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Reinaldo Polito

OPINIÃO

Lula e Bolsonaro provam que é difícil criar novas lideranças

Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva - 16.out.2022 - Nelson Almeida/AFP
Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva Imagem: 16.out.2022 - Nelson Almeida/AFP

Colunista do UOL

04/04/2023 04h00

Não acendas fornalha tão quente para o teu inimigo / Que venha a te queimar também.
Shakespeare

Há uma máxima em política que merece atenção constante: "O seu melhor amigo hoje será o seu maior inimigo amanhã". Os exemplos pululam com frequência assustadora. Nem é preciso fazer pesquisa. De cabeça dá para lembrar dos parceiros que passaram a se estranhar.

Para não ir tão distante no tempo, estão presentes em nossa mente os que chegaram a ser unha e carne, e depois se transformaram só em unhas: Franco Montoro e Orestes Quércia. Paulo Maluf e Celso Pita. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Geraldo Alckmin e João Doria. A lista é interminável.

Trairagens

Bolsonaro sofreu muito com as trairagens. Correligionários de primeira hora que, por não serem contemplados no poder como aspiravam, saíram atirando como se fossem velhos inimigos. O caso mais marcante foi o de Sérgio Moro, que, de ministro leal, por estar de olho na faixa de presidente, passou a ser adversário ferrenho.

Tirando o caso de Antonio Palocci que não aguentou o peso da reclusão e revelou ao mundo todos os segredos de coxia, e mais um ou outro, Lula até deu sorte com os que estiveram à sua volta. Não vamos contar aqui os empreiteiros e dirigentes de estatais, pois esses eram movidos só pelas conveniências.

Faltam líderes

Por essas e outras, Bolsonaro e Lula não conseguiram construir lideranças de peso para substituí-los. Há exceções, como o exemplo de Tarcísio Gomes de Freitas, que saiu do nada e com ajuda do ex-presidente conquistou o governo do estado mais importante do país. Já adquiriu luz própria, mas para seguir precisa ainda do apoio do antigo chefe.

Lula tentou emplacar Haddad. Até que foi bem, mas longe de poder substituí-lo. Agora, então, na posição delicada em que se encontra como ministro, e, pelo andar da carruagem, com a economia claudicando, tudo indica que perderá bons nacos do prestígio que havia angariado. Não vai rolar.

O passado conta a história

No contexto atual, apenas Bolsonaro consegue ser páreo para Lula e vice-versa. Qualquer outro que ouse enfrentar um dos dois já perde na largada. Por isso, os que tentam construir uma oposição alternativa, como o caso de Kim Kataguiri, não terão chance com essa estratégia.

O caso de Kataguiri é um bom exemplo. Essa história de bater pesado no ministro Flávio Dino, para se mostrar oposição, não engana ninguém. Quem ele pretende viabilizar? Os eleitores ainda se lembram de que o deputado oriundo do MBL (Movimento Brasil Livre) foi chegadíssimo em Alckmin e deu nota 8 para Rodrigo Maia.

Sem substituto

Dentro do PT e dos partidos que o circundam também não há um só nome que desponte. De Haddad já falamos. Ou será que Simone Tebet pensa que herdará essa boquinha na esquerda? Conseguiu a votação que conseguiu porque pôde bater à vontade na campanha de 2022 sem risco de levar o troco. Não era páreo.

Sozinha, ela e outros nomes que julgavam dominar a terceira via não vingam. É simples. Basta colocar cada um desses políticos em uma peregrinação pelo país. Qual deles terá uma legião de eleitores cantando seu nome para recepcioná-lo no aeroporto e acompanhá-lo em carreatas?

Som dos grilos

Parece que estou vendo Eduardo Leite, Simone Tebet, Ciro Gomes, Felipe D'Avila caminhando pelas ruas desse país afora ao som dos grilos locais. Nenhum tem apelo popular. O próprio Alckmin, que já foi muito bom de voto, também não seduz mais nem os de esquerda nem os de direita.

Portanto, a disputa continuará sendo, se tudo transcorrer como tem sido até aqui, entre Lula e Bolsonaro. Se, entretanto, a esquerda insistir em tirar o ex-presidente da corrida presidencial, dará um tiro no pé.

Poderá ser vítima

O máximo que conseguirão será transformá-lo em vítima e criar um opositor ainda mais robusto. Em quem será que o eleitorado de Bolsonaro votará para presidente: em Lula ou em quem o ex-presidente indicar? Se cometerem esse erro político, Tarcísio já estará com um dos pés dentro do Palácio do Planalto.

Por motivos de saúde, Lula recolheu as garras na última semana e não mencionou o nome de Bolsonaro. Assim que o ex-presidente pisou em solo brasileiro, o chefe do Executivo terceirizou os ataques para alguns de seus correligionários.

Cutucando com vara curta

Randolfe Rodrigues, afirmou: "Bolsonaro veio responder processo, não liderar oposição". Gleisi Hoffmann questionou ironicamente: "Tá voltando o genocida?" Se pensam que assim irão desmobilizar os apoiadores do adversário, nada garante que estejam certos. Precisam ponderar que os opositores talvez até ganhem ainda mais fôlego para continuar combatendo.

São suposições baseadas nas circunstâncias de momento. Em política, não se pode garantir nada. Só para exemplificar, que chances teriam de se tornar presidentes José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer? Se alguém fizesse previsões antes que chegassem ao posto que chegaram, teriam errado. Até eles mesmos.

A política como está se transformou em verdadeiro tabuleiro de xadrez. Uma jogada mal planejada poderá representar perdas irreparáveis na disputa eleitoral, que ainda nem começou, mas está em temperatura alta.

Superdicas da semana

  • Pior que combater um adversário é transformá-lo em vítima
  • Criar liderança política exige tempo, paciência e bom planejamento
  • Às vezes, é preferível deixar o opositor quieto a cutucá-lo com vara curta
  • A política é imprevisível, mas pelo que se planta hoje dá para vislumbrar o amanhã

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: "Como Falar Corretamente e sem Inibições", "Saiba dizer não", "Comunicação a distância", "Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo" e "Oratória para advogados", publicados pela Editora Saraiva. "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado pela Editora Sextante. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora Planeta.