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Reinaldo Polito

Os hackers de Araraquara

30/07/2019 12h45

Sou araraquarense. Recebi o título de Cidadão Benemérito da cidade. Sou membro titular da Academia Araraquarense de Letras. E sou também torcedor fervoroso da Ferroviária, time de grande tradição do futebol paulista. Toda a minha formação antes de entrar na faculdade foi realizada nas escolas de Araraquara. Posso, portanto, falar um pouco de sua história.

Reinaldo Polito - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Reinaldo Polito é torcedor da Ferroviária, time de futebol de Araraquara
Imagem: Arquivo pessoal

Embora Araraquara seja uma das cidades mais importantes do país, com mais de 200 mil habitantes, renomadas universidades e próspera economia, muitas pessoas só haviam ouvido falar a seu respeito assim por alto. Com a descoberta dos hackers que invadiram os meios de comunicação de destacadas autoridades do país, como, por exemplo, os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes, parece que esse município paulista despontou no mapa.

Araraquara tem conquistas invejáveis

Talvez a maioria ainda não saiba que Araraquara já foi considerada a cidade mais limpa das três Américas, um destaque que enche de orgulho todos os seus habitantes. E mais, em 2007, atingiu o primeiro lugar no índice Firjan de desenvolvimento municipal, que anualmente mede o desenvolvimento socioeconômico de todas as cidades brasileiras. O índice avalia três áreas dos mais de 5.000 municípios: emprego e renda, educação e saúde.

Outro acontecimento positivo que merece destaque na história de Araraquara foi a conferência ali proferida em 1960 por Jean-Paul Sartre, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, hoje compondo a Unesp. A apresentação do filósofo foi tão relevante que se transformou em livro bilíngue (português e francês) "Sartre no Brasil: a Conferência de Araraquara".

É de Araraquara também o premiado escritor Ignácio de Loyola Brandão, que recentemente foi eleito para a cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras. Entre suas obras importantes, estão "Não verás país nenhum", "O ganhador" e "A altura e a largura do nada". Foi vencedor dos prêmios São Paulo de Literatura e Jabuti de Contos e Crônicas.

Em época mais ou menos recente, Araraquara mostrou a cara para o país quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República pela primeira vez em 1995. O que chamou a atenção na época é que sua esposa, Ruth Cardoso, que viria a ser considerada por muitos como a mais importante primeira-dama da história, era araraquarense.

Diziam que ela era natural da cidade que tinha as ruas arborizadas com flamboyant, uma espécie originária de Madagascar, na África, e considerada uma das árvores mais bonitas do mundo. Além de ser citada também como uma cidade de ferroviários, quase mais nada foi mencionado naquela oportunidade.

Araraquara também se orgulha de um pioneirismo: foi a primeira cidade do interior de São Paulo a implantar os ônibus elétricos (trólebus). Até há pouco tempo, quando esse meio de transporte ainda se mostrava economicamente interessante, todos os bairros importantes da cidade eram servidos por esses ônibus de excelente qualidade.

A história e as tragédias de Araraquara

A cidade foi marcada também por histórias curiosas e algumas tragédias. Foi fundada por Pedro José Neto, que no início dos anos 1800, condenado por questões políticas, fugiu para os Campos de Araraquara (alguns dizem que essa fuga não passa de lenda). Junto com seus filhos, construiu ali uma capelinha, que foi dedicada a São Bento, padroeiro da cidade.

Agora, a primeira tragédia --que poderia ser engraçada se não fosse trágica. O fundador de Araraquara morreu em consequência de um coice de burro. Veja o que revelam os apontamentos: "Aos dezenove de novembro de mil oitocentos e dezessete, sem sacramento por falecer d'hum coice de burro, faleceu repentinamente Pedro José Netto, de idade mais ou menos sessenta anos, seu corpo envolto em habito de S. Francisco jaz nesta Matriz recomendado, faleceu sem testamento."

Outra e maior tragédia da história araraquarense --o linchamento dos Brito. O fato ocorreu no início do ano de 1897. Houve uma discussão entre Rozendo Brito e o proprietário de uma farmácia, que era protegido de Antonio Joaquim de Carvalho, importante líder político. Por esse motivo Rozendo Brito foi atacado por Carvalho com golpes de bengala. Para se defender, reagiu disparando tiros de revólver, matando o adversário.

O jornalista Rozendo de Souza Brito e seu tio, o boticário Manuel de Souza Brito, foram presos. Durante a madrugada, foram retirados da prisão e linchados com facadas, tiros e pancadas em frente à delegacia. Esse triste episódio marcou a história de Araraquara e até hoje é relatado como um dos casos de maior injustiça de que se tem conhecimento. Um dos cemitérios da cidade leva o nome dos Brito.

E agora aparecem os hackers de Araraquara

E agora surgem os hackers. No último dia 24, Araraquara passou a ser comentada em todas as rodas de conversa. Todos os meios de comunicação do país deram com alarde a notícia de que o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Criminal do Distrito Federal, decretou a prisão temporária de quatro suspeitos de terem invadido criminosamente telefones celulares de autoridades pertencentes ao governo federal, especialmente os que estavam ligados à Operação Lava Jato. Todos os suspeitos são de Araraquara.

Desse momento em diante, os suspeitos pelo crime passaram a ser denominados de "os hackers de Araraquara". Ou seja, foi atribuída a "Araraquara" uma espécie de sobrenome dos suspeitos. Acho que nunca se falou tanto no nome da cidade.

Alguns meios de comunicação zombaram do fato, pois imaginavam serem da Rússia os bandidos invasores, com elevado conhecimento tecnológico e detentores de muito dinheiro para realizar as operações clandestinas. E descobriram no final que se tratava de alguns "caipiras" de Araraquara. Sei que é quase impossível não fazer esse tipo de brincadeira.

Não nos orgulhamos de os bandidos serem araraquarenses, mas temos a satisfação de possuirmos habitantes altamente qualificados em todas as áreas do conhecimento humano. Não só Araraquara como toda a região. São Carlos, que é uma cidade vizinha, cerca de 40 quilômetros de distância, é considerada a capital brasileira da tecnologia.

Bem, talvez não fosse a melhor maneira para projetar o nome da nossa cidade, mas valeu para que pudéssemos falar um pouco sobre a "Morada do Sol" e, quem sabe, motivar mais pessoas a nos conhecer.

Ah, e quando você estiver entrando na cidade, abra os vidros do carro. Ficará surpreso ao descobrir que o cheiro de laranja toma conta do ar. Ali está a Cutrale, um dos maiores produtores mundiais de laranja, suco de laranja e seus subprodutos. Seja bem-vindo a Araraquara. Você ficará encantado com a nossa hospitalidade. E não será hackeado.

Superdicas da semana:

  • Algumas cidades do interior possuem riquezas inimagináveis
  • Certas cidades do interior possuem as melhores universidades do país
  • Um pequeno computador instalado num porão pode mudar a história de um país
  • A inteligência humana não possui endereço fixo. Está em todas as partes

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante; "As Melhores Decisões não Seguem a Maioria", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva; e "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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