Tchutchuca é a mãe! Você reagiria a uma ofensa como fez Paulo Guedes?
Paulo Guedes visitou a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), da Câmara dos Deputados, e protagonizou juntamente com o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) um dos episódios mais dramáticos e insólitos dos debates políticos brasileiros. Após mais de seis horas respondendo às perguntas dos deputados, cansado por ter de enfrentar o ataque cerrado da oposição, o ministro da Economia não se conteve e partiu para o revide.
Zeca Dirceu atacou o ministro de forma desrespeitosa e ofensiva: "Eu estou vendo, ministro, que o senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidades. O senhor é tigrão com os agricultores, com os professores, mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país".
Paulo Guedes não conseguiu ouvir calado essas grosserias do deputado. E mesmo com o microfone desligado foi possível ouvir claramente seu revide: "Eu não vim aqui para ser desrespeitado, não. Tchutchuca é a mãe, é a vó, sua família. Respeita as pessoas. Isso é ofensa. Eu respeito quem me respeita. Se você não me respeita, não merece o meu respeito". Pronto, a confusão já estava armada. Depois desse entrevero não havia mais condições de diálogo.
Passados alguns dias já dá para refletir melhor sobre as consequências desse bate-boca. Os convertidos, tanto da direita quanto da esquerda, julgam que o seu representante estava com a razão. José Dirceu, pai de Zeca Dirceu, deu razão ao filho. Os amigos de Paulo Guedes tomaram as dores e disseram que o ministro não podia aguentar essas ofensas calado. Afinal, ele não tem sangue de barata.
Por outro lado, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, com quem Guedes tem excelente relacionamento, não gostou nada do que ocorreu. Ele disse temer que as conversas do ministro com a Câmara sejam prejudicadas, pois Guedes tem sido um bom interlocutor com os deputados. Tentando amenizar, Maia pondera que o ministro não está acostumado com essa política, em que ocorrem provocação e críticas mais contundentes.
Embora Zeca Dirceu tenha sido criticado pela maneira rude como tratou o ministro, foi o menos prejudicado com o fato. O seu objetivo foi claramente o de desestabilizar o oponente. E conseguiu. Como Paulo Guedes é firme em suas teses, e se torna quase impossível derrotá-lo no campo da argumentação, a única forma de quebrar sua linha de raciocínio era deixá-lo abalado emocionalmente. Vários deputados da oposição haviam tentado sem êxito. Zeca Dirceu conseguiu seu intento.
Paulo Guedes, embora tenha interrompido suas explicações a respeito da reforma da Previdência, conseguiu tratar dos pontos mais relevantes da sua proposta. Os que não queriam concordar com ele de jeito nenhum continuaram não concordando. Os que já estavam de acordo mantiveram suas posições favoráveis. E os que talvez tivessem dúvidas puderam fazer as avaliações que desejavam.
O ministro teve um momento de lucidez nos instantes mais intensos da troca de insultos. Disse que não tinha ido ali para ser desrespeitado. Sugeriu que o oponente faltou com o respeito e que ele apenas revidou às ofensas recebidas. Dessa forma, revelou sua indignação, colocou a culpa no adversário, deixou claro que apenas se defendeu e justificou sua atitude.
Essas discussões políticas não são nenhuma novidade. No passado, entretanto, como não havia redes sociais, tudo era esquecido com mais facilidade. O primeiro desentendimento agressivo com os primeiros passos de liberdade concedidos pelos militares ocorreu em 22 de março de 1982. Era o primeiro debate político depois que os militares haviam tomado o poder.
Dois adversários candidatos ao governo de São Paulo eram Franco Montoro e Reynaldo de Barros. O debate foi realizado no programa de Ferreira Neto, que se dedicava aos assuntos políticos. Por incrível que pareça, o embate ocorreu na TVS, pertencente a Silvio Santos, que depois se transformaria em SBT. Como sabemos, o homem do baú nunca foi muito chegado a confusões políticas.
Nesse debate, lá pelas tantas, Franco Montoro perde a paciência com Reynaldo de Barros e fala de maneira exaltada: "Cale a boca". Até hoje essa agressão de um político que era considerado conciliador e ponderado em suas manifestações é lembrada quando o assunto é debate político. Essa expressão "cale a boca", sabemos, hoje seria uma ofensa ainda mais grave.
O mesmo Paulo Guedes quando esteve no Senado há poucos dias, ao ser interrompido no meio de sua exposição pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO), disse: "Posso continuar?" A senadora, o presidente da mesa e muitos senadores se revoltaram dizendo que o ministro havia mandado Kátia Abreu calar a boca.
Guedes teve a tranquilidade de explicar com paciência que só havia perguntado se poderia continuar falando, mas nunca disse para ela calar a boca. Se isso tivesse realmente acontecido, o ministro teria arrumado uma confusão quase insolúvel. Mesmo não tendo agredido a senadora com essas palavras, a oposição continuou insistindo que ele a havia desrespeitado.
Na vida corporativa, vez ou outra, surgem discussões acaloradas. Os mais nervosos chegam a agredir o interlocutor e, em certas circunstâncias, partem para o confronto verbal. Nesses momentos, os argumentos ponderados dão lugar aos xingamentos e viram briga de arquibancada.
O ponto a ser discutido é este: afinal, como deve reagir aquele que é ofendido verbalmente numa discussão com seus pares ou nas reuniões onde participam representantes de empresas que atuam no mesmo setor? E no caso do ministro Paulo Guedes, ele poderia ter agido de forma diferente?
Bem, tanto eu como você estamos em situação privilegiada, assistindo e analisando de camarote essa balbúrdia toda. No olho do furacão, com o sangue fervendo nas veias e querendo sair pelos olhos, a situação já é mais complicada. Quantos que criticaram o comportamento do ministro Paulo Guedes não conseguem engolir desaforos dentro da própria casa, nas discussões com o marido, a mulher, os filhos e outras pessoas queridas.
Dentro da arena política, todavia, para levar desaforo para casa é preciso ter o espírito e preparo de um monge. Mesmo sabendo que a dificuldade é muito grande, temos de resistir a essa pressão e conter os ímpetos, pois, quase sempre, quem reage de forma intempestiva se arrepende. E dependendo do fato, não tem como consertar os estragos.
A melhor maneira de nos comportarmos bem é imaginar com antecedência todos os ataques possíveis e nos concentrar para saber qual a melhor resposta para esse momento. Sabendo que a agressão poderia ocorrer, conseguiríamos ouvir com mais paciência e tranquilidade, e assim teríamos a atitude mais adequada para a circunstância.
O ministro Paulo Guedes disse que foi alertado para os ataques que receberia e se preparou para as agressões. Só não imaginou que seria na dimensão que foi. As ofensas superaram todas as previsões. Não foram apenas ataques às suas ideias; ele se sentiu desrespeitado pessoalmente. Sem contar que, a cada torpedo que recebia ao longo daquelas seis horas e tanto, suas resistências iam definhando.
Quando preparo um aluno para participar de debates políticos, procuro desestabilizá-lo de todas as maneiras. Falo alto, invento fatos, desdenho, xingo de mentiroso. Alguns perdem o controle e reagem me contestando indignados. Nesse momento, interrompo o treinamento e explico que, se ele não consegue suportar esses ataques, sabendo que se trata de uma simulação, diante do adversário não terá chances. Retomamos, então, até que ele crie casca dura e não reaja mais de maneira irrefletida.
Nos anos 1980, a seleção de voleibol da Rússia era um time quase imbatível. Até hoje comemoramos a vitória do Brasil sobre aquele escrete por 3 a 2. Era o surgimento de Bernard com seu impressionante saque jornada nas estrelas. Os russos sabiam que todos os times queriam derrotá-los, pois era a seleção a ser batida. Por isso, faziam os treinamentos com o som de gravação de vaias de torcidas adversárias no último volume. Dessa forma, não se abalavam quando precisavam jogar fora de casa.
A melhor atitude que poderíamos ter ao receber um ataque é não reagirmos emocionalmente. Quando somos agredidos, fazemos o papel de vítimas, e as pessoas ficam solidárias a nós. Quando reagimos emocionalmente, muitas vezes passamos a ser vistos como agressores e podemos perder essa solidariedade. A não ser, evidentemente, que nos ataquem moralmente. Aí não há como conciliar. Se alguém disser "você é um ladrão", não iríamos tentar contemporizar. Nesse caso, o mínimo que se espera é que o ofendido revide e diga até que irá processar o agressor.
No caso de Paulo Guedes, se tivesse mantido ainda mais a calma, poderia ter reagido com alguma ironia leve, pois estaria se defendendo, sem partir para a agressão ostensiva. Poderia ter dito, por exemplo, que já ouvira muitas tentativas de ataque, mas essa tal de tchutchuca era a primeira vez. Se o oponente tentasse insistir, dizendo que ele estava brincando com coisa séria, poderia ainda responder que não conseguia ver seriedade num argumento como esse.
Devo dizer, entretanto, que ensinar é fácil. A teoria é simples de ser aplicada no papel. Quero ver, entretanto, ter essa tranquilidade ali naquele caldeirão fumegante, como o vivenciado por Paulo Guedes. O tom de voz desdenhoso ou agressivo, o semblante debochado ou raivoso, as palavras com duplo sentido ou malévolas. Todos esses fatores podem provocar o sentimento de revolta, raiva ou indignação. Reações difíceis de refrear.
Por isso, esse tem de ser o aprendizado de uma vida inteira. A cada momento de destempero, intencionalmente provocado ou não, devemos parar e refletir como poderíamos ter agido para alcançar melhores resultados. Só assim aprenderemos. Não há receita mágica. Tenho certeza de que, com essas duas experiências no Senado e na Câmara dos Deputados, Paulo Guedes já não é a mesma pessoa.
Agressões, ofensas, sarcasmos e ironias nem sempre finas poderão ocorrer. A grande questão é como podemos tentar evitar que elas nos desestabilizem. Essa reflexão certamente nos ajudará a conquistar bons resultados, no controle maior de uma interação com pessoas que sejam inamistosas ou até mesmo mal-intencionadas, com agenda escondida.
Superdicas da semana:
- Se for agredido verbalmente, faça o possível para manter a calma
- Se for acusado de desvios morais, defenda-se com veemência
- A ironia é uma boa forma de se defender de uma agressão verbal
- Algumas pessoas agridem mais com sussurros que com gritos
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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