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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Lua de mel de Lula com presidente do BC chega ao fim em poucos meses

Presidente Lula (PT) e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Ricardo Stuckert/PR e Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Presidente Lula (PT) e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central Imagem: Ricardo Stuckert/PR e Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

07/02/2023 04h00

Quando todo mundo é corcunda, a bela postura torna-se a monstruosidade.
Balzac

Em setembro de 2022, Lula estava vivendo de dedinhos entrelaçados com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O petista não escondia sua incontida estima. Declarava aos quatro ventos sua admiração por ele. Em entrevista ao SBT, por exemplo, disse, naquela ocasião, que Campos Neto era um "economista competente".

Uau! O neto de Roberto Campos deve ter emoldurado essa manifestação pública daquele que liderava as pesquisas eleitorais ao Palácio do Planalto. Embora os elogios fossem merecidos, nunca se soube das reais intenções do então candidato à presidência da República para se expressar com tamanha simpatia. Há algumas hipóteses que podem ser consideradas:

Os motivos

A primeira, julgar verdadeiramente que ele é bom de serviço. A segunda, fazer um comentário eleitoreiro para conquistar a simpatia do mercado. A terceira, não se dar conta de que lá na frente poderia haver divergências. A quarta, tentar seduzir Campos Neto para que aderisse às suas futuras políticas econômicas.

O encanto se quebrou bem antes do que se imaginava. Se arrependimento matasse, Lula já teria ido dessa para melhor por causa de suas juras de amor. Em entrevista à Rede TV, o primeiro mandatário disse que só esperaria "esse cidadão terminar o mandato" para analisar quais são os resultados do Banco Central independente.

Da água para o vinho

De "economista competente" para "esse cidadão" foi uma guinada de 180 graus na opinião de Lula a respeito do presidente do Banco Central. Pelo que se sabe, Roberto Campos não mudou um milímetro da direção seguida desde a época do governo Bolsonaro. Talvez seja até essa conduta que tenha revoltado o presidente da República.

A autonomia do Banco Central significou uma perda de poder do Executivo. Ao sancionar o projeto que deu asas a essa instituição, Bolsonaro não via riscos para a sua administração. Confiava em Campos Neto. Se não por outros motivos, por ele ser parça do Paulo Guedes. Assim sendo, a política econômica do governo não enfrentaria turbulências.

Pouco foguetório

Essa iniciativa do então presidente, entretanto, parece não ter sido recebida com tapete vermelho. Poucos elogios foram feitos ao projeto. Tanto assim, que, meio entredentes, Bolsonaro resmungou que as pessoas não haviam dado tanta importância à autonomia do Banco Central. Pesando os prós e contras, todavia, o resultado para ele havia sido satisfatório.

Só para recordar de forma bem resumida. A lei que deu autonomia ao Banco Central entrou em vigor no dia 25 de fevereiro de 2021. Estabeleceu mandato fixo de quatro anos, não coincidente com o do presidente da República. O objetivo maior foi o de proteger o órgão das interferências político-partidárias.

Acertou sem saber

Como Bolsonaro imaginava que se reelegeria, ao sancionar esse projeto, atirou em um coelho e acertou dois. Com essa política de gastança desenfreada do atual governo, é o Banco Central que poderá servir de freio para assegurar a estabilidade de preços. Cabe também às decisões de Campos Neto amenizar as flutuações do nível das atividades econômicas e estimular o emprego.

Por isso, Lula se mostra tão indignado. Seus discursos populistas encontram barreiras difíceis de serem superadas. Ainda que alguns deputados e senadores, que se elegeram na esteira bolsonarista, com os olhos gulosos nos cargos que poderiam obter para si, ou seus apadrinhados, nos segundos e terceiros escalões, virem a casaca, a força do Congresso conservador não pode ser desprezada.

As notícias correm

E, se não bastasse esse recado das urnas, tem ainda "esse cidadão" que preside o Banco Central para colocar água no chope. Sem contar que qualquer contorcionismo político será imediatamente trombeteado pelas mídias sociais. Tudo o que fizer à noite, no café da manhã do dia seguinte já terá virado notícia.

Por mais que Lula esteja irritado com Campos Neto, só terá uma saída antes de apeá-lo do cargo - articular para que possam chegar a um bom termo. Agora, uma coisa é articular com suas excelências na Câmara e no Senado, que estão acostumadas com essa boa conversa de pé de escada. Outra, diferente, é tentar cochichar no ouvido daquele que está disposto a manter a economia do país nos trilhos.

Pois é, como o divórcio entre Lula e Campos Neto se torna impossível no momento, que os dois consigam conviver em harmonia republicana. Ainda que seja em quartos separados.

Superdicas da semana

  • Cuidado para não pedir o que não deseja receber
  • O que prejudica ou beneficia um hoje poderá não ser diferente com o outro amanhã
  • Não sendo possível se afastar para vencer o desafeto, tente se aproximar dele
  • Antes de elogiar hoje, pense como soarão suas palavras amanhã

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta. "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo", "Saiba dizer não sem magoar as pessoas" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante.