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Reinaldo Polito

Você ainda briga por causa dos políticos? É possível conversar sem agressão

02/04/2019 04h00

Bolsonarista? Você é fascista, nazista, ditador!

Petista? Você é ladrão, comunista, incompetente!

Quantas vezes já ouvimos esses xingamentos de lado a lado! E dentro da própria família, ou no círculo dos amigos mais queridos. As pessoas se expressam de maneira raivosa, agressiva e irrefletida. Em certas circunstâncias, aqueles que eram tão caros no relacionamento de longa data se afastam com sentimento de rancor e não retornam mais ao convívio.

Já tive a oportunidade de tratar aqui deste tema, mas os debates políticos tomaram rumos tão incontroláveis que julguei oportuno trazer o assunto novamente para a nossa reflexão. Os defensores da esquerda agridem porque se sentem injustiçados pela derrota nas urnas. Os da direita porque não se conformam com o fato de ter alguém ainda com a "petulância" de fazer a defesa daqueles que, segundo eles, quebraram o país.

De maneira geral, as conversas começam em tom cordial, ameno, como se fossem uma simples troca de ideias. Com o passar do tempo um dos interlocutores fala mais alto, para dar ênfase às suas ideias. O outro se sente ofendido e responde com volume mais elevado. Pronto, a encrenca já está armada. E como alerta o dito popular: em discussão sobre política quem perde primeiro é a razão.

Sem contar as redes sociais. Como as pessoas não ficam frente a frente, acham que as palavras escritas não provocarão ressentimentos. O efeito, porém, pode ser o mesmo que ocorre com a comunicação tête-à-tête, e em certas circunstâncias ainda pior, pois o texto fica lá, guardado, para que se recordem das agressões recebidas. E mesmo depois de muito tempo, sempre que a mensagem for lida dará a impressão de que a provocação acabou de ocorrer.

Por isso, vale a pena ponderarmos se vale mesmo a pena entrar numa contenda política. Não que não se possa conversar a respeito de temas políticos, já que esse assunto é instigante e até sedutor. Quando, entretanto, a boa conversa se transforma em confronto, é hora de tirar o time de campo.

É claro que, se não concordar com o interlocutor, não irá se despersonalizar dizendo que está de acordo. Talvez uma boa solução seja a de ficar calado, ouvir sem discordar, e na primeira oportunidade mudar o rumo da conversa. Se perceber que ele insiste na discussão, a melhor alternativa, provavelmente, será a de dar uma desculpa e se afastar.

A melhor aula que recebi sobre civilidade política foi ministrada na prática por aquele que sempre considerei o melhor orador que tive a felicidade de conhecer, Blota Júnior. Blota não só foi o melhor orador como também o mais competente apresentador da história da televisão brasileira. Junto com sua esposa Sonia Ribeiro apresentou os inesquecíveis festivais da MPB dos anos 1960, promovidos pela TV Record.

Certa vez, eu o convidei para participar de uma das formaturas do nosso curso de Expressão Verbal. Compôs a mesa de honra com ele o deputado Fernando Mauro Pires Rocha, líder do PTB em São Paulo e dono do Hospital Alvorada. Os dois haviam sido ferrenhos adversários políticos, pois disputavam causas antagônicas. Veja como Blota Júnior se referiu ao seu adversário de tantos embates:

Áudio com discurso de Blota Júnior:

"Estar presente nesta solenidade, ao lado do meu querido companheiro de lutas Fernando Mauro Pires Rocha, é motivo de grande alegria. Fernando Mauro sempre esteve nas trincheiras adversárias e mesmo assim, com a força democrática da comunicação, nós conseguimos, ao longo de 30 anos de vida pública, jamais estarmos no mesmo partido, jamais estarmos na mesma bancada e jamais deixarmos de ser amigos".

Após falar desse relacionamento, Blota Júnior revela as qualidades do adversário:

"Fernando Mauro merece o nosso alto respeito; pela sua fibra intangível; pela fé extraordinária do seu coração; pela força com que assoma à tribuna, quando, então, esta personalidade viva e esfuziante se transfigura e, lá do alto, traz a caudal de todos os seus pensamentos, e torna-se difícil enfrentá-lo".

E agora o momento sublime do discurso de Blota. A aula que devemos absorver e avaliar com todo o cuidado sempre que desejarmos falar de um adversário:

"E tantas vezes nos enfrentamos e nos defrontamos, que, hoje, podemos abraçar-nos, na certeza do dever cumprido; demonstrando assim que o dom da palavra deve ser cultivado, pois somente falando a linguagem da verdade, somente falando a linguagem da pureza dos nossos corações, podemos manter intactos os valores humanos e podemos ser amigos, embora adversários ao longo da carreira política".

Já li esse discurso em aula, nas palestras e no silêncio do aconchego do meu lar uma infinidade de vezes. Sempre me emociono. Não só pela saudade dos queridos amigos Blota e Fernando Mauro, mas também dos mestres que deixaram um legado tão precioso para todas as gerações.

Esse é, portanto, um excelente exemplo para a nossa reflexão: será que convém, por causa de diferenças políticas, transformar amigos e conhecidos, por quem temos tanto apreço, em desafetos? Pensemos nas conversas que tivemos nos últimos tempos. Avaliemos como temos nos comportado. E, principalmente, se poderíamos ter agido de maneira mais amistosa e cordata.

Superdicas da semana:

  • Nem todo adversário é necessariamente um inimigo
  • Adversários de hoje poderão ser grandes aliados amanhã
  • Diferenças políticas são normais
  • Devemos evitar confrontos políticos, especialmente com as pessoas de relacionamento próximo

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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