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Reinaldo Polito

Dicas para dar uma resposta que nocauteie seu interlocutor, como Mourão fez

"O general Geisel não foi eleito. Eu fui"

Band News

10/04/2019 14h23

Talvez não exista habilidade mais admirável na comunicação que a presença de espírito, especialmente de oradores que precisam raciocinar rápido diante de opositores. Aquele que consegue rebater com uma tirada rápida um ataque verbal demonstra inteligência, preparo e raciocínio pronto.

Essa qualidade é extremamente útil para encontrar respostas adequadas no calor dos debates, ou na pressão das entrevistas. Além desses momentos mais delicados, a pessoa espirituosa normalmente torna as conversas mais agradáveis e instigantes.

Um dos julgamentos mais rumorosos da história do judiciário brasileiro foi o do cantor Lindomar Castilho. Ele havia assassinado a ex-esposa dentro de uma boate na frente de dezenas de pessoas. Nesse julgamento tivemos um dos mais impressionantes exemplos do uso da presença de espírito.

De um lado, como advogado de defesa, estava Waldir Troncoso Peres; de outro, como assistente de acusação, o ex-ministro da Justiça e ex-presidente da Ordem dos Advogados, Márcio Thomaz Bastos. Com poucos argumentos à disposição, Troncoso lançava mão de todos os recursos de que dispunha.

Em determinado momento, querendo mostrar as qualidades benevolentes do acusado, o advogado, com mais ou menos estas palavras, fez a seguinte observação:

"Observem bem, jurados, o que eu vou dizer: o réu deu a ex-esposa uma casa com usufruto vitalício. Repito, com usufruto vitalício".

Thomaz Bastos, sentindo o impacto daquela informação, usou a presença de espírito e a ironia para se defender: "Pena que a vida dela durou tão pouco!". A plateia reagiu com estrondosa gargalhada.

Após todos terem se acalmado com a ameaça do juiz de evacuar o recinto, Troncoso Peres voltou ao ataque: "Me admira Vossa Excelência, que foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que é um advogado brilhante, usar um argumento infeliz como esse. Se for para falar sério, vamos falar sério. Agora, se for para ficar com brincadeira, vou fazer disso um circo... durou muito."

Thomaz Bastos mais uma vez usou a ironia para tentar neutralizar o adversário: "Um ano". Ou seja, ele aproveitou o comentário de Troncoso que disse que a seriedade do debate havia durado muito e fez associação com o tempo de vida da vítima depois de ter recebido a casa.

Troncoso não poderia ficar calado diante desse ataque e partiu para o revide: "Então está insinuando que ele deu a casa na pressuposição de que a mataria depois de um ano? Vossa Excelência é um advogado de grande talento, não fica bem para um profissional do seu gabarito um aparte como esse".

Nunca encontrei um advogado que tivesse conhecido esses dois monstros da oratória que não se lembrasse desse fato. Foi marcante pela capacidade de comunicação e pela rapidez como cada um encontrou ali, no furor do debate, os argumentos de que precisava para defender sua causa.

Os anos se passam, vários oradores demonstram essa rapidez de raciocínio, e agora a história nos presenteia com mais um excelente exemplo dessa perspicácia que marca os grandes comunicadores. Esse fato ocorreu essa semana com o vice-presidente Hamilton Mourão.

Ele mostrou que está com a língua afiada. Foi cirúrgico numa resposta ao participar de evento nos Estados Unidos diante de uma plateia de estudantes da Harvard, do MIT e de empresários que se reuniram para discutir questões relacionadas ao Brasil (Brazil Conference at Harvard & MIT).

Um aluno de PHD de Harvard Fernando Bizarro tentou constranger o general com uma questão capciosa. Iniciou sua indagação estabelecendo uma bem engendrada premissa:

"A percepção de que governar não era tarefa para as Forças Armadas foi uma das razões pelas quais os militares devolveram o poder para os civis em 1985. A historiografia da ditadura militar, por exemplo, demonstra que essa percepção motivou líderes como o general Geisel a iniciar a transição de volta para a democracia para preservar a unidade e a legitimidade das Forças Armadas enquanto instituições do Estado brasileiro".

