ia para aquela escola com o coração pleno de felicidade. Era o que eu mais gostava de fazer.

Melantonio me ensinou não apenas a falar em público, mas também, e principalmente, como ensinar as pessoas a se expressarem melhor. Talvez mais importante que as suas aulas tenha sido o seu exemplo, pois a maneira como ele falava já era uma verdadeira aula de comunicação. Punha em prática todos os conceitos que ensinava aos seus alunos.

Era um orador vibrante, eloquente, cheio de vida. Jamais abordava um tema apenas com o objetivo de falar. Tratava de todos os assuntos sempre com muita energia, disposição e incomparável entusiasmo. Até nos momentos em que permanecia em silêncio ele era eloquente.

Em certas ocasiões, depois de suas magníficas aulas, eu comentava com ele como sua apresentação havia sido eloquente. Ele me olhava firme nos olhos e dizia: Polito, nunca se esqueça de falar sempre com “anima e cuore” – com alma e coração. Se nada mais tivesse aprendido com ele, essa aula teria bastado como lema de vida.

Melantonio era o último membro fundador vivo da Academia Paulista de Educação. Foi por sua indicação e árdua defesa que ingressei nessa academia, da qual, alguns anos mais tarde, me tornei presidente. Ele fez o discurso para me recepcionar. Foi um dos momentos mais tocantes da minha vida. Até hoje, aqueles que estavam presentes me dizem que se emocionaram.

Essa era outra alegria: eu passava pela sua casa e o apanhava para irmos juntos às reuniões da academia. E, nesse trajeto de ida e volta, colocávamos os assuntos em dia. Na verdade, eu evitava falar, pois queria mesmo era continuar ouvindo suas histórias.

Quando iniciei a publicação das minhas obras no exterior, fiz questão de tê-lo comigo nessa empreitada. Pedi que fizesse o prefácio dos livros. Nunca nos separamos. Nem nas reuniões da academia nem quando ele participava como paraninfo das turmas do meu curso de oratória nem quando me dava a honra de assistir a uma de minhas aulas.

Certo dia, depois de me visitar, eu o convidei para darmos uma “esticada” e apresentá-lo a um xará seu, Osvaldo Marchesi. Vadão --esse é o apelido do amigo que visitamos--, me disse várias vezes que nunca conheceu uma pessoa tão envolvente. Ficamos lá o dia todo e ninguém se cansou um instante sequer de ouvir suas histórias sedutoras.

Foi indescritível o dia em que fiz uma visita a ele. Melantonio já estava com a saúde bastante debilitada. Seu filho Ricardo me acompanhou numa volta pela biblioteca dele, um imenso acervo com milhares de obras sobre praticamente todos os temas. Ao acaso, pegamos uma de suas pastas com anotações, e lá estava, escrito à mão, o prefácio que fizera para o meu livro.

A cada encontro era um aprendizado. Ele sabia que eu prestava atenção em tudo o que dizia, e, por isso, sempre deixava uma mensagem para minha reflexão. Usava sem economia o nome dos filhos, Cesário, Oswaldo, Ricardo e Mara, para dar exemplos. Às vezes, eu até desconfiava que a história que me contava não havia ocorrido com os filhos. Tinha a sensação de que ele os citava apenas para dar mais cores e temperos ao que falava.

Ele dizia que tinha quatro filhos legítimos e um postiço, espiritual. Este era eu. Só pude conhecer seu filho Cesário no dia do velório, por ele ser diplomata e quase nunca ficar no Brasil. Cesário me disse: Polito, ouço falar de você há mais de 40 anos. Meu pai sempre dizia que você é a continuidade do trabalho dele.

Eu retruquei: Cesário, eu também, da mesma forma, sempre ouvi o professor falar de você. Todas as vezes em que você ocupava uma nova embaixada, ele me contava – agora ele é embaixador no Egito, na Turquia, em Cuba, na Grécia. E comemorava seus feitos: sabe toda essa exportação do Brasil para o Oriente? Tem o dedo do meu filho Cesário. Ele é um desbravador.

Com os outros filhos os contatos eram mais frequentes. Oswaldo Filho é membro do conselho da ONG Via de Acesso, da qual sou presidente. Ricardo, com quem mais converso, é dono de uma renomada banca de advocacia e exerce importante função na ONG Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola). Mara, em determinado momento, quando ele esteve doente, era quem me contava sobre seu estado de saúde.

Outro fato marcante foi quando Melantonio compareceu ao meu casamento. Sem que houvéssemos combinado, pediu ao celebrante que lhe concedesse a palavra e emocionou a todos com mais um eloquente discurso. Ele era assim, por onde passava deixava marcas que jamais seriam apagadas.

Muitos poderiam contar histórias diferentes a respeito do professor Oswaldo Melantonio. Talvez até discorrendo com detalhes mais pormenorizados sobre seu extenso currículo.

Fiz questão, entretanto, de falar dele mostrando um pouco da relação que tivemos e da sua influência na minha vida. Nem sei o que teria sido de mim se não o tivesse conhecido. Tenho certeza de que muitos daqueles que estão lendo este texto irão se ver na mesma situação – tiveram suas vidas pautadas pelo exemplo desse grande mestre.

Para encerrar, vou me valer mais uma vez das palavras de Coelho Neto. Desta feita, o grande escritor falou diante do ataúde de Rui Barbosa. São palavras que eu gostaria de dizer ao querido mestre Oswaldo Melantonio:

“Eu o vi e ouvi, a esse que aí jaz, velado por livros; esse que foi um livro vivo, como os Evangelhos, escrito, todo ele, por Deus, para ser posto no altar da Pátria”.
Em nome de todos os seus alunos e leitores, muito obrigado por tudo o que nos legou, professor Oswaldo Melantonio.

Superdicas da semana:

  • Fale sempre com "anima e cuore" – com alma e coração
  • Tenha sempre um bom exemplo em que possa se espelhar
  • Acredite numa causa relevante e se dedique de corpo e alma a ela
  • Agradeça sempre às pessoas que foram importantes na sua vida

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", “Oratória para advogados”, "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.

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