Capitão, não passes do coturno!
Capacidade de saber cada vez mais sobre cada vez menos, até saber tudo sobre nada.
Millôr Fernandes
Bolsonaro é oito ou oitenta. Há situações em que precisaria demonstrar que possui conhecimento, pelo menos superficial, e se declara ignorante no tema. No outro extremo, mete os pés pelas mãos, e se arvora em especialista nas matérias sobre as quais não possui domínio, muito menos autoridade.
Por exemplo, nos assuntos relacionados à economia. Ele não hesita em pedir que as indagações sejam dirigidas ao seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes. Na sua posição, como chefe do executivo, é de se esperar que esteja preparado para discutir, pelo menos com algumas pinceladas, os aspectos econômicos mais relevantes do país.
Não custaria nada a ele dizer, com mais frequência, que o Brasil precisa diminuir o desemprego, manter a inflação sob controle, aumentar as exportações, não deixar a taxa de juros voltar aos patamares dos anos anteriores. Ou seja, discutir algumas das notícias que rolam no dia a dia nas manchetes dos jornais, revistas, internet e telejornais, demonstrando estar antenado. Nada muito profundo.
Ao mencionar esses pontos, demonstraria que possui controle dessas questões. Em seguida, poderia dizer que a implantação desses programas está sob os cuidados do ministro Paulo Guedes e de sua equipe. Não estaria fazendo comentários inadequados, e, sem riscos, protegendo sua imagem.
Capitão Cloroquina
No outro extremo, enche o peito para receitar remédios que poderão combater a maior epidemia que já assolou o mundo. Também nesse caso seria bastante simples dizer quem são os especialistas que passaram a ele essas informações. Ou será que alguém imagina que é tudo fruto da cabeça dele?
Parece que tem prazer em interpretar o papel de garoto propaganda, e mostrar as caixinhas de cloroquina para todo mundo ver. E quando uma notícia científica passa perto das suas teses, não pensa duas vezes antes de alardear que sempre teve razão. Por isso não foi difícil ganhar o apelido de Capitão Cloroquina.
Portanto, são duas ponderações opostas. A primeira, é que, como presidente, precisaria mostrar que acompanha todos os assuntos relacionados ao país, ainda que mencionasse apenas alguns fundamentos. A segunda, é que deveria se ater aos limites da sua falta de conhecimento. O segredo é descobrir onde se localiza essa fronteira e permanecer nela.
Não passes do calçado
Esta história ajuda a esclarecer bem onde está a linha divisória. Apeles foi o mais importante pintor grego do século IV a.C. Dizem que ele tinha por hábito fazer exposição de seus quadros e se esconder estrategicamente para ouvir os comentários que as pessoas faziam sobre suas obras.
Certa ocasião, ele ficou impressionado com a análise feita por um sapateiro que observava um de seus quadros. As críticas do profissional eram feitas especialmente à forma como as sandálias de uma das personagens haviam sido pintadas. Apeles fez uma autocrítica e concordou que poderia mesmo promover algumas mudanças.
No dia seguinte, o mesmo sapateiro retornou à exposição e apontou defeitos em outros detalhes da pintura, que nada tinham a ver com a sua especialidade. O pintor, irritado, saiu de seu esconderijo e o admoestou, dizendo: "Sapateiro, não passes do calçado".
O risco de ser presunçoso
Esse é um cuidado que todos nós devemos ter: procurar nos ater apenas aos assuntos de nossa especialidade e competência. Quem fala fora de seu campo de atuação será um presunçoso, e suas palavras não conquistarão credibilidade. Por mais competente que seja como orador, sua mensagem dificilmente será aprovada pelos ouvintes.
Se analisarmos bem, as críticas que Bolsonaro recebe geralmente estão relacionadas à sua maneira de se expressar. Talvez esse seja um bom caminho a seguir. Falar pouco e sem tanta profundidade a respeito de todas as questões do país, e deixar para os especialistas as explicações mais apropriadas. Capitão, não passes do coturno!
Superdicas da semana
- Só fale sobre assuntos do seu conhecimento
- Recuse convites para falar de temas fora da sua especialidade
- Quem fala sobre assuntos que não domina é presunçoso
- Ninguém é obrigado a saber de tudo
- Todos podem recorrer a quem tem domínio do tema
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Comunicação a distância", "Oratória para advogados", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas", "Como falar de improviso e outras técnicas de apresentação", "Assim é que se Fala", e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.
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