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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Lula perdeu a mão com a oratória e sofre as consequências de suas falas

Lula em cerimônia no Palácio do Planalto - FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Lula em cerimônia no Palácio do Planalto Imagem: FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

28/03/2023 04h00

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.
Mário Quintana

Há certas coincidências que chegam a intrigar. Faz só uma semana que escrevi nesta coluna a seguinte matéria: "Está na hora de Lula deixar o improviso de lado ao falar em público". Pois é, ele continuou improvisando e deu no que deu. Em entrevista à TV 247 na terça-feira, 21, Lula disse:

"De vez em quando um procurador entrava lá [sede da Polícia Federal em Curitiba onde estava preso] de sábado, ou de semana, para visitar, se estava tudo bem. Entravam 3 ou 4 procuradores e perguntavam "tá tudo bem?". Eu falava "não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu f... esse Moro. Estou aqui pra me vingar dessa gente".

Desgraça pouca é bobagem

Como alguns de seus apoiadores acusaram certos setores da mídia de tirar a fala de Lula de contexto, tive o cuidado de assistir mais de uma vez à sua entrevista. E foi exatamente o que ele disse. Com essas mesmas palavras.

Como desgraça pouca é bobagem, no dia seguinte, quarta-feira, 22, a Polícia Federal iniciou uma operação com 24 mandados de busca e apreensão, 4 de prisão temporária e 7 de preventiva. Prenderam 9 pessoas.

Plano abortado

Descobriram que havia um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) para eliminar o senador Sérgio Moro, os membros da sua família e o promotor de justiça de São Paulo Lincoln Gakiya, que atua no combate ao crime organizado. Tudo havia sido criteriosamente organizado.

Há informações de que o PCC investiu R$ 5 milhões no preparo da operação. Alugaram imóveis próximos da residência do senador e seguiram a rotina de seus familiares. Fotografaram os passeios no shopping, as idas à academia, a frequência escolar e reuniões. Graças à eficiente intervenção dos policiais o plano foi abortado.

Não parou de falar

Pois é, não acredite nessa história de que raio não cai duas vezes no mesmo lugar. No caso de Lula, parece que resolveram fazer uma espécie de tiro ao alvo em sua direção. Não que tenha sido uma obra da natureza. Não, o próprio presidente tomou a iniciativa de provocar as trovoadas.

Mesmo depois de membros do alto escalão do governo, a começar pelo vice, Alckmin, elogiarem a eficiência do trabalho da Polícia Federal, Lula resolve dar mais uns tirinhos no pé. Um dia depois, quinta-feira, 23, fez um pronunciamento acusando Moro de ter armado toda a situação:

"É visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar, eu vou saber do porquê da sentença".

Depois, como se quisesse se proteger ressalvou: "Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas".

Para em seguida voltar a atacar: "Eu acho que é mais uma armação. E se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que ele vai fazer da vida se ele continuar mentindo do jeito que está mentindo".

Nem seria preciso dizer que Moro, que andava meio sumido dos holofotes, se aproveitou da ocasião para bater pesado em Lula:

"Não posso admitir que o presidente, o maior magistrado do país, trate um assunto dessa gravidade dando risada e mentindo à população de que seria uma armação. Eu recebi a investigação das autoridades, do próprio ministro da Justiça [Flávio Dino]. Sempre o tratei com humanidade enquanto juiz, fiz o meu papel, nunca tratei isso de forma pessoal e isso tem meu repúdio".

Sem justificativa


Se o objetivo do presidente era o de se vingar, suas palavras funcionaram como bumerangue e voltaram com mais força ainda para sua própria cabeça.

Nem os próprios apoiadores do chefe do Executivo conseguem encontrar argumentos para defender o seu líder. Alguns tentaram aqui e ali dizer que ele não disse o que efetivamente disse.

Elogiaram a Polícia Federal como se fosse um órgão de Lula, sem considerar que se trata de uma instituição que age de maneira independente. Não colou. A viagem à China, que poderia abarrotar a mídia com boas notícias de negócios e acordos, teve de ser adiada. Deu tudo errado.

Precisa mudar

Essa sede de revanchismo do presidente só pode prejudicá-lo. Esses desatinos verbais paralisam o governo, impedem a pacificação do país e desviam o Brasil dos rumos que deveriam ser tomados.

Quem sabe agora Lula se convença de que não pode continuar falando como se ainda estivesse em campanha. Pelo jeito, sozinho, não tomará essa consciência. Será preciso que alguém com autoridade e bom senso o aconselhe a agir. Só quero ver quem tomará a iniciativa de cochichar no ouvido da jararaca.

Superdicas da semana

  • A palavra é de prata e o silêncio é de ouro - Maurice Maeterlinck
  • Ficar em silêncio é um direito. Em certos casos, um dever
  • Alguns precisam levar choque na tomada duas vezes para aprender
  • Feliz daquele que tem ao seu lado um crítico sincero, não um bajulador falso

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.