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Reinaldo Polito

O que há de verdade ou de mentira no relatório da CPI?

Renan Calheiros, relator da CPI - Agência Senado
Renan Calheiros, relator da CPI Imagem: Agência Senado

Colunista do UOL

26/10/2021 04h00

O que tem sido acreditado por todos, e sempre, e em toda a parte, tem toda a probabilidade de ser falso.
Paul Valéry

Após muitos meses de longas sessões - para ser mais exato, cinco meses e 25 dias, a CPI da Covid-19 chega ao fim. O relator Renan Calheiros divulgou o resultado dos depoimentos e interrogatórios. Houve divergência até entre os próprios membros do "G7", grupo da maioria dos integrantes da CPI, composto por senadores de oposição e independentes, que se sentiram traídos com o vazamento das informações para a imprensa antes que os temas mais controversos fossem discutidos entre eles.

Como dizem os autores Kahneman e Sibony em seu livro "Noise: a flaw in Human Judgement" (Ruído: uma falha no julgamento humano), esse é um clássico exemplo de variabilidade em julgamentos que deveriam ter pontos idênticos de convergência. Segundo eles, podem interferir na avaliação algumas variáveis como: o momento em que se faz o julgamento, o humor da pessoa, a sequência dos fatos recentes e ainda vivos na memória, e outros fatores da ocasião.

Enfim, se até entre os interessados em concordar com uma posição única não existiu consenso, dá para imaginar, então, os debates que começam a acontecer. A partir da recepção seletiva das informações, naturalmente, as pessoas têm a tendência de só dar crédito àquelas que corroboram sua forma de pensar, e refutam as que contrariem seus pontos de vista políticos/ideológicos.

A interpretação dos fatos

Como acontece com qualquer fato histórico, dependemos da narração daqueles que o interpretam. E os historiadores, em grande parte dos casos, se basearão na leitura dos dados existentes que, de certa forma, apoiem suas convicções. Quando somos envolvidos pelos acontecimentos que nos rodeiam, corremos o risco de olhar de maneira enviesada para a verdade. Por isso, provavelmente, só saberemos de forma clara o que ocorreu nessa época de pandemia daqui a algumas décadas - e olhe lá!

Pode até parecer exagero, mas algumas verdades esperam por centenas e até milhares de anos para serem desvendadas. Há pouco, por exemplo, os cientistas, a partir do estudo revolucionário do carbono 14, que nos permite saber com exatidão a idade de uma árvore, após estudarem as casas construídas pelos Vikings, descobriram que no ano de 1021 eles já estavam na América - Norte do Canadá. Ou seja, 417 anos antes de Cristóvão Colombo.

As grandes dúvidas

Há fatos, entretanto, que, por teoria da conspiração ou não, perduram para sempre. Um dos mais conhecidos é se William Shakespeare teria ou não realmente produzido as obras creditadas a ele. Não são poucos aqueles que duvidam da sua autoria literária. Personalidades como Orson Welles, Sigmund Freud, Charlie Chaplin e Charles Dickens, depois de 500 anos, não acreditavam na sua existência como escritor. Cito apenas alguns dos descrentes, pois no último século mais de 4,5 mil livros afirmam que ele não existiu.

A maioria dos céticos costuma atribuir a autoria de suas obras a Francis Bacon, ou a Christopher Marlowe. Umberto Eco, em seu livro "A memória vegetal", por exemplo, faz diversas ligações entre Shakespeare e Bacon.

Os argumentos para essa dúvida são incontáveis. Entre eles, o fato de Shakespeare ter iniciado sua vida como escritor aos 23 anos. Não teria com essa idade condições de elaborar tramas tão complexas, valendo-se de um vocabulário com tamanha amplitude. Também, por ele ter deixado um testamento de três páginas, no qual não faz uma única menção aos seus escritos.

São apenas alguns exemplos de que ao longo do tempo surgem narrativas que podem ou não contradizer as verdades tomadas como irrefutáveis. E para ficar apenas nesses exemplos, há ainda a teoria de que Sócrates não teria existido. Embora mencionado por Platão e Xenofonte, seus discípulos, e ironizado por Aristófanes em sua obra "As nuvens", não são poucos os que põem em dúvida se as teorias seriam dele mesmo.

A distância dos fatos

Temos de considerar ainda que os livros e relatos produzidos em determinada época se apoiam muito em perspectivas particulares daqueles que dominam ou tentam influenciar o poder naquele momento. Quando o período começa a se distanciar no tempo e as análises passam a ser produzidas sem a efervescência das circunstâncias que cercam os acontecimentos, "novas verdades" começam a surgir.

Assim sendo, por mais convicções que tenhamos a respeito dos culpados pelas centenas de milhares de mortes provocadas pela pandemia, somente no futuro, um pouco mais isentos das conveniências ou certezas políticas, é que teremos condições de saber se existiram ou não culpados para essa tragédia que presenciamos.

As verdades no futuro?

Talvez nos cheguem informações convincentes esclarecendo que o problema se originou de propósito ou não na China, se houve ou não displicência dos governadores por não terem cancelado na época as grandes festas, como o Carnaval, por exemplo, ou se o governo federal poderia ter tomado decisões diferentes das que tomou.

Pode ser também que a história, distante do embate ideológico, que se apressa sempre em atribuir culpa a este ou aquele adversário político, demonstre que não existiu um único responsável, mas sim a conjugação de vários fatores que não poderiam ter sido controlados para combater a doença. É esperar para ver.

Superdicas da semana

  • Somos envolvidos pelas narrativas do momento
  • É preciso de tempo para saber mais da verdade
  • As conveniências políticas e de poder podem influenciar as interpretações dos fatos
  • Nossas certezas um dia poderão ser contestadas

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como falar corretamente e sem inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar os outros" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 minutos para falar bem em público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.

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