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Reinaldo Polito

O autógrafo que consegui do Pelé num maço de cigarros achado no chão

Pelé e Rui Júlio - Reprodução/Jornal O Imparcial
Pelé e Rui Júlio Imagem: Reprodução/Jornal O Imparcial

Colunista do UOL

29/12/2022 19h23

Perpassei curioso as notícias sobre a morte de Pelé. A maioria exalta os seus maravilhosos gols e cada uma de suas conquistas. Cada tento mais espetacular que o outro. Pensei: o que eu poderia acrescentar a tudo o que está sendo revelado com detalhes saudosos e apaixonantes?

Tive algumas experiências marcantes que jamais escaparam à minha lembrança. Nos anos 1960, ainda menino, morando em Araraquara, não perdia um jogo do Santos contra a Ferroviária. Foram mais de 30 jogos do Peixe com a Locomotiva na Fonte Luminosa.

Escolhia o melhor lugar

Eu não perdia uma partida. Chegava cedo no estádio. Procurava o melhor lugar, com visão perfeita para todos os cantos do campo. E ficava ali, torcendo pela Ferroviária, mas sempre admirando a magia daquele timaço do Santos, especialmente do Rei.

No final do jogo, como era tudo mais ou menos informal, eu corria para a porta do vestiário na expectativa de ver os jogadores subirem no ônibus. Até hoje me lembro do Zito perguntando ao Coutinho: "E o Negão?". E a resposta: "Pegou carona e já foi".

O autógrafo

Em outro momento, tive de improvisar. Para conseguir o autógrafo de Pelé, peguei um maço de cigarros Hollywood que estava no chão, pedi uma caneta emprestada, e, sem atropelos, obtive o autógrafo tão sonhado. Em anos mais recentes, ganhei do Rei uma camisa do Santos, autografada por ele.

Até o pênalti que ele perdeu em Araraquara, seguido de uma tremenda bronca de Coutinho, ficou registrado entre as minhas lembranças. Afinal, o craque não perdia penalidades, com a sua imortal paradinha. Os goleiros sabiam que ele sempre diminuía a corrida para a bola, quase parando, mas mesmo assim não conseguiam defender. Naquela tarde de domingo, porém, ele perdeu.

Meu amigo Rui Júlio

Em um dos jogos contra o Santos, estreou Rui Júlio. Um amigo de infância com quem eu jogava bola no campinho de terra batida. E lá estava ele enfrentando Pelé. Guardo até hoje a foto dos dois. O maior orgulho de ver Júlio naquela partida.

Só para dar ideia do que significavam os jogos entre esses dois times, basta reproduzir o que disse Mário Moraes, um dos maiores comentaristas esportivos do Brasil:

É uma partida em que a bola nunca sobe mais de um centímetro, sempre rolando no chão. É sempre o melhor jogo do campeonato.

Joias do Rei

Tenho um amigo muito querido, Celso de Campos. Escreveu livros maravilhosos, tanto pelo conteúdo quanto pela estética. Uma de suas publicações mais extraordinárias foi "As joias do Rei". Verdadeira obra de arte, com texto e fotos dos objetos mais importantes que pertenceram a Pelé.

Na capa toda preta, como se estivesse flutuando, está a foto da caixa de engraxate com a qual ele faturava uns trocos na Estação Ferroviária de Bauru. Celso dedicou algumas páginas com fotos dessa peça histórica, registrada por todos os ângulos.

O rádio

A caixa de engraxate está no livro logo após as fotos do rádio norte-americano Lafayette. Foi nesse rádio que Pelé, seu pai Dondinho e a família se entristeceram lá em Bauru ouvindo a narração sobre a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950. E foi nesse mesmo aparelho que a família do Rei vibraria com a conquista do Brasil na Suécia em 1958.

Naquela copa, Pelé nasceu para o mundo como um gênio do futebol, com apenas 17 anos. O surgimento daquele que reinaria para sempre nesse esporte. Quanto mais o tempo passava, mais o mundo reverenciava a habilidade, a competência e a maestria do melhor jogador de todos os tempos.

Quando o homenageado homenageia

O livro de Celso traz fotos de documentos, troféus, bolas, flâmulas, camisas. Enfim, todos os objetos e recordações que pertenceram a Pelé. Não existe registro mais completo e detalhado sobre esse tema. No final, O Rei aparece sorridente ao lado do autor. Não é o escritor homenageando o protagonista da obra, mas, exatamente o contrário, quem escreveu o livro é que se sentiu homenageado nesse momento.

Sempre vi esse livro com alegria. Hoje, pela primeira vez, senti um aperto no peito. O sorriso de Pelé já me pareceu distante, como se tivesse ficado apenas no passado. Sei que daqui a algum tempo essa espécie de mágoa desaparecerá. Poderei voltar a reler cada uma de suas páginas com a alegria de ver os objetos de alguém que conheci e admirei durante a vida toda.