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Reinaldo Polito

Bolsonaro sofre com a queda de popularidade

Bolsonaro discursa - Reprodução/Presidência da República
Bolsonaro discursa Imagem: Reprodução/Presidência da República

Colunista do UOL

26/01/2021 04h00

Todos os discursos são tolices, quando ditos por pessoas sem brilho; seriam palavras deliciosas se fossem ditos por gente ilustre.
Molière

Nas últimas semanas, os institutos de pesquisas apontaram sensível queda na popularidade de Bolsonaro. Os bolsonaristas rechaçam esses números. Dizem que os institutos têm errado muito em alguns levantamentos que fizeram em épocas recentes. Enquanto isso, os antibolsonaristas aplaudem e se regozijam com essa queda nos números do presidente.

Independentemente da ideologia de cada um, não há como negar que Bolsonaro tem recebido forte bombardeio de diversas frentes oposicionistas. Se não bastassem os partidos de esquerda, entraram nessa cruzada alguns ex-parceiros do presidente. São dissidentes que agora também "pegam em armas" para atacar o chefe do executivo. Sem contar o quase ex-presidente da Câmara dos Deputados e alguns ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Algumas fraquezas

Só para citar alguns fatos que ajudam a minar a imagem de Bolsonaro: a questão do meio ambiente, que continua na pauta das críticas estrangeiras, especialmente dos países europeus; suas inciativas, ou, segundo os críticos mais severos, a falta delas, no combate à pandemia; o iminente fim da ajuda emergencial; seus comentários sobre a ditadura associada aos militares; os embates que se vê obrigado a travar com aqueles que estão de olho nas eleições de 22, como o caso de Doria e Huck. Adversidade é o que não falta.

Até agora eu não disse quem tem razão e quem está errado nessa história. E nem vou dizer. Esses temas não são objeto de análise desta coluna. Para esses estudos você conta aqui com inúmeros especialistas gabaritados.

A política é só pano de fundo

Neste espaço trato de comunicação. A política é só um pano de fundo para que os conceitos da oratória sejam bem compreendidos. É a partir da observação do que ocorre na prática, nos acontecimentos do dia a dia, que conseguimos perceber como a arte de falar em público está sendo bem ou mal aplicada.

A queda ou aumento da popularidade de um presidente estão associados a uma série de fatores, como, por exemplo, a situação econômica do país, o nível de empregabilidade da população, as condições de saúde, educação, moradia e sensação de bem-estar. Ocorre que essas questões são percebidas concretamente pelo povo, lógico, mas também estão afeitas às narrativas, que de uma maneira ou de outra chegam às pessoas.

Água mole em pedra dura...

Ora, se dia após dia alguém alardeia que Bolsonaro não vai bem, uma hora ou outra, independentemente da realidade, começa a se consolidar no espírito da comunidade um sentimento de que ele faz um governo ruim. E, como numa espécie de mantra, sem que haja até consciência, essas informações negativas passam a ser replicadas.

Da mesma forma que a comunicação dos fatos negativos, hipotéticos ou verdadeiros, embarca na narrativa dos opositores, somente essa mesma comunicação serviria como defesa, de antídoto ao que esteja sendo divulgado. Ou seja, para estancar a queda de popularidade, ou alavancar sua aceitação popular, além das atitudes, Bolsonaro depende principalmente da maneira como se expressa.

Reagan foi um mestre da palavra

Ronald Reagan, que presidiu os Estados Unidos por oito anos, foi um mestre na oratória. Em vários momentos em que começava a perder popularidade, ia para a televisão, e com apenas um discurso encantava os norte-americanos com seu charme e sua eloquência, recuperando assim os pontos perdidos nas pesquisas.

Reagan agiu dessa forma o tempo todo em que esteve na presidência. No final dos anos 1980, por exemplo, com apenas um discurso ele surpreendeu o mundo, encantou a população norte-americana e pôs minhoca na cabeça dos russos. No dia 12 de junho de 1987, em frente ao Portão de Brandemburgo, em Berlim Ocidental, Reagan fez um discurso antológico. Observe neste trecho que o final da sua fala não tem mais que uma dúzia de palavras. Elas foram suficientes para que ficasse na história:

Secretário Geral Gorbachev, se você busca a paz, se você busca a prosperidade para a União Soviética e Europa Oriental, se você busca liberalização, venha aqui para este portão. Sr. Gorbachev, abra este portão. Sr. Gorbachev, derrube este muro.

Dizem alguns especialistas que foi graças também a essas palavras de Reagan que pouco tempo mais tarde, em 9 de novembro de 1989, caia definitivamente o muro de Berlim. Não, eu sei que não foi apenas por causa desse discurso que essa barreira que separava irmãos alemães caiu, mas que teve influência teve.

