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Alexandre Pellaes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quiet quitting: o tema da vez (ou bobagem do momento) no mundo do trabalho

Johnny Cohen/Unsplash
Imagem: Johnny Cohen/Unsplash

Colunista do UOL

26/08/2022 04h00

Há algumas semanas, o termo quiet quitting ganhou evidência em publicações nas redes sociais e nos meios de comunicação de massa internacionais CNN, BBC, The Washington Post, The Wall Street Journal, The New York Times, Bloomberg, Reddit, TikTok, Instagram etc.

Mas o que, afinal, é quiet quitting e por que devemos falar sobre isso?

Em tradução livre, o termo significa "desistência silenciosa".

Sua origem, a partir de memes e desabafos surgidos em março de 2022, aponta que esse "movimento" reflete a busca por equilíbrio na vida profissional, dando um basta aos exageros sugeridos pela cultura da agitação (chamada hustle culture, em inglês).

Esta cultura, por sua vez, aponta como comportamento de sucesso a busca por "mais, sempre mais" - mais desafios, mais dinheiro, mais aprendizado, mais exposição, mais seguidores, mais clientes, mais montanhas a subir - e valoriza conselhos de frases batidas com tempero de positividade tóxica, como "trabalhe enquanto eles dormem", "estude enquanto eles se divertem", "lute enquanto eles descansam", "quem quer, faz" etc.

A leitura dos parágrafos anteriores me levam a concluir, sem dúvidas, que a causa do quiet quitting é nobre. Afinal, estamos atentos e ativos na busca pelo redesenho das relações de trabalho e da construção de práticas e de processos humanizados, que respeitem os limites da saúde mental e da justiça do composto contribuição x compensação. Estamos cansados(as), estamos cientes do histórico de abusos no mundo do trabalho e estamos absolutamente ávidos(as) por mudança. MAS...

... é importante reconhecer de que maneira um novo movimento social relacionado a um tema de profunda relevância (o trabalho) e conectado a um contexto tão complexo (as relações humanas no mundo do trabalho) pode ganhar contornos infantilizados na superficialidade das redes sociais, sem aprofundar análises e impactos reais sobre os(as) envolvidos(as). Sem a reflexão, as manifestações podem se tornar apenas uma distração das conversas que realmente temos que ter. A começar pelo próprio termo.

Se o "movimento" é sobre equilíbrio, o nome "desistência silenciosa" não tem nenhum sentido. Afinal, não é uma desistência. Além disso, se é algo que deve ser discutido, não deveria haver nada de silencioso.

Talvez, o termo "silencioso" tenha aparecido porque há um sentimento de culpa envolvido nesse processo. Primeiro, porque a gente aprendeu que "o trabalho enobrece a alma" e falar sobre trabalhar com mais comedimento desperta um gatilho de autojulgamento inconsciente (mas tomar a decisão de se calar vira um lugar quentinho e seguro do qual não queremos sair - mesmo que seja importantíssimo).

Segundo, porque tem um quê de vingança nas expressões que representam as ideias desse "movimento" e que não refletem a busca por equilíbrio, mas sim um possível flerte com a mediocridade. Não devemos ter nenhuma culpa em relação ao primeiro, mas devemos ter muito cuidado em relação ao segundo.

Será que não seria mais maduro ter um movimento chamado "discussão aberta" ou "transparência total" em vez de "desistência silenciosa"? Já sei! Que tal o famoso "o combinado não sai caro"?

Ei, ei! Não me entenda mal. Se seu patrão ou patroa quer lhe pagar o mínimo possível, me parece natural que você sinta que deve "dar o troco". Só não é estratégico, para atingir o seu objetivo de equilíbrio - se é isso que realmente é buscado - afinal, estaríamos nivelando a relação por baixo.

As ideias centrais do quiet quitting sustentam que você "não deve levar o seu trabalho tão a sério", "deve fazer o mínimo possível dentro da sua função", "deve fazer exclusivamente o que foi prometido e está na sua descrição de cargo". Bem... isso é bastante arriscado, principalmente, em um cenário de mudanças aceleradas, onde a descrição de cargo passa a ser uma referência distante do que um(a) profissional fará durante o seu trabalho.

Claro, eu não estou dizendo aqui que um advogado deverá fazer o trabalho de um contador, ou que uma analista deva assumir as atribuições de um gerente. No entanto, também não posso ignorar que o "movimento" sugere que se o seu trabalho é atender a porta, quando tocar o telefone, você deve ignorar o chamado; se cair um copo de água sobre a mesa de reunião, você não deve tentar secar, e sim chamar a equipe de limpeza; ou que, se você faz parte de um projeto complexo e que as pessoas poderiam se ajudar em conhecimentos multidisciplinares, você deve deixar isso para os outros. Afinal, você deve só fazer absolutamente o mínimo.

E por que isso é ruim?

Primeiro, porque nenhuma relação humana será bem-sucedida se você fizer o mínimo possível.

Segundo, porque as relações de trabalho não acontecem apenas entre você e um(a) empregador(a). Há diversas outras pessoas envolvidas. Colegas, fornecedores, clientes etc. A ideia de que é possível trabalhar o mínimo com muita qualidade é ilusória e terá impacto sobre eles(as).

Terceiro, porque é tentador ajustar unilateralmente uma relação que está desbalanceada, adotando um comportamento de redução de impacto e de interesse. O difícil é resgatá-la...

Quarto, porque você não deveria entregar a uma empresa o poder de reduzir a sua conexão com a sua capacidade produtiva - leia mais sobre isso no artigo "Você não gosta do seu trabalho, ou você não gosta de trabalhar?"

Quinto, porque estamos lutando por autonomia e redução do trabalho prescrito no mundo organizacional, e o quiet quitting reforça exatamente o oposto, reduzindo nossa capacidade de individualização nas atividades e sugerindo um resgate do taylorismo puro, em que somos braços e pernas, mas não somos mente e coração.

Finalmente, porque, como disse o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, "Eu sou eu e minhas circunstâncias". Nem sou só eu nem só as minhas circunstâncias. É no encontro desses dois universos que eu me coloco no mundo. Ao reconhecer a necessidade de agir sobre esse composto, gosto mais da ideia de investir energia para mudar as circunstâncias para melhor do que sucumbir à tentação de mudar quem você é para pior.

Provavelmente, a busca concentrada por um novo emprego faça mais sentido do que reduzir sua intenção no trabalho. Caso contrário, talvez o quiet quitting se torne, na realidade, uma desistência de si mesmo(a).

Um abraço, boa semana e muito bom trabalho.

(Deixe seus comentários aqui no texto, ou interaja comigo lá no Instagram @pellaes)

Lugares Incríveis para Trabalhar

O Prêmio Lugares Incríveis Para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da FIA para reconhecer as empresas que têm as melhores práticas em gestão de pessoas. Os vencedores são definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), que mede a qualidade do ambiente de trabalho, a solidez da cultura organizacional, o estilo de atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. A pesquisa já está na fase de coleta de dados das empresas inscritas e as empresas vencedoras devem ser anunciadas em setembro.