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Reinaldo Polito

O Senado e o estranhíssimo gasto com telegramas

Telégrafo - Reprodução
Telégrafo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/02/2023 04h00

Antes de passar um telegrama qualquer, não esquecer de passar outro, avisando que o telegrama seguinte não trará más notícias.
Eno Teodoro Wanke

E não é que pegaram alguns senadores mandando mensagens com tambores e fumaça! Pois é, descobriram que há excelências que ainda gastam grana do contribuinte para enviar telegramas. Se você ainda não havia ouvido falar nessa história, deve estar boquiaberto como tantos de nós.

Não que os valores sejam expressivos. Diante do que se gasta por lá, isso não passa de pixuleco de pinga. Só o fato, todavia, de alguém despender um centavo com esse tipo de comunicação parece ser motivo se não de indignação, pelo menos de surpresa.

Como torrar dinheiro com telegrama em plena época de ChatGPT? Com o uso generalizado do e-mail, WhatsApp e tantos outros meios eletrônicos sofisticados, por que raios um senador deveria ter verba para se comunicar assim com seus eleitores?!

Ainda são úteis

Antes de atirá-los na fogueira dos pecadores, façamos algumas considerações. Por incrível que pareça, o telegrama ainda respira nos dias atuais. Certos escritórios de advocacia, por exemplo, utilizam a notificação extrajudicial com aviso de recebimento (AR). Essa prática, todavia, não garante que o beneficiário tenha recebido o documento expedido.

Ele poderá alegar que o envelope estava vazio, ou que o conteúdo era diverso do informado. Portanto, há risco de ser contestado como prova. Por isso, alguns advogados estão preferindo o serviço do telegrama. A notificação é enviada com bastante rapidez, e é possível receber uma cópia com o conteúdo da mensagem e o aviso de recebimento.

Chegará em até 4 horas

Sem contar que o uso do telegrama ainda é bastante estimulado nos Correios. A própria empresa descreve as características do serviço:

Mensagem urgente e confidencial, transmitida eletronicamente, impressa e autoenvelopada sem intermediação humana. Após o devido acondicionamento, o telegrama será entregue no endereço de destino.

Além dessa explicação, os Correios também informam que a correspondência será transmitida rapidamente ao destino:

A mensagem chega em até 4 horas ao destinatário, já que tem tratamento prioritário e é aceito em todo o território nacional.

Chegavam a assustar

Há décadas, quando alguém recebia um telegrama, sabia que a mensagem era importante. Chegava a ficar ansioso e se assustar com a presença do carteiro. Na vida pessoal, eram usados, entre outras finalidades, para informar falecimentos, nascimentos, cumprimentar noivos, aniversariantes, formandos.

Na vida corporativa, entre tantas aplicações, eram úteis para fechar ou cancelar negócios, convidar para reuniões relevantes, avisar que um candidato a determinado cargo fora aprovado ou reprovado. E, infelizmente, alguns avisos de demissão também eram feitos por telegrama.

Para algumas pessoas, receber um telegrama era sinal de distinção. Há notícias de casos em que dependendo da importância de quem enviasse o telegrama, o beneficiário até mandava emoldurá-lo.

Uma distinção

Portanto, dá para imaginar que o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que foi o campeão com os gastos com telegramas, no total de 4,9 mil no último ano, ao enviar uma mensagem por esse meio de comunicação aos seus eleitores de Rondônia proporcionava a eles enorme satisfação.

Ao informar sobre os projetos apresentados, a liberação de verbas e até para cumprimentá-los pelo aniversário, como se fazia antigamente, dá a eles uma prova de distinção. É como se tivesse ido visitá-los pessoalmente. E não se pode duvidar que algumas dessas correspondências talvez estejam conservadas em quadros lá no interior do estado.

Regiões distantes

Outros meios poderiam ser utilizados, mas nessas regiões remotas, não é todo mundo que possui e-mail ou WhatsApp. São pessoas que estão afastadas dos grandes centros e não recebem com frequência atualizações dos acontecimentos recentes. O telegrama, nesses casos, pode ser útil e provocar grande impacto.

Conheço bem aquela região. Passei semanas ministrando cursos naqueles longínquos rincões. O próprio senador foi meu aluno quando se candidatou à prefeitura de Ji-Paraná e depois ao governo do estado. Está certo que já faz quase trinta anos, mas há localidades em que a realidade continua sendo a mesma.

Depois desse alarde, ainda que possam justificar o uso do telegrama com uma ou outra explicação, provavelmente, pelo menos no Senado, tudo indica que o telegrama será definitivamente colocado como meio de comunicação do passado. Porém, não nos iludamos. Essa turma é craque em arrumar despesas para aumentar suas verbas.

Superdicas da semana

  • Os meios de comunicação evoluem com o desenvolvimento da tecnologia
  • Todos os meios de comunicação podem ser utilizados desde que atinjam os objetivos
  • O melhor recurso tecnológico é aquele de que dispomos no momento
  • Há seres humanos que contam com o que há de mais avançado na tecnologia
  • Há outros, entretanto, que ainda vivem na idade da pedra

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.