Após estabelecer as bases de uma premissa que se mostravam quase irrefutáveis, chegou à conclusão de seu raciocínio com um questionamento contundente:

"35 anos depois, o senhor é um general vice-presidente. Há generais como ministros, e as Forças Armadas parecem estar fortemente vinculadas a este governo. Por que as coisas seriam diferentes desta vez?"
E para que não pairassem dúvidas sobre a questão que deveria ser respondida, o interlocutor foi ainda mais incisivo:

"O senhor não teme que a associação das Forças Armadas, que são uma instituição permanente do Estado brasileiro, com um governo que é necessariamente temporário, pode corroer a legitimidade da força (Sic). Por que a lição de Geisel não se aplica ao senhor?"

O orador foi bastante aplaudido pela plateia, que viu na questão levantada uma maneira de encurralar o vice-presidente. Mourão parece ter saboreado aqueles momentos e, depois de uma pausa expressiva, deu uma resposta inesperada que nocauteou as pretensões daquele que queria colocá-lo numa saia justa. Com presença de espírito impressionante deu a seguinte resposta:

- "O general Geisel não foi eleito. Eu fui". Touché!

A plateia inteira se levantou e aplaudiu com entusiasmo e demoradamente o orador. Bastou a Mourão uma única frase para refutar toda a linha de argumentação do interlocutor. Foi uma tirada tão genial que toda a imprensa repercutiu esse momento.

São esses episódios protagonizados por Troncoso Peres, Márcio Thomaz Bastos, Hamilton Mourão e tantos outros que demonstram a precisão, a inteligência e a rapidez de raciocínio do orador que ajudam a escrever as mais belas páginas da história da oratória.

Com certeza, daqui a muitas décadas alguém irá se lembrar desses momentos e os usará como exemplo para que outros oradores possam aprender os requintes dessa maravilhosa arte de falar em público.

E só para finalizar, não poderia deixar de fora esse exemplo incomparável do uso da presença de espírito. Eu e mais 14 palestrantes publicamos um livro "Pensamento estratégico para os líderes de hoje e amanhã", com os direitos autorais cedidos à Unipaz. Fizemos o lançamento na livraria Saraiva do Shopping Morumbi.

Dos 15 autores, dez compareceram. O evento foi muito concorrido. O auditório estava lotado. Cada palestrante pode falar à vontade, sem tempo determinado. Eu tive a sorte de ser o terceiro. Meu amigo Luiz Marins, entretanto, se sentou na cadeira que ficava na extremidade da mesa e foi o último a tomar a palavra.

Cada orador que se apresentava produzia reações curiosas no Marins. Ele fechava os olhos, balançava a cabeça, apertava as mãos. É como se ele dissesse para si mesmo: esse também levou naco do discurso que eu pretendia fazer.

Depois que todos se apresentaram, e, praticamente, esgotaram os temas que poderiam ser abordados, chegou a vez do Luiz Marins. Diante da expectativa dos ouvintes, que haviam acompanhado seus momentos de desalento, ele vivencia um rasgo de grande genialidade.

Olha demoradamente para o público, curte aqueles instantes de apreensão e diz: "Estou me sentindo como o 8º marido da Elizabeth Taylor na noite de núpcias --o que posso fazer hoje para surpreender esta mulher?!". O público reagiu de forma extasiada. Todos se levantaram para aplaudir de pé o orador.

Superdicas da semana:

  • Observe as pessoas espirituosas e tente aprender agir como elas
  • Nos ambientes mais íntimos procure exercitar a presença de espírito
  • Se as suas tiradas espirituosas funcionam com os amigos, aja assim também em outros locais
  • Cuidado para não exagerar, pois o excesso pode levá-lo a ser visto como um bobo da corte

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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