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Aposentados em trabalhos precários serão mais comuns do que gostaríamos?
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Um comovente retrato de um senhor idoso desmaiado de cansaço em um banco de metrô, com a cabeça escorada na mochila de um aplicativo de entrega, vem viralizando nas redes sociais.
A foto não é propriamente nova, começou a circular no início deste ano. O personagem, no caso, é Francisco Sánchez - o Panchito. Morador da Cidade do México, ele complementa o orçamento fazendo delivery de comida pela capital de seu país. A pé. Aos 70 anos.
Em algumas páginas da internet, Panchito é festejado como ícone de resiliência e exemplo a ser seguido - o batalhador que não desiste nunca, mesmo esgotado.
Mas quem para, respira e conta até três logo percebe que a figura do mexicano representa, na realidade, o chamado "gerontariado".
Ao pé da letra, gerontariado significa a mistura de "gerontologia", o estudo do envelhecimento, com "precariado" - o conjunto de trabalhadores privados de direitos básicos. O conceito é de Giovanni Alves, sociólogo e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Panchito é o rosto da crescente parcela da população mundial que está envelhecendo e enfrentando cada vez mais dificuldades para arrumar um trabalho decente e pagar as contas no fim do mês. Por sinal, um fenômeno preocupante por aqui também já há algum tempo.
Entre as décadas de 1990 e 2010, apesar do acelerado ritmo de envelhecimento da população brasileira, a participação de idosos no mercado de trabalho brasileiro teve queda de 12%. O dado é de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Há vários motivos que explicam esse fechamento de portas, afirma Bruno Chapadeiro, professor de pós-graduação de psicologia da saúde da Universidade Metodista.
Invariavelmente, estão relacionados ao chamado "idadismo", como é conhecido o preconceito contra idosos. "Às vezes, eles são vistos como 'dinossauros', parados no tempo. Às vezes, são enxergados como profissionais caros demais para as empresas", analisa o professor.
Tudo isso tem a ver com as profundas transformações demográficas que vêm acontecendo em escala global. Só no Brasil, por exemplo, existem hoje cerca de 30 milhões de pessoas acima dos 60 anos. Ao longo das próximas três décadas, esse contingente deve mais do que dobrar.
Não é sem motivo, portanto, que a sustentabilidade financeira dos sistemas de Previdência desperte tanta preocupação entre gestores públicos. Em todo o planeta, reformas têm sido aprovadas nos últimos anos para retardar o pagamento de pensões.
De fato, estamos vivendo mais - o que, em tese, justificaria o prolongamento do tempo dedicado ao trabalho. Mas também é verdade que a expectativa de vida já não aumenta no mesmo ritmo de décadas atrás. Além disso, é importante lembrar que viver mais nem sempre é sinônimo de viver bem. Principalmente quando falta dinheiro para despesas básicas.
No Brasil, cerca de 66% dos aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recebem apenas um salário mínimo por mês.
Com o endurecimento das regras aprovadas em 2019, a tendência é que tenhamos uma esmagadora maioria de brasileiros acima dos 65 anos de idade com direito a um ou a, no máximo, dois salários mínimos.
Não é preciso ser especialista em finanças para reconhecer que essa renda está longe de garantir uma velhice sem sobressaltos.
"A Reforma da Previdência colocou em evidência a questão do idoso que vai ter uma aposentadoria insuficiente e que vai precisar retornar ao mercado", afirma Bruno Chapadeiro. "Aí, a alternativa é se submeter a um trabalho precário, justamente pela dificuldade de encontrar um emprego decente que o idadismo gera", acrescenta o professor.
O envelhecimento da população é um dos grandes desafios a serem enfrentados no médio e longo prazo - de urgência comparável até à das mudanças climáticas, afirma Giovanni Alves, o pai do conceito de gerontariado.
Se não houver políticas públicas sérias para desarmar essa bomba-relógio humanitária e garantir colchões de Previdência mais inclusivos, é bastante provável que esbarremos cada vez mais frequentemente com outros Panchitos por aí.
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