Não são os presidentes que escrevem

Sabemos que não são os presidentes que escrevem seus discursos. Todos contam com redatores excepcionais para produzirem as peças oratórias. Por outro lado, quando eles aceitam a mensagem e a forma como foi redigida, o discurso passa a ser deles. Eles é que receberão os louros pela vitória, ou terão que carregar o peso do insucesso.

Com Bolsonaro esse é um problema de mais difícil solução. Não que, como muitos afirmam, o presidente só fale besteiras. Ao contrário, ele está muito longe disso. O presidente conta com a assessoria de pessoas de elevada competência. Já demonstrou esses acertos em vários de seus discursos.

E mais. Se Bolsonaro acha que tem razão, precisa ser disciplinado, e combater uma a uma todas as acusações que fazem contra ele. Se um argumento contrário não for neutralizado, acaba por servir como troféu para a oposição. Bastará aos adversários repeti-lo insistentemente para que todos os outros pareçam também ter fundamento. Como diz Aristóteles na "Arte retórica":

É mister, pois, desembaraçar o caminho no ânimo do ouvinte, para o discurso que vem a seguir, o que somente será viável refutando os argumentos do adversário.

Bolsonaro não se emenda

Por outro lado, ele não perde oportunidade de dizer, como posso explicar, algumas impropriedades. Ainda que sejam algumas, são suficientes para municiar a oposição. Sempre que usa a palavra em público, a turma fica só aguardando o momento em que cometerá um deslize. E ele "não decepciona", cedo ou tarde solta uma pérola para alegrar a galera adversária.

Bolsonaro não se emenda. Parece que tem prazer em dar bola fora. Continua cometendo os mesmos erros. Ainda que tenha sofrido bastante por causa de algumas brincadeiras desnecessárias, pois já percebeu que alguns pegam o que diz na acepção da palavra, e não nas entrelinhas, ou na mensagem subentendida, prossegue falando o que não deve. Os comentários mais comuns e graves são aqueles com conotação sexual.

Vira e mexe, lá está ele fazendo troças, que se tomadas no sentido literal, e não se pode esperar que a oposição não aja assim, acabam por servir de argumentos aos adversários. Cito as brincadeiras porque são as mais comuns e evidentes, mas o presidente é meio descuidado em toda sorte de temas quando fala em público.

Pois é, para se sustentar, Bolsonaro depende cada vez mais da qualidade da sua comunicação. Se tivesse um pouco mais de juízo, e pensasse antes no que poderia falar, talvez se saísse melhor. Ele não toma essa precaução. Durante uma explanação séria, onde toma todos os cuidados para não se incriminar, já que está na política há décadas, e sabe o que deve ser evitado, não resiste e improvisa, dizendo o que não deveria dizer.

Só para dar ideia da sua habilidade em se expressar, basta dar um exemplo. Todas as vezes em que alardeia o fato de não ter havido corrupção em seu governo, deixa uma porta aberta, ressaltando que um dia até poderá ocorrer, mas que o responsável será exemplarmente punido. Dessa forma, deixa uma saída para se defender de acontecimentos sobre os quais não possui domínio total.

Ainda dá para consertar

Embora não seja simples, não é impossível. Por mais que critiquem sua forma de se expressar, tirando essas inconveniências, sua comunicação, como vimos, tem qualidade pelo menos razoável. Bastaria a ele um pouco de humildade, para, por exemplo, deixar de lado essa vaidade de ser engraçadinho, e se dedicar apenas às mensagens que efetivamente precisariam e poderiam ser externadas.

Só depende dele. Quem sabe ao ver a luz amarela da queda de popularidade piscando cada vez mais forte, ele resolva mudar. Cá entre nós, jamais será ao menos a sombra de um Reagan, mas, dentro de suas limitações, poderá melhorar muito. Para o bem de todos nós que torcemos pelo sucesso do país.

Ah, só lembrando que dois ex-presidentes, Lula e Dilma, também eram useiros e vezeiros em dizer sandices. O primeiro sobreviveu bem até o final do mandato, pois mesmo sendo tolo às vezes na maneira de falar, compensou suas indiscrições de linguagem com a boa situação econômica do país. A última sucumbiu, pois suas escorregadelas oratórias não puderam ser supridas pela economia brasileira. Errou no conteúdo e na forma.

Superdicas da semana

  • Devemos evitar as brincadeiras que possam ser mal interpretadas
  • Um discurso perfeito pode ser destruído por uma frase infeliz
  • No caso de dúvida, o melhor é ficar quieto
  • Devemos falar só o necessário. E olhe lá!

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para advogados", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "Superdicas para escrever uma redação nota 1.000 no ENEM", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Assim é que se Fala", e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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