Assessor de Bolsonaro foi inocentado de suposto gesto racista; está certo?
O juiz é condenado onde o culpado é absolvido.
Publílio Siro
Na época em que Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, fez o gesto que provocou tanta polêmica, foi possível observar um fenômeno bastante curioso: as interpretações se basearam no sentimento de quem era contra ou a favor do governo.
Os governistas se apressaram em dizer que a atitude de Martins não teve absolutamente nada de intencional, e que a interpretação dos oposicionistas estava equivocada e distorcida. Por outro lado, os críticos ao governo foram rápidos em condenar o comportamento do assessor, dizendo que ele havia agido intencionalmente, como supremacista branco.
As acusações
Agora saiu a decisão da justiça. Não foi nenhuma surpresa a conclusão do juiz Marcus Reis Bastos, da 12ª Vara do Distrito Federal, inocentando Filipe Martins das acusações que lhe eram imputadas.
Segundo os críticos, o gesto poderia ter o significado White Power (Poder Branco) - os três dedos esticados formando a letra W, e a ponta do indicador tocando a ponta do polegar, formando um círculo, como se fosse um P. Sem análises profundas, dava para perceber que estavam carregando nas cores para acusá-lo.
Os fatos
Depois de uma observação bastante refletida, há sete meses, quando ocorreu o fato, publiquei aqui nesta coluna as possíveis interpretações do gesto de Martins. Era possível supor que o assessor não incorrera em crime.
Apenas para relembrar, no dia 24 de março deste ano, ele estava acompanhando o chanceler Ernesto Araújo na sessão temática para explicar os esforços do Ministério das Relações Exteriores em obter vacinas contra a Covid-19.
Martins se sentara atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em determinado momento, ao alinhar a lapela do paletó, foi flagrado fazendo um gesto que, segundo senadores da oposição, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), caracterizava uma atitude supremacista, criminosa.
Prevaleceu o bom senso
Foi um alvoroço. O senador oposicionista, muito indignado, pediu que Martins fosse retirado das dependências do Senado e autuado pela Polícia legislativa. O presidente Pacheco foi sensato e adotou atitude equilibrada. Solicitou apenas que o episódio fosse analisado.
Antes de redigir aquele texto, assisti várias vezes ao vídeo com a cena. Procurei também ouvir a opinião de diversos comentaristas políticos. Ponderei os fatos e deixei aqui a minha opinião. Entre os pontos que avaliei, considerei dois deles como bastante relevantes.
O primeiro foi até irônico. Gerson Camarotti, da Globonews, ao fazer severas críticas à atitude de Martins, sem perceber, acabou por repetir exatamente o mesmo gesto. Isto é, no momento em que censurava o comportamento do assessor, inadvertidamente, ao comentar o ocorrido, fez movimento idêntico.
Tudo dentro do contexto
A segunda observação que fiz na análise do episódio foi que, se caçarmos gestos isolados aqui e ali, ninguém ficará imune às críticas. Temos de levar em conta que o gesto não pode ser observado de maneira isolada, mas sim visto a partir de um contexto mais amplo.
Da mesma forma como a palavra retirada de contexto pode não ter significado apropriado, também o gesto descontextualizado dificilmente completará uma mensagem. Assim sendo, as ideias para serem compreendidas no sentido mais exato exigem que tanto as palavras quanto os gestos precisam estar inter-relacionados e em harmonia uns com os outros.
Nenhuma culpa
O próprio juiz, que em junho havia aceitado a denúncia, mudou sua avaliação inicial dizendo agora que não encontrou nos autos nada que apoiasse as ilações da acusação. Afirmou que, em verdade, o Ministério Púbico Federal 'presume' que o denunciado se portou com o fim de exprimir mensagem de supremacia da raça branca sobre as demais.
E complementou esclarecendo que a dita versão tem o mesmo valor probante daquela afirmada pelo Acusado - a de que estava "passando a mão no terno e depois arrumando sua lapela, para remover os vincos" - a saber, nenhum.
Dessa forma, Martins foi considerado inocente, e livre das penas pedidas pela acusação: prisão, multa mínima de R$ 30 mil e perda da função. Uma punição que seria extremamente pesada pela interpretação equivocada de um gesto.
Superdicas da semana
- Nem tudo o que parece ser é
- Para acusar ou defender há que se ter em conta o contexto
- Não há erro mais grave que a injustiça
- Um gesto pode ser tudo, mas também pode ser nada
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela editora Planeta.
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