Por que os ministros do STF divergem em seus julgamentos?
Quantas cabeças, tantas opiniões.
Terêncio
Seja qual for a sua formação ou posição social, em algum momento você já deve ter estranhado algumas decisões dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Votos que no seu ponto de vista seriam claros, acabam dividindo o plenário.
Só para dar um exemplo. No início de dezembro de 2020, os ministros se debruçaram sobre o parágrafo 4º do artigo 57 da Constituição para decidir a respeito da possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado.
Diz a Carta: "vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente". Claro para você? Pois é, suas excelências debateram o tema à exaustão, e no final o resultado que impediu Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre de disputar um novo pleito foi apertadíssimo, seis a cinco.
Estou dando o STF como exemplo porque hoje muitos acompanham mais as decisões dessa Corte que a própria seleção brasileira de futebol. Não é exagero não. Se numa roda de conversa perguntarmos quem são os onze jogadores do selecionado e os onze ministros, a chance de que saibam mais sobre estes é muito maior.
Ocorre em todas as atividades
Essa divergência de julgamento (e julgamento no sentido amplo da palavra) ocorre em praticamente todos os setores da atividade humana. Eu me lembro de quando iniciei a faculdade de Ciências Econômicas. Logo na primeira aula um professor comentou com ironia:
"Se desejam ser economistas, preparem-se para errar nos prognósticos". E complementou: "Por isso, devemos nos ater a uma expressão mágica - ceteris paribus". Ou seja, será assim se todas as outras variáveis permanecerem constantes. E o que não falta é variável "volúvel".
Para não irmos muito longe, podemos nos restringir ao que acontece dentro da nossa casa. Quantas vezes quatro ou cinco membros da família discordam sobre assuntos que, pelo menos à primeira vista, não deveriam apresentar diferença de opiniões.
Por isso até que os bons advogados, sabendo que os juízes podem enxergar as questões por ângulos distintos, e, por esse motivo, tomar decisões imprevisíveis, jamais afirmam aos clientes que a causa será vencedora. Se tudo for favorável, no máximo poderão garantir que há boas chances de sucesso.
Uma obra esclarecedora
Daniel Kahneman, Oliver Sibony e Cass R. Sunstein, na obra "Noise - a flaw in human judgment" (Ruído - uma falha no julgamento humano) mostram os motivos pelos quais há tantas divergências e falhas. Segundo os autores, embora o objetivo final de um julgamento seja a precisão, a perfeição na conquista dessa finalidade nunca é alcançada, mesmo em se tratando de questões científicas.
Eles afirmam que sempre há uma margem para erros, alguns provocados por nossas tendências, parcialidades ou inclinações, e outros por ruídos. Nós nos agarramos rapidamente às impressões que formamos, ainda que fatos ou argumentos contrários refutem nossas certezas.
Outra explicação para os erros que cometemos é que nossas conclusões surgem de prejulgamentos, cuja resposta verdadeira é desconhecida ou incognoscível, muitas vezes sem ter mesmo chance de ser desvendada. Citam como exemplo, as diferenças nos diagnósticos médicos para o mesmo paciente, e as campanhas malsucedidas no lançamento de um filme.
Bakhtin, na obra "Estética da criação verbal", afirma:
A época, o meio social, o micromundo - o da família, dos amigos e conhecidos, dos colegas - que vê o homem crescer e viver, sempre possui seus enunciados que servem de norma, dão o tom: são obras científicas, literárias, ideológicas, nas quais as pessoas se apoiam e às quais se referem, e são citadas, imitadas, servem de inspiração.
Portanto, se existe algo que todos nós precisamos aprender é que a verdade de um não será necessariamente a verdade do outro. Que não podemos criar expectativas ingênuas sobre as decisões que possam nos favorecer, ou, às vezes, até nos prejudicar. O velho ditado "cada cabeça uma sentença" continua cada vez mais atual.
São muitos fatores
Ainda que alguns possam desconfiar das decisões de certos juízes por inclinações ideológicas - e infelizmente, na maioria dos casos, elas existem mesmo - temos de levar em conta que, como seres humanos, esses magistrados também estão sujeitos a inclinações e ruídos que os cercam. E talvez esteja aí o viés que levou esses julgadores a concluir desta ou daquela forma.
Nos nossos relacionamentos sociais, na vida corporativa, na convivência familiar, temos de estar conscientes de que as pessoas tomam decisões quase sempre com a intenção de acertar, mas que parcialidades e ruídos dos mais diversos espectros podem levá-las a conclusões distintas daquelas que poderíamos esperar.
Essa maneira de encarar a vida poderá ser útil para que tenhamos planos alternativos às situações que nos envolvem. E saber que nem sempre uma decisão contrária se baseia em posições antagônicas propositais, mas que são respaldadas em tendências e interferências sobre as quais não temos controle.
Superdicas da semana
- A verdade de um nem sempre é a verdade do outro
- Tendências e ruídos interferem nas nossas decisões
- Convém estar sempre preparado para decisões desfavoráveis
- Até na ciência há divergência de conclusões
- O homem deseja tomar decisões acertadas, mas mesmo assim erra
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta, "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante.
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