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Reinaldo Polito

Trabalhar com prazer é uma das melhores dádivas

Professor Jairo Del Santo Jorge - Arquivo pessoal
Professor Jairo Del Santo Jorge Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

09/09/2020 04h00

De longe, o maior prêmio que a vida oferece é a chance de trabalhar muito e se dedicar a algo que valha a pena. Theodore Roosevelt

Depois de quase 40 anos ensinando oratória, o professor Jairo Del Santo Jorge tomou a iniciativa de se afastar das salas de aula. Deixa um vazio no ensino da comunicação em nosso país. Dificilmente surgirá outro com as suas qualificações. Homem elegante, inteligente, comunicativo e muito bem-humorado. Imagino as dúvidas e até o sofrimento que teve de enfrentar para tomar essa decisão.

Com seus ensinamentos aprimorou a comunicação de aproximadamente 50 mil pessoas. Sua didática sempre foi peculiar e inimitável. Em pouco tempo de conversa, descobria quais eram as dificuldades de seus alunos, fazia um rápido diagnóstico e traçava com precisão os procedimentos para que os problemas fossem contornados.

Jairo foi um parceiro de primeira hora. Numa época em que quase ninguém possuía câmera de vídeo, foi ele quem pediu uma emprestado de um amigo para que pudéssemos gravar as apresentações dos alunos. Como não havia tripé, colocávamos a câmera apoiada sobre uma caixa de papelão. Temos orgulho de lembrar desse início tão difícil, quando só uma força nos motivava - a vontade de ensinar oratória para transformar e melhorar a vida das pessoas.

As câmeras de vídeo possuíam tão pouca sensibilidade que para ministrar cursos fora da nossa escola precisávamos carregar dentro do avião luminárias pesadas com lâmpadas de mil watts. Era uma parafernália, mas que impressionava, pois quase ninguém havia sido gravado na vida. Nunca reclamamos. Fazíamos tudo com muita empolgação e alegria.

Sempre bem-humorado

Jairo fez do humor um dos mais extraordinários recursos pessoais para o ensino da oratória. A forma como brincava com os alunos em sala de aula fazia com que chegassem a se esquecer do medo que os pressionava para falar em público. Quem se postasse fora da sua sala de aula ficaria intrigado, pois teria a curiosidade de saber o que ocorria lá dentro para que todos se manifestassem com tanta alegria.

Jairo sempre permitiu que cada pessoa pudesse aprimorar a própria técnica de comunicação, de maneira natural e bastante espontânea. Seus alunos aprendiam sem saber que estavam aprendendo.

Fizemos centenas de viagens para ministrar cursos em praticamente todos os cantos do país. Tínhamos uma sintonia tão afinada que em diversas ocasiões, devido à característica do grupo de alunos, para que o resultado pudesse ser atingido, mudávamos a sequência do curso sem ao menos precisarmos trocar uma palavra.

Quantas vezes mandei alunos da minha sala para a dele e vice-versa sem precisar explicar o motivo. Quando o aluno chegava já imaginávamos qual a causa daquele encaminhamento. Assim que o problema era resolvido, o aluno retornava para sua sala original, sem ainda precisarmos de nenhuma informação. Trabalhávamos por música.

Só pelo jeito de olhar, de abaixar a cabeça, de respirar, já sabíamos o que estava acontecendo com o grupo de alunos. Um complementava a aula do outro sem interrupções. Entrava um e saía outro como se o mesmo professor continuasse. Se um aluno fizesse uma pergunta para mim, e depois levantasse a mesma questão para ele, ouviria exatamente a mesma resposta.

Obstinados pela perfeição

Só um fato nos entristecia, e muito. Quando pelo menos um aluno não dava nota máxima em algum quesito da avaliação. Tentávamos nos consolar: ah, foi só uma nota. Tem gente que é assim, não gosta de avaliar com um dez em todos os itens. Pouco tempo depois o assunto voltava à tona: mas por que será que ele tirou ponto nesse aspecto? Fizermos tudo no capricho. E em seguida ríamos do nosso rigor espartano.

Por causa dessa nossa obstinação por trabalhos perfeitos, chegamos a conquistar a melhor avaliação feita em toda a história de uma importante empresa, em mais de 50 cursos que ministramos no treinamento de mais de mil alunos. Não poderia existir maior sentido de realização.

Era um artista. Por exemplo, para ensinar como os alunos deveriam aplicar as técnicas para fazer ou agradecer a uma homenagem, o Jairo se vestia de mafioso ou de padre. E com essa caracterização, imitando um ou outro, dava exemplos que eram assimilados com facilidade e jamais esquecidos.

Em quatro décadas nunca chegou um segundo atrasado para os seus compromissos. Rigoroso com seus afazeres, chegava sempre pontualmente no horário combinado e realizava suas tarefas no tempo determinado. Consciente de suas responsabilidades, jamais deixou um trabalho sem concluir.

Bom de papo

Bom de conversa. Nas nossas viagens, geralmente saíamos para jantar depois das aulas que ministrávamos o dia todo. Contávamos os "causos", até mesmo repetidos, como se fossem grandes novidades. Sempre havia um ingrediente ou outro que tornava a história ainda mais interessante. Entendíamos quando o silêncio era necessário. Saíamos e voltávamos, às vezes, sem precisar falar.

Jairo é o exemplo de que um profissional pode permanecer a existência toda desenvolvendo uma atividade pela qual seja apaixonado. Ensinar foi a razão de sua jornada profissional. Fez praticamente a vida toda o que sabia fazer de melhor. Deixou um legado admirável. Transformou a vida de milhares de pessoas que, por terem aperfeiçoado a comunicação, passaram a ser mais felizes.

Deu demonstrações de que é possível num ambiente de trabalho ir além das obrigações profissionais. Tornamo-nos bons amigos. Grandes amigos. Os melhores amigos. Conhecemos os defeitos um do outro, mas principalmente as qualidades que nos fizeram relevar alguns momentos de mau comportamento. Tínhamos consciência de que a história dos bons instantes é que precisava ser considerada.

Quando entro na sala de aula e me lembro de que não estará mais ali sinto um aperto no peito. Não foram quatro dias, nem 40 meses, mas sim 40 anos de convivência diária. Sua imagem sorridente e alegre fazia parte daquele cenário. Já me surpreendi algumas vezes tentando chamá-lo para a sequência de uma aula: "agora vou pedir ao professor Jairo que dê um exemplo, mostrando na prática como essa técnica poderá ser utilizada". Aí me contenho, pois me dou conta de que a aula terá de seguir sem ele.

Resta um consolo - essa é uma amizade que permanecerá. Para sempre. Os seus alunos, entretanto, é que deixarão de contar com sua extraordinária capacidade profissional. Que seja feliz no rumo que resolver tomar na vida. Depois de tantos anos de trabalho e intensa dedicação merece o descanso que procura.

Superdicas da semana

  • Quem faz o que gosta vive com prazer
  • Trabalhar com alegria é uma dádiva
  • É possível ser profissional e amigo ao mesmo tempo
  • Feliz daquele que consegue trabalhar fazendo uso de seu talento

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas" e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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