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Reinaldo Polito

O pesadelo de Bolsonaro tem nome: Rodrigo

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - Marcos Brandão/Senado Federal
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco Imagem: Marcos Brandão/Senado Federal

Colunista do UOL

24/08/2021 04h00

Ainda que a traição agrade, ao traidor tem-se aversão.
Cervantes

Bolsonaro escapa do capeta e cai no colo do demônio. Durante dois anos viveu num verdadeiro inferno, e comeu o pão que o diabo amassou nas mãos do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Além de segurar na gaveta alguns projetos encaminhados pelo executivo até que caducassem, Maia aproveitava os holofotes, tentava marcar seus tentos, e não perdia oportunidade de criticar o chefe do executivo.

Um exemplo notório nos foi dado na aprovação da Reforma da Previdência. Assim que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o parecer favorável à reforma da Previdência, Maia se dirigiu aos jornalistas que cobriam o evento e procurou de todas as formas minar a imagem de Bolsonaro. Deu todo o crédito da aprovação aos deputados e não poupou críticas ao executivo.

As críticas de Maia

Sem meias palavras acusou o governo de omisso e ao mesmo tempo de autocrático: "A gente precisa que o governo tenha uma base no sistema democrático. Não é o sistema autocrático, onde o governo impõe a sua posição. Nós vivemos numa democracia, e a decisão de hoje reafirma nossa democracia".

No dia seguinte, Bolsonaro falou com a imprensa e não revidou aos ataques que recebera. Ao contrário, fez referências ao comprometimento do presidente da Câmara. Estava consciente de que seus projetos dependeriam da boa vontade de Maia para caminhar naquela casa. Como sabemos, a Constituição de 88 deu poderes demais ao legislativo e de menos ao executivo. A boa técnica da comunicação indica que as palavras devem ser usadas para que o fim pretendido seja alcançado. Por isso, Bolsonaro recolheu as armas.

Perdeu o poder

Rodrigo Maia tinha esperanças de continuar como presidente da Câmara, e por pequena margem de votos não conseguiu no STF (Supremo Tribunal Federal) o direito de voltar a se candidatar. O fato de perder o cargo de presidente, entretanto, não o impediu de continuar fazendo oposição a Bolsonaro. Fora da presidência suas críticas foram ainda mais contundentes.

Por mais que esperneie, porém, suas palavras hoje já não têm o mesmo peso. Perdeu o poder e, consequentemente, as luzes das câmeras. A sua disposição em atacar o governo é tão evidente que foi convidado por Doria, um dos maiores desafetos de Bolsonaro, a participar da equipe de governo de São Paulo.

Até que enfim

Ufa! Deve ter pensado Bolsonaro. Finalmente me livrei desse Rodrigo que durante dois anos foi uma pedra no meu sapato. Vieram as novas eleições para eleger os presidentes da Câmara e do Senado. Depois de tantos dissabores, o chefe do executivo não queria mais correr riscos, e, por isso, apoiou com todos os recursos de que dispunha as candidaturas de Arthur Lira para a presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado. Funcionou, os dois foram vitoriosos.

O que Bolsonaro não sabia é que havia se livrado de um Rodrigo, mas surgia outro, e, ao que tudo indica, talvez um osso mais duro de roer. Depois de fazer os pronunciamentos iniciais, com demonstração de interesse em ajudar o governo a aprovar os projetos importantes para o país, Pacheco começou a mostrar para o que veio. Na primeira oportunidade se curvou à vontade do ministro Barroso e aceitou abrir a CPI da Covid-19, que, como todos sabiam, serviria de palanque aos opositores do presidente.

Se não bastasse essa decisão, mesmo a Comissão não tendo identificado crime de Bolsonaro na gestão das vacinas, concordou em renovar as sessões por mais 90 dias. Além disso, se manifestou contra a aprovação do voto auditável, que era uma forte bandeira do presidente. E agora já disse que não concorda em dar andamento ao pedido de Impeachment que Bolsonaro protocolou na sexta-feira, dia 20, contra o ministro Alexandre de Moraes. Afinal, qual o interesse dele em tomar caminhos distintos aos do presidente?

Intenções ocultas?

Nos últimos tempos tem se tornado evidente sua intenção de se transformar na terceira via para concorrer às eleições de 2022. Sua aproximação com Gilberto Kassab é cada vez mais estreita, e há rumores de que é apenas uma questão de tempo sua afiliação ao PSD. Essa seria a senha de entrada para sua participação na corrida presidencial.

Ainda que não seja ele o candidato, dá todas as indicações de que nunca apoiaria a reeleição de Bolsonaro. O mais certo é que cerre fileiras com algum opositor do presidente. Até há pouco tempo dizíamos que as eleições estavam muito distantes para tocar no assunto. Agora quem não se mexer rápido poderá chegar atrasado.

Uma coisa é certa - Bolsonaro é muito ruinzinho para escolher seus aliados. A todo instante surgem notícias de que ele foi traído por este ou por aquele que estava entre os seus parceiros. Foi assim com Mandetta, com Moro, com Joice, com Frota, com Bebiano e tantos outros. Parece que, antes de vencer os inimigos que estão fora do palácio, precisa derrotar os que costumam frequentar a mesma cozinha.

Superdicas da semana

  • É lícito aprender mesmo com o inimigo - Ovídio
  • Não acendas a fornalha tão quente ao teu inimigo / Que venha a te queimar também - Shakespeare
  • Não há inimigo insignificante - Franklin
  • Há duas categorias de inimigos: o que já foi amigo, e o que é amigo do inimigo - Júlio Camargo

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta.